domingo, 31 de outubro de 2021

Testemunha

 


         Se casamento fosse bom, não precisava de testemunha. Esse é o refrão do forró Amar não faz mal a ninguém, que Lindolfo Mendes Barbosa, o popular Lindú, do Trio Nordestino, conhecido também como Gogó de Ouro, cantava com a sua voz aveludada e potente.

 

         Há de se convir que nos tempos atuais a instituição do matrimônio está um tanto desacreditada. São cada vez mais raros os casais que permanecem juntos por décadas, mesmo com as dificuldades inerentes a qualquer relacionamento, pois é preciso muita disposição (e bota muita nisso) para viver debaixo do mesmo teto e, mais do que isso, envelhecer juntos.

 

         Me veio esse tema à memória por ter participado ontem do casamento de Marcelo e Lívia, minha sobrinha por ser filha de minha cunhada, irmã de minha esposa. Cerimônia singela, em ambiente decorado com capricho, mas sem ostentação. Tudo, porém, repleto de emoção.

 

          Isso é que me chamou a atenção. Parece que uma mulher, mesmo já casada, não pode ver outra vestida de noiva que afloram sentimentos inexplicáveis e que levam todas às lágrimas. O choro incontido nem era disfarçado quando a nubente, conduzida pelo pai, desfilou sorridente pelo tapete vermelho que conduzia à presença do noivo.

 

         Minha pequena neta Kiara, de apenas 3 anos de idade, mantinha os olhos fixos e brilhantes acompanhando atentamente todo o trajeto, fascinada pelo lindo vestido branco, a tiara brilhante nos cabelos e o véu diáfano que oscilava suavemente a cada movimento. Para ela, não havia dúvida, estava diante de uma princesa encantada.

 

         Que bom que as pessoas ainda busquem essas formalidades para institucionalizar um relacionamento, não apenas por uma segurança jurídica em relação aos bens que possam amealhar ao longo do tempo, o que hoje em dia nem é mais tão necessário após o advento da união estável, mas também para mostrar à sociedade que valores tradicionais permanecem vivos e merecedores de espaço e respeito, principalmente os relacionados à família.

 

         Mas o importante mesmo, conforme a canção popular alhures referida, “é amar, amar, amar, amar, amar e querer bem”, pois é isso “que faz a gente ser feliz”.

 

Esse é o caminho das pedras. Percorrê-lo é a missão. Vencer é o objetivo. Querendo, a gente chega lá.

 

Vida próspera aos noivos. Felicidades para todos.

 


        

domingo, 24 de outubro de 2021

Visão de cima

 

         O incomparável poeta, maestro, músico, cantor e compositor Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim imortalizou seu amor pela Cidade Maravilhosa através do Samba do Avião, no qual Tom, como era mais conhecido no meio artístico, descreve a alegria de um retorno para casa através das imagens aéreas da baía da Guanabara, do Cristo Redentor e do sol, do céu e do mar.

 

         Sem dúvida, a capital carioca é pródiga em paisagens naturais belíssimas, com seus maciços de pedra, a Floresta da Tijuca e as praias do Leme ao Pontal, além de outras atrações a mais, que se destacam quando podem ser observadas do alto, principalmente numa manhã radiante igual a deste domingo, quando embarquei no Santos Dumont num voo para Vitória.

 

         Esse distanciamento aéreo garante uma contemplação do todo de uma maneira abrangente, onde as partes se complementam na junção dos detalhes. Acho que por isso voar sempre foi um ideal que a humanidade buscou desde muito tempo.

 

         Mas sem querer desmerecer o elogio musical da composição internacionalmente conhecida do nosso não menos famoso Tom Jobim, quero, data vênia, falar também, obviamente sem a mesma genialidade, da maravilha que é avistar do alto a chegada em terras capixabas, principalmente a partir do litoral de Guarapari e até a descida no Aeroporto Eurico de Aguiar Salles.

 

         O próprio piloto, não sei bem o motivo, fez questão de anunciar, no sistema de som, em determinado momento do trajeto, quando iniciou as manobras de aproximação com a pista, que à esquerda da aeronave viam-se as paradisíacas Três Praias, Setiba, Ponta da Fruta, Barra do Jucu, Itapoã, Itaparica e Praia da Costa.

