Naquele
tempo eram os garimpeiros de ouro que dominavam a economia local.
A
cada despescada fortunas surgiam do nada, que em pouco tempo, na maioria das
vezes, se desfaziam em noitadas intermináveis. As pepitas amalgamadas no azougue
mudavam de mãos rapidamente no trajeto perigoso dos barrancos ribeirinhos, onde
as balsas ou dragas pululavam, até a cidade.
Longe
de tudo, na época em que os caminhos trafegáveis eram praticamente trilhas
abertas entre as árvores, muita gente por ali tirava o sustento exercendo sem
curso acadêmico profissões hoje regulamentadas, mas aprendendo na lida diária,
com gente rude e que também não tinha outra opção. Eram os chamados práticos.
Os
“dentistas”, por exemplo, proliferavam. Uns eram conhecidos como “carniceiros”,
enquanto outros, mais jeitosos, buscavam aprender as noções básicas da
Odontologia e os conceitos principais para fazer o melhor possível em benefício do paciente. Um desses,
determinado dia recebeu no consultório um garimpeiro aperreado com uma dor profunda
no molar inferior.
-
Doutor – perguntou o homem exibindo no pescoço e pulsos pesados colares e
pulseiras do metal precioso – o senhor arranca dente?
-
Sem dúvida, minha especialidade.
-
Pois, então, bote este infeliz para fora.
Após
ajeitá-lo na cadeira, o dentista prático iniciou o procedimento, inicialmente
querendo passar uma pomada no local onde iria aplicar a anestesia, mas o
infeliz recusou, assim como rejeitou o anestésico, que seria aplicado com umas
daquelas antigas seringa e agulha metálicas.
-
Assim vai doer – explicou.
-
Esse dente – bufou o garimpeiro – está me atazanando tem dias. Agora você vai
arrancá-lo na marra, porque é assim que ele vai me pagar. Pode puxar.
Considerando
que “o freguês sempre tem razão”, pediu ao acompanhante do cliente que
segurasse com bastante força as pernas dele. Passou o braço esquerdo ao redor
do pescoço do infeliz e com a mão direita já na posse de um enorme boticão mais
parecido com um alicate mandou que ele abrisse a boca e, sem titubear, grampeou
o dente infeccionado.
Impulsionado
pela dor, o garimpeiro deu um pulo da cadeira com tal rapidez que levou os dois
para o chão. Parecia que tinham voado, mas o experiente e prevenido prático tinha
abufelado o cidadão de tal jeito que rolaram os dois pelo assoalho. O
garimpeiro, sagrando e bufando feito um animal ferido, rolou até se desvencilhar
querendo saber imediatamente após recuperar o folego:
-
E o dente?
Vitorioso,
o dentista prático ergueu o boticão, que não tinha largado em nenhum minuto, e exclamou: “Está aqui”.