sábado, 25 de dezembro de 2021

Natividade

 


       Canta Simone, na versão para o português do clássico War is over, de autoria de John Lennon e Yoko Ono, que “então é Natal, e o que você fez?/O ano termina e nasce outra vez/Então é Natal, a festa cristã/Do velho e do novo/Do amor como um todo”.

 

        Decorridos mais de dois mil anos, o nascimento de Jesus Cristo (sem adentrar à polêmica quanto à data, que teria sido uma apropriação do Cristianismo em relação às festas pagãs que já existiam milenarmente) é daqueles momentos memoráveis para a humanidade, mesmo em relação àqueles que professam outras religiões ou desconhecem/desacreditam (d)a existência Dele.

 

        Nunca, neste longo percurso do ser humano sobre a face da Terra, algo ou alguém causou tanto impacto, a ponto de ser tornar fonte perene de esperança e amor para aproximadamente um terço da população religiosa que atualmente habita o planeta, segundo dados estatísticos aproximados da Wikipédia, ou seja, mais ou menos 2,3 bilhões de pessoas.

 

        É sabido que o Cristianismo desempenhou um papel de destaque na formação da civilização ocidental pelo menos desde o século IV, a partir do momento que o imperador romano Constantino, em 313, assinou o Edito de Milão, autorizando a liberdade religiosa em todos os territórios sob sua tutela, e, principalmente, depois que Teodósio, já no ano de 390, tornou-o religião oficial do Império de Roma.

 

        Contudo, há de se considerar que independentemente do credo (cristãos romanos, ortodoxos, evangélicos, espíritas, esoterismo e outros segmentos religiosos, além daqueles que simplesmente acreditam mas não seguem uma religião institucionalizada) a mensagem de Jesus, fundamentada no perdão e amor a Deus acima de tudo e ao próximo como a si mesmo, transcende a qualquer rito.

 

        A força de sua pregação não está restrita ao perímetro de quatro paredes de uma igreja. Ela é consolidada no coração de cada um, nascendo e crescendo e enraizando na medida em que amar a prática fiel do bem se torna uma constante na vida de todos, deixando de ser mera retórica. Jesus, acredito eu, não faz questão de templos suntuosos, tanto que nasceu, conforme os relatos bíblicos, numa humilde manjedoura.

 

        Ele quer de nós, da maneira que eu sinto e entendo, que seus ensinamentos sejam vivenciados diuturnamente, e não somente nesta época do ano. Não é fácil, mas que beleza, quando conseguirmos.

 

Por isso, caríssimos leitores, “então é Natal, pro enfermo e pro são/Pro rico e pro pobre, num só coração/Então bom Natal, pro branco e pro negro/Amarelo e vermelho, pra paz afinal/Então bom Natal/E um Ano Novo também/Que seja feliz quem souber o que é o bem” (Então é Natal).

 

        Feliz Natal e Próspero Ano Novo!

 

 

 

 

 

domingo, 19 de dezembro de 2021

Caminhar

 


        O nunca esquecido cantor e compositor paraibano Geraldo Vandré, em Pra não dizer que não falei das flores, cantou: “Caminhando e cantando e seguindo a canção/Somos todos iguais, braços dados ou não/Nas escolas, nas ruas, campos, construções/Caminhando e cantando e seguindo a canção”.

 

         Já Caetano Veloso, o baiano mais famoso de Santo Amaro da Purificação, compôs o hino de uma geração onde entoou que “sem lenço, sem documento/Nada no bolso ou nas mãos/Eu quero seguir vivendo, amor/Eu vou” (Alegria, alegria).

 

         Essa modesta reflexão sobre o caminhar me foi motivada por uma palestra que assisti recentemente na qual o insigne e incansável economista, jornalista e turismólogo Eustáquio Palhares falou de seu projeto, junto com outros abnegados, que vem se mantendo por mais de 20 anos, denominado Os passos de Anchieta, santo católico espanhol conhecido como “Apóstolo do Brasil”.

 

         Trata-se de uma caminhada de 100 quilômetros. Saindo da Catedral de Vitória vai, ao longo de três dias, concluir na antiga vila de Rerigtiba (atualmente, município de Anchieta), no litoral sul capixaba, onde, em junho de 1597, o jesuíta morreu amparado pelos milhares de índios que cativou durante décadas de sua pregação religiosa. Foi por eles levado em cortejo até a capital do Estado.

 

         Intitulando-se andarilhos, os participantes buscam seguir, na medida do possível, considerando as mudanças urbanísticas ocorridas durante séculos, o trajeto original que Anchieta fazia beirando o mar esplendorosamente privilegiado e de cenários deslumbrantes. Por conta da rapidez com que caminhava, ele ficou conhecido entre os indígenas como Abara-Bebe ou Carai-Bebe (santo voador ou homem-voador).

 

         Sem enfoque estritamente religioso, pois aberto a todas as tribos, a ideia é garantir aos corajosos “a cada passo um encontro consigo mesmo”, a exemplo de outras rotas místicas como o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, a Via Sacra, em Jerusalém, e o roteiro romano.

