sábado, 28 de setembro de 2019

Hábitos de leitura



Outro dia flagrei minha mãe lendo os Classificadões de A Gazeta. Até aí, nada de mais, mesmo para uma senhora de 93 anos de idade. O interessante é que a atenção dela estava sendo atraída por convite para uma missa de sétimo dia de um cidadão que havia falecido.

Não sei se foi o caso, mas me parece crível entender que ela meio que procurava lembrar se conhecia o de cujus, ou fazia uma analogia com a sua própria situação, pois beirando o centenário está, por assim dizer, no lucro. Segundo um amigo meu, quem tem acima de 50 anos passa a ter mais passado do que futuro. Minha mãe quer ser exceção à regra pessimista acima referida.

Voltando aos classificados. Depois fui examinar melhor e cheguei à conclusão de que a leitura daquelas páginas pode ser bastante elucidativa. Além dos anúncios de aluguel de casas ou apartamentos e venda de automóveis, existem outras coisas interessantes. Por exemplo, as orações.

Todos os dias dezenas de pessoas fazem publicar textos intitulados “Alcançar graça” ou “Prece as almas poderosas” ou “Oração para conseguir algo difícil”, só para citar alguns. Fico imaginando qual o objetivo disso: pagar uma promessa ou difundir junto às pessoas algo em que se crê? Eu acredito na força de uma reza feita com fé, mas sou um tanto cético quando à banalidade espiritual.

Outra publicação quase exótica foi feita pelo Departamento Médico Legal de Vitória, em obediência à Lei 8.501/92, tornando público que “encontra-se armazenado em suas câmaras mortuárias um cadáver que deu entrada...” e segue a qualificação do infeliz, identificado pelas impressões digitais. Ao final, pede que a família, “caso tenha interesse”, reclame o corpo junto ao DML. Triste fim.

Destacam-se, também, os editais de convocação para as mais diversas finalidades, pregões eletrônicos, avisos de licitações e editais de proclamas, muitos mesmos. Não tinha noção da quantidade de pessoas querendo se casar. Gente de todas as idades, dos mais novinhos e novinhas, com 18 anos, até quarentões e quarentonas. Que sejam felizes.

Lamentável, porém, é ver que os cartórios de protesto ocupam algumas páginas, inclusive do Classifácil, de A Tribuna. São centenas de homens e mulheres, bem como empresas, notificadas para a existência de “títulos de responsabilidade”, ou seja, dívidas não quitadas. O povo está no sufoco.

Pois é, gente, se a leitura dos fatos cotidianos estiver dando aquela impressão de notícia requentada, conforme é praxe no jornalismo atual, busque o caderno de classificados. Dá menos desgosto.




quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Alvorecer




            Depois de dois dias nublados, com um vento frio assobiando na varanda, como se o inverno estivesse relutando em passar o bastão para a primavera, eis que o Sol surge esplendoroso nesta manhã de final de setembro.

            Os primeiros raios dourados cobrem com uma linha reta por cima do mar o alvorecer primaveril. Depois, a luz se torna branca, ocupando toda a linha do horizonte e brilhando com total intensidade. As primeiras nuvens ocupam o céu sombreando a água, que fica com uma tonalidade esverdeada.

            Bem-te-vis entoam seu canto próximo à janela, enquanto pequenos canários amarelos também cruzam os ares anunciando o amanhecer. Tudo é harmonia.

            A rotina natural das coisas, repetida ao longo de centenas e/ou milhares de anos, nunca deixa de impressionar. Mesmo que se veja a vida toda, do mesmo lugar e na mesma hora impossível dizer que é sempre igual. A cada vez percebe-se uma nuance diferente, um detalhe ainda inédito, uma coloração renovada.

            Pequenas coisas com grandes significados, energizando corações e mentes para o labor diário. Que bom se todos pudessem acordar com tão grandioso espetáculo, aproveitando as maravilhas divinas para a alegria e a prática do bem. Em todo o planeta, no mar ou no sertão, no sul ou no norte, nas montanhas ou nos vales o espetáculo da aurora é uma oferenda de Deus partilhando esperanças.

            Sem dúvida, prova inquestionável da existência de um Pai superior.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

As quatro estações


Conforme já dito alhures eu vivi mais de três décadas no norte brasileiro, mais precisamente em Porto Velho, capital do Estado de Rondônia.

            Naquela parte do rincão nacional, por óbvio, oficialmente tem-se também as quatro estações do ano: verão, outono, inverno e primavera. No dia a dia, porém, tudo se resume em dois períodos distintos: inverno (que não quer dizer frio, mas sim, chuva, de outubro a abril) e verão (calor e estiagem, de maio a setembro).