 

         Na sequência, o contorno da ilha de Vitória ficou perfeitamente delineado, entre a baía, com o Penedo vigilante no canal de acesso ao porto, e as ilhas do Boi e do Frade e, finalmente, a ponte de Camburi, com a praia de mesmo nome, até o pouso suave, como numa homenagem a tantas belezas.

 

         Viver é bom, mas saber viver é melhor ainda, dizia um amigo meu que já deu até logo a esse mundo material.

 

         Eu digo assim: viajar é bom, mas voltar para casa é melhor ainda, principalmente quando a retina ainda mantém o registro do brilho solar refletido na água do mar clamando por um mergulho. Feliz daquele que tem um lar para onde possa regressar e uma família para amar e ser amado.

 

         E, se Deus quiser, amanhã vai dar praia.

 


segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Calçadão

 


         Caminhadas matutinas na beira-mar são extremamente benéficas à saúde, dizem especialistas de todas as matizes e das mais diversas especialidades terapêuticas.

 

         Inexiste aquele que veja qualquer dano ao bom hábito de esticar as canelas ao longo de alguns quilômetros, apreciando a paisagem e inalando a brisa marinha cheia de puro e saudável oxigênio.

 

         Porém, nem tudo é assim tão inofensivo e ausente de perigo como quer fazer crer nossa vã filosofia. Alguma cautela é necessária, principalmente no que diz respeito a olhares fortuitos para outros, ou outras, caminhantes. Que o diga o sexagenário personagem dessa narrativa.

 

         Vinha o incauto cidadão de mãos dadas com sua cara-metade de mais de 40 anos de convivência quando, no sentido contrário à sua direção, seu ângulo de visão desprovido de catarata foi totalmente ocupado por uma jovem representante do sexo feminino, no auge do seu esplendor natural, que desfilava toda aquela carga hormonal sem esconder que queria mesmo era chamar a atenção.

 

         A manceba trajava uma dessas roupas de academia em que o delineamento do corpo não deixa margem à imaginação, pois todas as protuberâncias e reentrâncias ficam perfeitamente definidas, cada parte se destacando intensamente, praticamente como se não existisse nenhum tecido cobrindo aquele corpo.

 

         Atraído como um imã por aquela Vênus quase desnuda, o idoso, esquecido de que não estava só, caiu em tentação e escaneou por completo, do cabelo aos pés, aquele símbolo dos atuais tempos despudorados. Nem tinha ainda concluído de registrar na memória a imagem capturada, quando foi repreendido pelo alerta da sua própria esposa:

 

         - Você estava olhando para aquela mulher com olhar de sedução.

 

         Rapidamente, para tentar amenizar o estrago causado pelo flagrante, garantiu:

 

         - Não, era um olhar de crítico de arte.

 

         Um forte beliscão no braço lhe fez entender que a explicação, a princípio soando tão espirituosa e pertinente, não tinha sido aceita.

 

         Ah, o calçadão! Todo cuidado é pouco.

 

 


domingo, 10 de outubro de 2021

Feriadão molhado

 


         Depois de mais de ano com boa parte da população trancada dentro de casa com medo de morrer, tem muita gente na maior ansiedade para dar um rolê, colocar a cara para fora e ver a vida passar além do horizonte limitado de uma janela.

 

         Feriado prolongado com o Dia de Nossa Senhora Aparecida numa terça-feira (conforme é de praxe, a segunda-feira entra também no pacote) as perspectivas se apresentavam das melhores. Afinal, de sábado a quarta de manhã dá para fazer um bocado de coisa, inclusive nada.

 

         Nesse recanto paradisíaco do litoral sudeste brasileiro as conversas desde a semana passada eram que a cidade iria lotar. Comerciantes de todas os ramos empresariais e tamanhos, do simples ambulante aos donos de supermercados e restaurantes (atenção turistas: tem lugar cobrando 400 reais por uma moqueca. Impressionante!), mantiveram estoques em alta na expectativa de um faturamento acima da média.