 

         Pois bem. Na verdade, a nossa vida não é outra coisa senão um caminhar constante. Todos os nossos passos, mesmo que de forma inconsciente, conduzem ao destino inexorável do nosso reencontro, um dia, com o Pai Superior. O jeito de chegar até lá é que difere um pouco. Cada um tem suas escolhas, a partir do livre-arbítrio permitido por Deus aos humanos.

 

         Existe um provérbio, cuja origem se perdeu no tempo, que ensina: “"A semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória". Assim, entre tantas procelas neste mundo de ilusão, “vem, vamos embora, que esperar não é saber/Quem sabe faz a hora, não espera acontecer/
Vem, vamos embora, que esperar não é saber/Quem sabe faz a hora, não espera acontecer” (Pra não dizer que não falei das flores – Geraldo Vandré).

 

         E caminhemos, física e espiritualmente, para frente e para o alto, sempre em direção à Luz Divina.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Liberou geral

 


         Pessoal, a maré ainda não está para peixe, mas a galera já resolveu, por conta própria, que o uso da máscara deixou de ser obrigatório, ou seja, o “novo normal” voltou a ser o “velho normal”. Fora os estabelecimentos comerciais, clínicas e similares nas ruas e nas praias apenas uma minoria mantém o uso do, digamos, equipamento.

 

         Realmente, admito, não é do nosso feitio cumprir ordens ou atender comandos sanitários, especialmente com o exemplo que emana do Planalto Central. Reconheço também que cobrir nariz, boca e queixo com aquele pedaço de pano é um tanto incômodo, principalmente nesta época do ano em que os termômetros disparam no rumo de cima.

 

         É lamentável, porém, acompanhar o noticiário e ver tantas (des)informações de brigas causadas entre aqueles que usam máscaras e os que dizem que isso não é necessário. E dizer “briga” não é uma metáfora ou coisa parecida. Já ocorreram casos de agressões físicas literais, tudo por causa dessa polarização imbecil que tomou conta do país. Imaginem quando começar a campanha política de 2022.

 

         Paira no ar a ameaça da Ômicron, que é a variante do coronavírus que apresenta mais mutações, por isso colocou o mundo em alerta novamente. Ela possui cerca de 50 mutações em comparação com as 26 do vírus original. Por conta disso, discute-se se as festas de final de ano serão liberadas e se os eventos carnavalescos poderão ser realizados.

 

         Em tese, estou imunizado, pois já tomei até a dose de reforço. Na prática, espero que a teoria seja uma realidade. O que me preocupa é a continuidade dessa bagunça institucional entre os entes federados, que permanecem remando cada um pra um lado e brincando com a saúde da população, que, infelizmente, não deixou de ser massa de manobra para que interesses escusos e duvidosos sejam atendidos. Vide o tal orçamento secreto das emendas parlamentares, como se fosse cabível o dinheiro público ter uso oculto.

 

         Diz um amigo meu que todo cuidado reunido do mundo ainda é pouco. Dessa maneira, mantenho meu estoque de máscaras (já tenho umas sete ou oito) operacional e à mão para qualquer eventualidade. Não estou com pressa de subir para o andar de cima. Quero prolongar meus dias, pois tenho umas coisitas por acertar antes de partir. E se preciso for para tal desiderato, mascarado ficarei, amparado no manto da ciência, cuja origem divina há de ser reconhecida um dia.

 

         Até lá, amigos, aproveitemos para aprender a nos conhecermos pelo olhar, cuja brilho paira acima de qualquer cobertura facial, conforme relatado na tradição cristã das homenagens à Santa Luzia, cujo martírio é relembrado nesta data – 13 de dezembro.

domingo, 5 de dezembro de 2021

Ruído na comunicação

 


Casalzinho recém-casado é só love. Naquela modorrenta manhã de domingo o jovem mancebo acordou com o celular tocando. Eram seus dois melhores amigos, que moravam no mesmo prédio, convidando-o para um banho de piscina na área de lazer do condomínio. Convite aceito, sussurrou no ouvido da mulher adormecida:

 

- Amor, foi tomar um banho de piscina. Durma mais e não se preocupe com o almoço que depois eu dou meu jeito.

 

Satisfeito com a atenção dedicada à sua esposa, seguiu despreocupado ao encontro dos companheiros, e ficaram os três jogando conversa fora entre um mergulho e outro. Por volta de meio-dia, o smartphone disparou uma canção melosa estilo sertanejo universitário. Era ela.

 

Antes que pudesse dizer ao menos alô, ouviu uma saraivada de impropérios. Rapidamente, procurou um canto reservado para entender o que estava acontecendo. Os amigos perceberam que tinha alguma coisa fora da normalidade, e chegaram juntos.

 

O problema é que a mulher havia entendido tudo ao contrário. Em vez de “não se preocupe com o almoço” ouviu que era para levantar logo e preparar uma suculenta refeição pois os inseparáveis parças chegariam em breve para apreciar a boca livre. E já passava das 12 horas. A comida tinha até esfriado.