            As chuvas amazônicas são torrenciais, diárias e, às vezes, demoram horas, podendo, por exemplo, começarem de madrugada e se estenderem, sem afrouxar nenhum minuto, até o final da tarde.

            É quando tudo fica verdinho. Tenho um amigo que diz que a chuva em Porto Velho é vitaminada, pois faz as plantas crescerem rapidamente. Em compensação, a cidade, em face da ocupação urbana desordenada e da incúria dos governantes, sofre. As cheias do rio Madeira já viraram rotina, e os ribeirinhos meio que se acostumaram com a água na porta e até dentro de casa. Nas ruas, ao longo da época invernosa, é preciso cuidado, pois o asfalto fino logo cede e buracos novos surgem diuturnamente. E onde a via é de terra batida, a lama se espalha folgada.

            Já no verão o calor sufocante faz com que todos pensem duas vezes antes de sair do conforto do ar condicionado e pisar na calçada. E a poeira toma conta de tudo, densa e persistente. Crianças e idosos, acometidos de crises alérgicas, lotam os hospitais, públicos ou particulares. Mas a vida segue assim mesmo, num conformismo natural e inevitável.

            Aqui no Espírito Santo, contudo, a imperceptível inclinação da Terra em relação ao Sol, na sua translação anual, torna-se visível através das manifestações da natureza. Quando cheguei, em meados de junho, o inverno (desta vez, frio mesmo) estava começando com seus dias mais curtos e noites mais longas. Agora, já em setembro, com a primavera presente, nota-se claramente a inversão: os dias começam a ficar mais longos e as noites mais curtas, até o auge do verão a partir de dezembro.

            Provavelmente daqui uns anos nem estarei tão ligado nesses detalhes. A rotina torna as coisas comuns, inserindo-as na vida da gente como sempre estivessem presentes.

            Mas enquanto isso, porém, vou curtindo essa “novidade”.

domingo, 15 de setembro de 2019

Pneu de caminhão




Dia desses, numa tarde fria e úmida, olhando para a beleza impressionante das praias centrais de Guarapari, me lembrei dos meus tempos de garoto em férias e, não sei por que, da famosa, na época, boia de pneu de caminhão – na verdade, era só a câmara de ar.

Pois é. Não sei nem se alguém ainda usa boia de pneu de caminhão, mas era uma atração muito especial, tanto pela novidade quanto à possibilidade de se divertir entre um mergulho e outro. O menino que chegasse na praia arrastando um brinquedo desse se tornava logo o dono do pedaço.

O legal que causava tanta motivação é que na boia de pneu de caminhão cabia mais de uma pessoa. Aguentava mais ou menos uns cinco jovens. Por conta disso, era uma alegria só participar da festa.

Uma vez, acho até que foi um adulto, mas não tenho certeza, apareceu uma pessoa trazendo uma boia ainda maior. Disseram que, desta vez, tinha sido usado pneu de trator. Dessa aí não tive acesso. Coube um bocado de gente.

Tem um detalhe: o pito da câmara de ar tinha que ficar para baixo, ou seja, dentro da água, para evitar acidentes.

Tecnologia cabocla.

Originalidade

            Manhã de domingo sonolenta e acompanhei minha amada neta Alice no teste de remo que ela ia fazer. Foi na praia do Morro. Era uma canoa havaiana, na verdade duas, amarradas uma na outra - estilo catamarã. Seis remadores em cada uma. Tudo certo, iria iniciar minha caminhada em terra firme quando fui surpreendido pela informação de que havia uma vaga disponível, e ela era minha (como se eu quisesse...).

            Para não fazer feio resolvi encarar o desafio. Foram 11.200 metros, ida e volta, com intervalo para um lanche reforçado. Tem que ter disposição e força no braço, entre um hip e outro. Saímos da praia do Morro, passamos embaixo da ponte e entramos no canal, que é um braço de mar rodeado de manguezais. No retorno, um vento forte atiçou as ondas, que se tornaram um pouco maiores e mais intensas. Porém, sem perigo. Os remadores mais experientes deram conta do recado.

            Já próximo do ponto da praia onde iríamos aportar presenciei uma cena inédita, pelo menos para mim. Havia uma escuna de turistas. Da beira mar um cidadão colocou seu carrinho de picolé em cima de uma prancha de stand up e partiu rumo aos clientes embarcados. Impressionante a disposição do rapaz para garantir o seu ganha pão. Comentou-se, depois, que tem tempo desde que ele começou essa, digamos, atração turística.

