Da pequena varanda do apartamento de terceiro
andar onde moro acompanho a construção de um novo edifício no terreno quase em
frente. Serão dezenove pavimentos, dos quais três, que aparentemente servirão
de garagem, já estão prontos, com seus pilares, ferros e concretos obstruindo
a cada metro de altura a vista que tenho para a Serra do Mar.
Desde as fundações, quando um grande buraco no
terreno arenoso foi preenchido com o conteúdo de muitas betoneiras, até o ponto
atual em que a obra se encontra, diligentes operários labutam de maneira
ordenada, com movimentos precisos e coordenados, numa ordem contínua e repetida
conforme o prédio sobe.
Como diriam Rubinho e Mauro Assumpção, em A
montanha, “pela janela eu posso ver mais uma construção, outro edifício
nova habitação/E a montanha lá atrás com toda a sabedoria, fico olhando,
analisando esta velha civilização/onde o homem amassado, comprimido vive junto,
e não se fala/come junto, e não se olha”.
Construir uma vida, deixar um legado, é como
se fosse um empilhar de tijolos com cimento, diuturna e pacientemente, a cada
dia levantando um pouquinho. Às vezes o que foi construído é destruído por
palavras e/ou ações impensadas, tal qual um pedreiro descuidado que faz uma
parede desalinhada, e tudo precisa ser refeito.
O exercício da existência é a maior obra de
todas. Não é fácil, e quanto mais o tempo passa mais temos que aprender, mais
surgem indagações sobre o que passou e o que virá, o que precisa ser corrigido
e o que precisa ser aprendido para, através de uma consciência clara, não errar
mais. Quem dera se já nascêssemos sabendo de tudo isso, quanta coisa seria
evitada. Infelizmente, ainda não somos perfeitos.
Daí, portanto, a importância de construirmos
coisas boas, tal qual a um homem prudente “que edificou a casa sobre a rocha. E
desceu a chuva, correram as torrentes, sopraram os ventos, e bateram com ímpeto
contra aquela casa; contudo não caiu, porque estava fundada sobre a rocha” (Sermão
da Montanha).
Já o insensato “edificou a sua casa sobre a
areia. E desceu a chuva, correram as torrentes, sopraram os ventos, e bateram
com ímpeto contra aquela casa, e ela caiu; e grande foi a sua queda (Sermão
da Montanha).
Que tenhamos os pés fincados em base sólida,
para que as intempéries da vida não nos derrubem.