 

O pior é que se achando extremamente desrespeitada, proibiu-o de voltar para casa, e não queria ver mais nenhum dos outros culpados por aquela desfeita. E agora? Um deles, padrinho de casamento, conhecido por sua capacidade de se virar nos trinta, resolveu tomar as dores do amigo, que, sem ação, estava atordoado.

 

Correu até a padaria mais próxima, reuniu as balconistas e explicou a situação, conclamando: “Precisamos salvar esse casamento”. Movidas por uma solidariedade que só o ideal romântico explica, arrumaram uma cestinha de vime, encheram de doces e outras guloseimas, passaram umas fitas coloridas e, pronto, o presente da reconciliação foi entregue.

 

Na emoção do momento e na pressa de sanar imediatamente a situação, saíram correndo, não pagaram e nem foram cobrados. As moças, emocionadas por aquela boa ação, ainda desejaram: “Boa sorte”.

 

Na porta do apartamento, enquanto o marido escorraçado e o amigo medroso se escondiam num canto do corredor, o best man, sobraçando a lembrança, acionou a campainha, chamando, através da porta, pela amiga. Em resposta, ouviu um “vão embora”. Depois de alguma insistência a chave tetra pack estalou na fechadura. Com o rosto desfigurado pelo choro e o cabelo despenteado, ouviu as explicações e recebeu o presente, caindo novamente em pranto compulsivo, desta vez de alegria.

 

Três dias depois o quase ex-marido voltou à padaria para quitar a dívida.

 

E transmitir a notícia que tinha dado tudo certo.

 

 


domingo, 28 de novembro de 2021

Romantismo

 


         Estive participando de um encontro de casais, a convite de um grupo de amigos, lastreado pelos 43 anos de vida em comum que tenho com minha cara-metade.

 

         Quando cheguei na área rural onde o evento aconteceria, percebi que no ambiente as lâmpadas estavam desligadas e o local iluminado à luz de velas. Na minha santa ignorância perguntei se estava faltando energia elétrica, e me foi dito que não, apenas objetivava-se criar um clima romântico para os participantes.

 

         E me perguntaram se eu acreditava no romantismo. Inicialmente, pensei, rapidamente, em dar uma resposta meramente social, mas num daqueles momentos sinceridade dos quais sou acometido com alguma frequência, respondi:

 

         - Não. Ficou perdido ao longo da estrada.

 

         Obviamente, me referia ao percurso de minha vida, e também ao tempo de convivência familiar, e não aos quilômetros esburacados que tive que transpor para chegar até ao bucólico sítio onde homens e mulheres de todas as idades, com mais ou menos tempo de casados, mesmo sem papel passado, trocavam experiências e buscavam/recebiam orientações para a difícil, e nem sempre prazerosa, arte do bem viver.

 

         Voltemos ao romantismo. Segundo o site www.mundoeducação.uol.com.br, “os românticos apresentam descrições idealizadas do amor, do herói e da mulher, exagerando suas características. A mulher é tida como símbolo de pureza, o amor é retratado como o ideal maior e única possibilidade de realização do sujeito”.

 

         Já para a Wikipédia “o romantismo foi um movimento artístico, político e filosófico surgido nas últimas décadas do século XVIII na Europa que durou por grande parte do século XIX.....O termo romântico refere-se ao movimento estético, ou seja, à tendência idealista ou poética de alguém que carece de sentido objetivo”.

 

         Por sua vez www.todamateria.com.br entende que “o romantismo é um movimento artístico e cultural que privilegia as emoções, a subjetividade e o individualismo. Contrário ao objetivismo e as tradições clássicas de perfeição, ele apresenta uma visão de mundo centrada no ser humano com destaque para as sensações humanas e a liberdade de pensamento”.

 

         Conforme se vê, pode-se entender que o romântico é aquele que vive no mundo da Lua, tapando o Sol com uma peneira, suspirando por uma coisa que não existe, ou melhor, uma utopia ainda inacessível para a humanidade em seu atual estágio evolutivo.

 

Contudo, não se pode olvidar que no tema específico da vida a dois o romantismo pode ter papel importante na construção, tijolinho a tijolinho, do amor que deve unir seres tão diferentes mas que se propõem a ter uma história conjunta. Pelo menos no início, naquela fase de paixões e arroubos que antecede a constância mais equilibrada que somente a experiência proporciona.

 

Nada contra os românticos, mas, da maneira já dito alhures, é melhor, para mim, não perder tempo com esses arrodeios sentimentalistas e ir direto ao assunto, de forma clara e direta.

 

Por isso, conclamo românticos e não românticos: Uni-vos em torno do amor, a força mais poderosa do Universo.

 

 

  

 

        

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

O sino da discórdia

 


         A calmaria dominical foi interrompida por um carro de som. Um estridente locutor conclamava a população a comparecer a um ato público em defesa da liberdade religiosa, contra o comunismo e a favor do direito constitucional de os sinos badalarem.

 

         Explico: um morador da cidade questionou junto à Prefeitura e ao Ministério Público se a Igreja Nossa Senhora da Conceição atendia à legislação pertinente à matéria quanto ao volume e à duração do toque do sino, que acontece diariamente às 6, 9, 12, 15 e 18 horas.