            Não sei se é um trabalho muito árduo, ou até mesmo compensador, mas uma coisa eu garanto: sem dúvida, é bastante original.

            Bons ventos!

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Nostalgia




Dei uma pernada pelo centro de Vitória.

Subi de carro pela rua Graciano Neves, desci um trecho da 7 de Setembro, passei por trás do Colégio do Carmo e encontrei uma vaga para estacionar na Gama Rosa. O restante foi a pé.

Fui até a praça Costa Pereira, entrei na avenida Jerônimo Monteiro, cheguei até a praça Oito, segui em frente vendo o porto e a escadaria Bárbara Lindenberg (ao fundo, o Palácio Anchieta) e alcancei a rua General Osório, onde fica o ed. Gazeta, antiga sede do jornal e TV do mesmo nome (trabalhei nos dois, tanto nesse endereço quanto na sede atual). Mais um pouco e subi a rua Caramuru, passando por baixo do viaduto usado pelos bondes, chegando, novamente, na rua Gama Rosa.

Esse trajeto era minha rotina durante alguns anos. Locais de minha infância/juventude, muitos, ainda, com poucas alterações, a não ser o desgaste natural do tempo. Mas, confesso, o coração não palpitou por nada.

Na rua 7 de Setembro passei em frente ao casarão (número 407) que era dos meus avós paternos, local onde também morei. Está bem conservado, pelo menos por fora, e acredito também na parte de dentro. Não sei se é moradia de alguma família ou se tornou endereço comercial, apesar de não ter visto nenhuma placa nesse sentido. Na parte de baixo (número 415) as antigas portas e janelas foram lacradas com tijolos e gradeadas. A vetusta escadaria permanece. Nada sei dizer a respeito do jardim.

 O calçadão no início da rua (ou seria, final) tem muitas lojas antigas, como, por exemplo, A Fada, e as tradicionais óticas (não sei como existem clientes para tantos locais que vendem óculos). Uma viatura da PM estacionada em cima da parte destinada aos pedestres garante a segurança. Vendedores entediados aguardam indecisos clientes. Não localizei uma lanchonete onde quase toda à noite, ao voltar das aulas no Salesiano, comia uma pizza pequena (na época, chamava-se brotinho) e bebia um refrigerante.

A praça Costa Pereira, às 10 horas, é de uma tristeza só. Os bancos carcomidos são ocupados por desocupados, de todas as idades e cores, aparentando noites mal dormidas e alimentação precária. Somente as imponentes palmeiras imperais dão algum ar de dignidade ao local que presta uma homenagem a um antigo presidente da Província do Espírito Santo.

As calçadas que margeiam a avenida Jerônimo Monteiro são percorridas por transeuntes preocupados apenas com seus próprios problemas. Ali, porém, não se vê o público elegante dos shoppings, mas aquela gente sofrida, em busca de preços mais baratos ou de comer um pastel e beber um caldo de cana, que cultiva uma esperança que passa de geração em geração, na expectativa e na crença de um futuro melhor.

E o visual da praça Oito é tão deprimente quanto o de sua congênere também histórica já citada. Para completar, já no carro e cruzando a avenida Jerônimo Monteiro para pegar a avenida Beira-Mar (oficialmente, avenida Marechal Mascarenhas de Moraes), vejo o pequeno posto de combustível, junto à praça Pio XII, que era do meu tio Codé (Carlos José Bomfim). Ali eu abastecia e pagava só no final do mês.

Todo esse tour nostálgico, me fez chegar à seguinte conclusão: tem hora que não vale a pena lembrar do passado.

É melhor tocar a vida e seguir em frente.






quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Pequenez e grandeza humanas

Esses dias a minha querida esposa, Jussara, com a sensibilidade própria de quem é artista plástica, fez uma foto (me apropriei para ilustrar esta crônica), em que aparecem lado a lado o meu tênis número 40 e os delicados sapatos de minha neta, Kiara, de um ano e seis meses.

Me pareceu que a fotografia, além do registro de um aspecto da vida cotidiana de minha família, transpareceu uma simbologia sobre o ser humano, da sua pequenez à sua grandeza.

Eu, na espiral da vida começando devagarinho a descer a ladeira, e a filha da minha filha iniciando a sua jornada ascendente, com tantas coisas ainda por vir. Aquele sapatinho como se retratasse o micro; o meu Olympikus, representando o macro.