 

         Entretanto, o imponderável deu o ar da graça. O tempo fechou, e nuvens baixas cobriram a Serra do Mar anunciando umidade e frio. O inverno, que muitos imaginavam já de mudança para o Hemisfério Norte, resolveu marcar presença por mais uns dias e adiar a chegada do iluminado verão. Praias vazias comprovam que os visitantes recuaram os flaps e permaneceram em casa.

 

         Pois é, nem sempre as coisas acontecem conforme planejado. A vida traz muitas surpresas, umas boas e outras nem tanto, mas todas necessárias e importantes, pois conduzem a reflexões e aprendizados. Afinal, apesar de tantos avanços tecnológicos ainda não somos capazes, por exemplo, de mudar o clima para garantir um final de semana de banho de mar.

 

         Quem queria sol, precisa se conformar com chuva, tipo a história da lavadeira e do lavrador, cada um com a sua razão, cantada com tanta emoção por João do Vale. Mas tudo passa, e dias melhores virão a partir da próxima quinzena, de acordo com as previsões meteorológicas, que hoje em dia não costumam falhar.

 

         O jeito, como diria um amigo meu, é Netflix, biscoito de chocolate e suco de laranja, bem acomodado num sofá e agasalhado a contento. Gosto e cor, falam os antigos, não se discute, lamenta-se. Para o meu paladar nem tão refinado, substituiria os itens alimentícios por pipoca com bacon e suco de uva com água mineral com gás. E pode deixar chover.

 

         E que Nossa Senhora Aparecida abençoe a todos!

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

O mundo (quase) parou

 


         Estava eu completamente absorvido pelo trabalho, no já popular home office, ou ainda o menos comum remote work, pois aquele estava sendo um dia extremamente produtivo, quando minha filha caçula chegou em casa (a atividade profissional dela voltou a ser presencial), na boquinha da noite, e perguntou se meu celular estava silencioso.

 

         Foi quando caiu a ficha de que, efetivamente, o aparelho que hoje em dia se usa até para telefonar tinha estado estranhamente quieto por longas horas. Fiquei, assim, sabendo que havia ocorrido um bug no Facebook e suas empresas associadas, inclusive o famoso WhatsApp, que ocasionou uma pane global que perdurou, para muitos, por intermináveis 420 minutos.

 

         Busquei, então, os canais eletrônicos de notícias, e tomei conhecimento do problema que quase parou o mundo e causou prejuízos financeiros até ao bilionário Mark Zuckerber, proprietário das redes sociais afetadas por um tal de "5XX Server Error", uma falha no computador central dos serviços, que não estava conseguindo completar as solicitações dos usuários e, por isso, não tinha como atender aos pedidos emitidos de todos os pontos do planeta, inclusive do nosso cantinho tropical.

 

         Deveras interessante. Do nada, centenas de milhões de pessoas espalhadas ao redor do mundo sentiram a sensação de que estavam sem chão. Incrível como a tecnologia, tão eficiente e necessária, sem dúvida, quando apresenta algum defeito provoca tantos transtornos, principalmente econômicos, pois negócios deixaram de ser realizados, dos menores aos maiores.

 

         E isso sem contar o incômodo emocional naqueles e naquelas que estão, por assim dizer, “viciados(as)” no “zap” e não conseguem ficar nem um minuto sem olhar se chegou alguma mensagem, avaliem horas de mudez forçada. Por isso que mantenho meu smartphone configurado para silenciar as notificações. Dessa maneira, olho somente se quero, e não quando aquele reconhecível sinal sonoro dá o ar da graça.

 

         Tanto é que passou desapercebido para mim o período em que o dito cujo ficou desativado, o que me faz acreditar que nem tudo está perdido. Afinal, viver é bom, mas saber viver é melhor. E uma vida saudável inclui, a meu ver, momentos de desapego desse aparato tecnológico e virtual.

 

Proponho que uma vez por semana todas as redes sociais mundiais sejam desligadas, e que os seres humanos aproveitem para fazer coisas, digamos, humanas. Será benéfico, acredito.

 

Vamos experimentar?