 

         A denúncia tramita nos escaninhos burocráticos, mas já gerou a criação, nas redes sociais, dos movimentos #EuSouAFavorDosSinos e #OSinoNaoPodeParar. Dizem os defensores do badalo de bronze que trata-se de uma ameaça, porque, na sequência, haverá também solicitação para que a própria celebração religiosa seja proibida.

 

         Que tempos vivemos!

 

         A ilação feita em relação ao questionamento do cidadão beira as raias do ridículo, mas nada mais é do que um reflexo do discurso de ódio que permeia a sociedade, como se Maniqueu tivesse novamente ressurgido da Pérsia para implantar a sua doutrina em solos tropicais.

 

         Até me considero um soldado do exército do bem na batalha contra o mal (como diria Zé Ramalho, A peleja do Diabo contra o dono do céu), mas é demais dizer que querer saber se o toque do sino está dentro dos limites de decibéis suportáveis pelo ouvido humano é uma demonstração de que os ateus estão se organizando para fechar as igrejas. Fala sério.

 

         Isso é falta do que fazer. É não saber discernir o errado do certo. É uma visão de mundo completamente distorcida, como se quem não vê as coisas de maneira idêntica à minha estivesse automaticamente condenado ao fogo infernal.

 

         Que os sinos badalem, principalmente quando se avizinha dezembro, o mês de nascimento de Jesus, o Salvador, mas se volume do som estiver fora dos padrões previstos nas normas de regência que seja feita a correção. E pronto, simples assim.

 

         Cuidemos da vida e de coisas realmente importantes, pois não podemos mais perder tempo com picuinhas inúteis que só afastam as pessoas de uma convivência solidária, pacífica e profícua.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Sonhos e saudades - 2

 


         No mesmo dia (11/11/21) em que postei uma crônica com título idêntico, falando das perdas de pessoas queridas e das lembranças que elas deixam, chegou a notícia de que Tio Rogério, irmão mais velho de meu pai, havia falecido, aos 94 anos de idade, enfrentando corajosamente a doença que lhe afligia e mantendo a serenidade e o controle possíveis numa situação daquela.

 

         Aliás, Tio Rogério dizia, com razão, que nem era o mais velho, porque dos quatro filhos do Seu Filogônio e de Dona Valentina, todos nascidos no histórico casarão da rua 7 de Setembro, 415, em Vitória (ele, Renato e Carlos Augustus, que se foram primeiro), o primogênito era Geraldo, que, contudo, não sobreviveu mais do que alguns meses de vida.

 

         Sinceramente, não lembro nada de ruim dele. Só coisa boa. Claro, não era perfeito (como diria Jesus, quem não tiver pecado que atire a primeira pedra), mas as inúmeras qualidades superavam, em muito, os poucos defeitos e os pequenos deslizes. Era daquelas pessoas que nos fazem acreditar que a humanidade ainda tem jeito, pelo carisma, o bom coração e aquela garra de viver positivamente, com alegria e disposição em auxiliar o próximo.

 

         No leito hospitalar, provavelmente já sabendo que tinha poucas chances de escapar, ainda assim não esmorecia, e fez um convite para toda a equipe profissional que lhe atendia para um almoço na casa dele quando tivesse alta. O cardápio seria macarrão com camarão, regado a um bom vinho, uma de suas paixões. Odontólogo de profissão, sabia de tudo um pouco, nos vários campos do conhecimento, e sua memória incrivelmente afiada lembrava pormenores dos acontecimentos nos ditos mínimos detalhes.

 

         Não quis choro e nem vela. Determinou que fosse cremado e as cinzas lançadas ao mar nas proximidades da ilha Rasa, em Guarapari, um dos seus pesqueiros favoritos (aliás, pescar era outra de suas alegrias), local, dizia, “dos peixes grandes”. A cerimônia fúnebre, apesar da tocante emoção presente no ar, rescendia aos mais nobres sentimentos de amor e de amizade, do jeito que ele desejava. Foi atendido.

 

         O pouco conhecido e talentoso sambista Adeilton Alves canta que “viver é uma ciência, que a gente deve aprender, para não chorar, para não sofrer”, pois “quem não amou, quem não chorou, quem não sofreu, passou pela vida mas a vida não viveu”, uma vez que “nem tudo é espinho, ainda existe o amor”.

 

         Nessa arte, Rogério Costa Pacheco foi professor. E dos bons.

 

         Que os ventos da eternidade lhe sejam favoráveis nos mares infinitos por onde navega agora.

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Sonhos e saudades

 


         Tenho tido sonhos recorrentes com gente morta. Melhor dizendo: com aqueles que não estão mais nesse plano material, que desencarnaram e foram para o além. Meu pai e meus inesquecíveis amigos Ivanzinho e José “Azul” Albuquerque são personagens constantes nos meus devaneios oníricos.