O micro, não só da criança em relação ao macro, que é o adulto, mas do homem e da mulher (micro) soltos na imensidão do universo (macro) ainda em expansão (vide a lei de Hubble), de tamanho imensurável.

O ser humano carrega dentro de si essa dicotomia: pequenez e grandeza. Perante o cosmo, não representa quase nada. Contudo, traz consigo a capacidade de estudar e compreender todas essas coisas. Por isso, domina o planeta Terra, e quer ir ao infinito.

Essa raça de bípedes tem exemplares que praticam atos sórdidos que beiram o inexplicável. Atitudes e palavras maldosas, que machucam física e emocionalmente, e, não raras vezes, causam danos irreparáveis, ou que perduram ao longo de anos. Vidas inteiras podem ser afetadas por atos inconsequentes.

Mas existem também aqueles e aquelas que demonstram altruísmo e coragem ímpares. Feitos do mesmo barro que os outros agem de uma forma diferente, como se a mesquinharia de uns servisse apenas para lhes dar a força necessária para servir, compreender, construir e amar incondicionalmente.

Perante Deus, somos todos iguais. O que nos diferencia é tão somente aquilo que praticamos ou falamos, palavras ou ações. Ser pequeno ou grande é apenas uma questão de escolha. Depende de qual lado alimentamos. O livre arbítrio nos dá o direito de ter essa opção. Mas é preciso cuidado, pois a linha que separa uma estrada da outra - a luz da escuridão -, é muito tênue.

Saibamos ver para escolher certo.

domingo, 1 de setembro de 2019

Amigos de infância


Eu acho bem legal saber de pessoas que se conheceram desde sempre, que moraram na mesma rua, participaram de todas as brincadeiras, frequentaram o mesmo colégio, aprontaram juntos, tiveram segredos, chegaram à faculdade, constituíram família, se fizeram compadres uns dos filhos dos outros e continuaram se encontrando.

Falo isso porque eu não tenho amigos de infância. Claro que eu tive infância, mas não convivi tempo suficiente com outras crianças/jovens para firmar laços de amizade tão duradouros. Vou explicar.

É que meu pai, por força da carreira profissional dele (Juiz de Direito), tinha que mudar constantemente de cidade, na medida em que ia subindo os degraus hierárquicos, iniciando nos municípios menores (comarcas pequenas) até poder chegar à Capital, no caso, Vitória/ES.

Dessa maneira, os meus primeiros anos de vida foram passados em São Mateus e Conceição da Barra. Entre 3 e 5 anos de idade, salvo engano, moramos em Santa Leopoldina. Depois, fomos para Guaçuí, onde cursei o primário e iniciei o ginásio (nomenclaturas da época). De lá, chegamos em Alegre, onde ficamos pouco tempo. E aí mudamos para Colatina, conclui o ginásio e, finalmente, retornamos para Vitória, onde nasci, para que pudesse fazer o científico e me preparar para o vestibular.

Pois bem. Nesse vai e vem, quando eu começava a me acostumar com a vizinhança e os meninos da rua já era hora de arrumar as malas e colocar o pé na estrada. Me lembro, por exemplo, que a mudança para Guaçuí foi quase uma epopeia, pois a estrada ainda não era asfaltada e como havia chovido muito havia lama por toda a parte.

Hoje em dia tento me lembrar da rapaziada de todos esses lugares e são poucos os rostos ou os nomes que vem na memória. Tinha o Francelino, em Guaçuí, e sua linda irmã Ângela, já adolescente. Em Alegre, o Renatinho, bom de bola. E fica por aí.

De 72 para cá, quando cheguei em Vitória, me recordo mais das meninas do Salesiano – Mariana, Virgínia, Vanda, Tânia, Cristina – e do pessoal que conheci nas redações, como os irmãos Simões (Carlile e Cláudio), o inesquecível Ivanzinho, Rubinho e Fernando Gomes, Tinoco e Erildo dos Anjos, Rogério Medeiros, Marien Calixte e outros mais, mas não sei dizer, em relação à maioria, por onde andam e nem o que fazem. Sei que alguns desses já faleceram.

Contudo, a ausência de amigos de infância não é nenhum trauma na minha vida. Sou grato às pessoas que fizeram e fazem parte da minha existência, desde os colegas de trabalho até os meus companheiros/irmãos de religião e busca espiritual. Agradeço também à minha família, suporte para os momentos bons e outros não tão bons. Todos são importantes, pois com cada um, diuturnamente, aprendo alguma coisa.

Inclusive que “a amizade sincera é um santo remédio”, verso da música de Renato Teixeira e eternizada por Dominguinhos.