 

         O sempre citado psicanalista austríaco Sigmund Freud, em seu livro mais conhecido A interpretação dos sonhos, publicado em 1899, analisa os processos inconscientes, pré-conscientes e conscientes envolvidos nos sonhos, incluindo sonhar, recordar e relatar o sonho.

 

         Freud acreditava que os sonhos são realizações inconscientes de nossas vontades. Sempre que temos algum desejo ao qual não podemos realizar, o escondemos, a fim de esquecê-lo, o recalcando. Contudo, esse desejo continua a existir em determinado lugar e continua a criar efeitos em nós, como os sonhos.

 

         Entretanto, essa abordagem é muito “papo cabeça” para mim, mero aprendiz de escritor e totalmente leigo nesse ponto em particular: a psicanálise. No mais famoso dos “sábios” da atualidade, o Dr. Google, existem diversos sites que desvendam, sem maiores delongas, e talvez (com certeza) sem tanta profundidade, os mistérios dos sonhos.

 

         Ao pesquisar “significado de sonhar com pessoas que já morreram” encontrei inúmeras respostas, entre elas: problemas e desavenças num futuro próximo; deixar de lado amargura e tristeza; maneira de o falecido se comunicar com você; largar o passado e pensar no futuro; sentimentos de culpa em relação ao de cujus; cuidar melhor das amizades; dificuldade em aceitar uma perda.

 

         Bom, na realidade, não sei dizer ainda quem tem razão, até porque acordo lembrando que sonhava com alguém, A ou B, mas as imagens que vivenciava naqueles momentos somem da memória rapidamente. Algumas vezes lembro do sonho completo, e até do que foi conversado. Talvez seja, nessas ocasiões, o que os estudiosos do tema chamam de “sonho lúcido”, que é um termo criado pelo holandês Frederik Willems van Eeden, no início do século XX, e se refere à percepção consciente de uma pessoa identificar que está em estado de sonho, que está tendo uma experiência no mundo do inconsciente e não na realidade física, resultando em uma recordação nítida/lúcida daquele instante.

 

         Pois é. Tantas coisas para estudar, tantas coisas para aprender. Espero por noites mais tranquilas. Que Hipnos, o deus do sono na mitologia grega, possa me conceder sempre um descanso tranquilo, para que Morfeu, responsável pelos sonhos, conduza a viagem astral sem turbulências, até o dia em que Tânatos, que personifica a morte, venha cumprir sua inevitável missão de libertar os humanos da carne aprisionante.

 

         Assim seja!

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Infância

 


         Quando aquele rapaz latino-americano nascido no Ceará cantava “eu era alegre como um rio/Um bicho, um bando de pardais/Como um galo, quando havia.../Quando havia galos, noites e quintais” (Galos, noites e quintais  - Belchior) os tempos eram mais, digamos, amenos, ou, pelo menos, não havia tanta radicalização solta no ar.

 

         Não é que eu seja saudosista, mas esse mundo tecnológico parece demasiadamente frio para quem teve oportunidade de jogar bola no meio da rua, brincar de pique entre árvores e descer de carrinho de rolimã uma ladeira de paralelepípedos. Acredito que esse jeito mais natural ainda persista em algum rincão, mas não é mais o “novo normal”.

 

         Entretanto, entendo que, ao jeito de cada um, as crianças e jovens contemporâneas também têm uma maneira de ser felizes. Faz parte, a meu ver, do caminho de todas as coisas, no sentido de conduzir a humanidade para seu destino universalmente traçado. Computadores, celulares, tabletes e jogos eletrônicos cumprem seu papel neste avanço inexorável.

 

         Faço essa pequeno arrodeio tão somente para narrar uma lembrança infanto-juvenil que não é minha, mas de uma pessoa querida, na época em que havia “galos, noites e quintais”.

 

         Era uma turma, para não dizer bando, de meninos e meninas que morava na rua Eugênio Neto, na Praia do Canto (antiga Praia Comprida), quando o mar ainda chegava até a beirada da avenida Saturnino de Britto, o engenheiro que deu início à expansão urbana da capital capixaba. O bairro era exclusivamente residencial, com moradias grandes e amplos terrenos, onde as famílias tinham pomares e hortas.

 

         Ali, todos se conheciam e os vizinhos mantinham relacionamentos estreitos, que eram ampliados pela convivência diária dos filhos e filhas. Numa daquelas casas, de migrantes italianos, havia uma nonna ainda bastante ativa e que cultivava uma parreira com especial dedicação. A videira se espalhava, como toda trepadeira, e, por conta dos cuidados que recebia, era abundante em frutos.

 

         Na época da safra, a notícia se espalhava e crianças aos montes acorriam para aproveitar aquela dádiva da Natureza. Contudo, tinha um porém. A vetusta senhora não queria ninguém por perto do seu pé de uva e, por isso, a garotada precisava esperar que ela estivesse ausente ou dormindo para degustar da fruta.

 

         Mesmo assim, aqui e acolá o flagrante acontecia e da forma mais inusitada. Vovó jogava baldes de água fria nos ladrõezinhos e ainda corria atrás deles com uma ameaçadora vassoura nas mãos. Tinha deles que nem faziam questão de comer, gostavam mesmo era da bagunça.

 

         E aqui para nós: acho que todo aquele movimento era uma festa também para a nonna, que se divertia com a adrenalina da vida pulsando nas veias.

 

         Tempos felizes. Aqueles que passaram, os atuais e os futuros.

 


domingo, 31 de outubro de 2021

Testemunha

 


         Se casamento fosse bom, não precisava de testemunha. Esse é o refrão do forró Amar não faz mal a ninguém, que Lindolfo Mendes Barbosa, o popular Lindú, do Trio Nordestino, conhecido também como Gogó de Ouro, cantava com a sua voz aveludada e potente.

 

         Há de se convir que nos tempos atuais a instituição do matrimônio está um tanto desacreditada. São cada vez mais raros os casais que permanecem juntos por décadas, mesmo com as dificuldades inerentes a qualquer relacionamento, pois é preciso muita disposição (e bota muita nisso) para viver debaixo do mesmo teto e, mais do que isso, envelhecer juntos.

 

         Me veio esse tema à memória por ter participado ontem do casamento de Marcelo e Lívia, minha sobrinha por ser filha de minha cunhada, irmã de minha esposa. Cerimônia singela, em ambiente decorado com capricho, mas sem ostentação. Tudo, porém, repleto de emoção.

 

          Isso é que me chamou a atenção. Parece que uma mulher, mesmo já casada, não pode ver outra vestida de noiva que afloram sentimentos inexplicáveis e que levam todas às lágrimas. O choro incontido nem era disfarçado quando a nubente, conduzida pelo pai, desfilou sorridente pelo tapete vermelho que conduzia à presença do noivo.

 

         Minha pequena neta Kiara, de apenas 3 anos de idade, mantinha os olhos fixos e brilhantes acompanhando atentamente todo o trajeto, fascinada pelo lindo vestido branco, a tiara brilhante nos cabelos e o véu diáfano que oscilava suavemente a cada movimento. Para ela, não havia dúvida, estava diante de uma princesa encantada.

 

         Que bom que as pessoas ainda busquem essas formalidades para institucionalizar um relacionamento, não apenas por uma segurança jurídica em relação aos bens que possam amealhar ao longo do tempo, o que hoje em dia nem é mais tão necessário após o advento da união estável, mas também para mostrar à sociedade que valores tradicionais permanecem vivos e merecedores de espaço e respeito, principalmente os relacionados à família.

 

         Mas o importante mesmo, conforme a canção popular alhures referida, “é amar, amar, amar, amar, amar e querer bem”, pois é isso “que faz a gente ser feliz”.

 

Esse é o caminho das pedras. Percorrê-lo é a missão. Vencer é o objetivo. Querendo, a gente chega lá.

 

Vida próspera aos noivos. Felicidades para todos.

 


        

domingo, 24 de outubro de 2021

Visão de cima

 

         O incomparável poeta, maestro, músico, cantor e compositor Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim imortalizou seu amor pela Cidade Maravilhosa através do Samba do Avião, no qual Tom, como era mais conhecido no meio artístico, descreve a alegria de um retorno para casa através das imagens aéreas da baía da Guanabara, do Cristo Redentor e do sol, do céu e do mar.

 

         Sem dúvida, a capital carioca é pródiga em paisagens naturais belíssimas, com seus maciços de pedra, a Floresta da Tijuca e as praias do Leme ao Pontal, além de outras atrações a mais, que se destacam quando podem ser observadas do alto, principalmente numa manhã radiante igual a deste domingo, quando embarquei no Santos Dumont num voo para Vitória.

 

         Esse distanciamento aéreo garante uma contemplação do todo de uma maneira abrangente, onde as partes se complementam na junção dos detalhes. Acho que por isso voar sempre foi um ideal que a humanidade buscou desde muito tempo.

 

         Mas sem querer desmerecer o elogio musical da composição internacionalmente conhecida do nosso não menos famoso Tom Jobim, quero, data vênia, falar também, obviamente sem a mesma genialidade, da maravilha que é avistar do alto a chegada em terras capixabas, principalmente a partir do litoral de Guarapari e até a descida no Aeroporto Eurico de Aguiar Salles.

 

         O próprio piloto, não sei bem o motivo, fez questão de anunciar, no sistema de som, em determinado momento do trajeto, quando iniciou as manobras de aproximação com a pista, que à esquerda da aeronave viam-se as paradisíacas Três Praias, Setiba, Ponta da Fruta, Barra do Jucu, Itapoã, Itaparica e Praia da Costa.

 

         Na sequência, o contorno da ilha de Vitória ficou perfeitamente delineado, entre a baía, com o Penedo vigilante no canal de acesso ao porto, e as ilhas do Boi e do Frade e, finalmente, a ponte de Camburi, com a praia de mesmo nome, até o pouso suave, como numa homenagem a tantas belezas.

 

         Viver é bom, mas saber viver é melhor ainda, dizia um amigo meu que já deu até logo a esse mundo material.

 

         Eu digo assim: viajar é bom, mas voltar para casa é melhor ainda, principalmente quando a retina ainda mantém o registro do brilho solar refletido na água do mar clamando por um mergulho. Feliz daquele que tem um lar para onde possa regressar e uma família para amar e ser amado.

 

         E, se Deus quiser, amanhã vai dar praia.

 


segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Calçadão

 


         Caminhadas matutinas na beira-mar são extremamente benéficas à saúde, dizem especialistas de todas as matizes e das mais diversas especialidades terapêuticas.

 

         Inexiste aquele que veja qualquer dano ao bom hábito de esticar as canelas ao longo de alguns quilômetros, apreciando a paisagem e inalando a brisa marinha cheia de puro e saudável oxigênio.

 

         Porém, nem tudo é assim tão inofensivo e ausente de perigo como quer fazer crer nossa vã filosofia. Alguma cautela é necessária, principalmente no que diz respeito a olhares fortuitos para outros, ou outras, caminhantes. Que o diga o sexagenário personagem dessa narrativa.

 

         Vinha o incauto cidadão de mãos dadas com sua cara-metade de mais de 40 anos de convivência quando, no sentido contrário à sua direção, seu ângulo de visão desprovido de catarata foi totalmente ocupado por uma jovem representante do sexo feminino, no auge do seu esplendor natural, que desfilava toda aquela carga hormonal sem esconder que queria mesmo era chamar a atenção.

 

         A manceba trajava uma dessas roupas de academia em que o delineamento do corpo não deixa margem à imaginação, pois todas as protuberâncias e reentrâncias ficam perfeitamente definidas, cada parte se destacando intensamente, praticamente como se não existisse nenhum tecido cobrindo aquele corpo.

 

         Atraído como um imã por aquela Vênus quase desnuda, o idoso, esquecido de que não estava só, caiu em tentação e escaneou por completo, do cabelo aos pés, aquele símbolo dos atuais tempos despudorados. Nem tinha ainda concluído de registrar na memória a imagem capturada, quando foi repreendido pelo alerta da sua própria esposa:

 

         - Você estava olhando para aquela mulher com olhar de sedução.

 

         Rapidamente, para tentar amenizar o estrago causado pelo flagrante, garantiu:

 

         - Não, era um olhar de crítico de arte.

 

         Um forte beliscão no braço lhe fez entender que a explicação, a princípio soando tão espirituosa e pertinente, não tinha sido aceita.

 

         Ah, o calçadão! Todo cuidado é pouco.

 

 


domingo, 10 de outubro de 2021

Feriadão molhado

 


         Depois de mais de ano com boa parte da população trancada dentro de casa com medo de morrer, tem muita gente na maior ansiedade para dar um rolê, colocar a cara para fora e ver a vida passar além do horizonte limitado de uma janela.

 

         Feriado prolongado com o Dia de Nossa Senhora Aparecida numa terça-feira (conforme é de praxe, a segunda-feira entra também no pacote) as perspectivas se apresentavam das melhores. Afinal, de sábado a quarta de manhã dá para fazer um bocado de coisa, inclusive nada.

 

         Nesse recanto paradisíaco do litoral sudeste brasileiro as conversas desde a semana passada eram que a cidade iria lotar. Comerciantes de todas os ramos empresariais e tamanhos, do simples ambulante aos donos de supermercados e restaurantes (atenção turistas: tem lugar cobrando 400 reais por uma moqueca. Impressionante!), mantiveram estoques em alta na expectativa de um faturamento acima da média.

 

         Entretanto, o imponderável deu o ar da graça. O tempo fechou, e nuvens baixas cobriram a Serra do Mar anunciando umidade e frio. O inverno, que muitos imaginavam já de mudança para o Hemisfério Norte, resolveu marcar presença por mais uns dias e adiar a chegada do iluminado verão. Praias vazias comprovam que os visitantes recuaram os flaps e permaneceram em casa.

 

         Pois é, nem sempre as coisas acontecem conforme planejado. A vida traz muitas surpresas, umas boas e outras nem tanto, mas todas necessárias e importantes, pois conduzem a reflexões e aprendizados. Afinal, apesar de tantos avanços tecnológicos ainda não somos capazes, por exemplo, de mudar o clima para garantir um final de semana de banho de mar.

 

         Quem queria sol, precisa se conformar com chuva, tipo a história da lavadeira e do lavrador, cada um com a sua razão, cantada com tanta emoção por João do Vale. Mas tudo passa, e dias melhores virão a partir da próxima quinzena, de acordo com as previsões meteorológicas, que hoje em dia não costumam falhar.

 

         O jeito, como diria um amigo meu, é Netflix, biscoito de chocolate e suco de laranja, bem acomodado num sofá e agasalhado a contento. Gosto e cor, falam os antigos, não se discute, lamenta-se. Para o meu paladar nem tão refinado, substituiria os itens alimentícios por pipoca com bacon e suco de uva com água mineral com gás. E pode deixar chover.

 

         E que Nossa Senhora Aparecida abençoe a todos!

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

O mundo (quase) parou

 


         Estava eu completamente absorvido pelo trabalho, no já popular home office, ou ainda o menos comum remote work, pois aquele estava sendo um dia extremamente produtivo, quando minha filha caçula chegou em casa (a atividade profissional dela voltou a ser presencial), na boquinha da noite, e perguntou se meu celular estava silencioso.

 

         Foi quando caiu a ficha de que, efetivamente, o aparelho que hoje em dia se usa até para telefonar tinha estado estranhamente quieto por longas horas. Fiquei, assim, sabendo que havia ocorrido um bug no Facebook e suas empresas associadas, inclusive o famoso WhatsApp, que ocasionou uma pane global que perdurou, para muitos, por intermináveis 420 minutos.

 

         Busquei, então, os canais eletrônicos de notícias, e tomei conhecimento do problema que quase parou o mundo e causou prejuízos financeiros até ao bilionário Mark Zuckerber, proprietário das redes sociais afetadas por um tal de "5XX Server Error", uma falha no computador central dos serviços, que não estava conseguindo completar as solicitações dos usuários e, por isso, não tinha como atender aos pedidos emitidos de todos os pontos do planeta, inclusive do nosso cantinho tropical.

 

         Deveras interessante. Do nada, centenas de milhões de pessoas espalhadas ao redor do mundo sentiram a sensação de que estavam sem chão. Incrível como a tecnologia, tão eficiente e necessária, sem dúvida, quando apresenta algum defeito provoca tantos transtornos, principalmente econômicos, pois negócios deixaram de ser realizados, dos menores aos maiores.

 

         E isso sem contar o incômodo emocional naqueles e naquelas que estão, por assim dizer, “viciados(as)” no “zap” e não conseguem ficar nem um minuto sem olhar se chegou alguma mensagem, avaliem horas de mudez forçada. Por isso que mantenho meu smartphone configurado para silenciar as notificações. Dessa maneira, olho somente se quero, e não quando aquele reconhecível sinal sonoro dá o ar da graça.

 

         Tanto é que passou desapercebido para mim o período em que o dito cujo ficou desativado, o que me faz acreditar que nem tudo está perdido. Afinal, viver é bom, mas saber viver é melhor. E uma vida saudável inclui, a meu ver, momentos de desapego desse aparato tecnológico e virtual.

 

Proponho que uma vez por semana todas as redes sociais mundiais sejam desligadas, e que os seres humanos aproveitem para fazer coisas, digamos, humanas. Será benéfico, acredito.

 

Vamos experimentar?

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Volta

 


         Após pouco mais de dois anos desde que passei a residir em Guarapari, retornei a Porto Velho, atendendo a  um convite de amigos para participar de um encontro regional de lideranças da religião que frequento, a União do Vegetal.

 

         Os dias que antecederam a viagem foram de intensa expectativa. A única certeza do que iria encontrar seria aquela sensação térmica tradicional de calor abafado e úmido, já manifestado quando a porta do avião foi aberta e um bafo quente tomou conta da aeronave, e isso por volta da 1h30min da madrugada do dia 24 de setembro de 2021.

 

         Meu grande amigo Raimundo Ramos me hospedou no apartamento onde mora com a Neide, sempre atenciosa, e o pequeno Théo, num prédio sem elevador no qual me esperavam 58 degraus para subir e descer. Acha fôlego.

 

         Andar por aquela cidade em que criei minhas três filhas ao longo de 34 anos não me pareceu estranho, talvez porque dois anos nem sejam tanto tempo assim. Nas ruas, poucas modificações, a não ser uma ou outra loja diferente, especialmente os novos supermercados manauaras que abriram filiais por lá.

 

         Procurei antigos e antigas amigos e amigas e foi como se estivéssemos nos vistos “ontem”, o que muito me alegrou. O sorriso estampado em cada rosto me trouxe a certeza de que alguma coisa boa ficou plantada no coração deles e delas, da mesma forma que em mim mantém-se inalterado o sentimento fraterno que me une a todos e a todas.

 

          Nos restaurantes, o sabor do delicioso tambaqui assado foi revivido no meu paladar, assim como o pirão com farinha d’água e o inesquecível creme de cupuaçu. Dias intensos e maravilhosos, que nem mesmo o clima tropical, do qual parece que me desacostumei, conseguiu embaçar.

 

         Só não estive na rua Mercúrio, número 3465, endereço da casa que ainda tenho em Rondônia e atualmente alugada a um bom inquilino. Achei desnecessário, até porque não tinha nada para fazer lá. Meu único vínculo material ainda existente por ali.

 

         Foi bom ter ido, mas está sendo bom também ter voltado. Afinal, se construí alguma coisa antes, tenho possibilidades de construir outras tantas aqui onde estou atualmente. Novas oportunidades de reencontros, tenho certeza, acontecerão. Afinal, “saudade é coisa que a gente só sente estando a distância presente”, porque “peregrino também é um ser, que andando procura o saber, girar mundo também é viver” (Peregrino, Banda Temucorda).

 

         Grato, Porto Velho/Rondônia. Viva, Guarapari/Espírito Santo.