sábado, 29 de agosto de 2020

Labor


 

        Não é de hoje que eu reparo nos homens que procuram metais preciosos nas areias das praias.

 

          Uns tempos atrás eles usavam uma espécie de pá de ferro rudimentar, que exigia grande esforço físico para vasculhar o fundo da água. Atualmente, a coisa está modernizada. Possuem um detector que emite um sinal sonoro quando localiza algum objeto metálico escondido na areia. E a pá, em forma de rede, é de alumínio, bem mais leve.

 

          Olhando aqui na net fiquei sabendo que essa atividade virou até um hobby denominado “detectorismo”, com competições e tudo. E os equipamentos que descobrem ouro, ferro, prata e cobre, entre outros, têm diversos tipos e modelos, com preços que oscilam entre 200 a até quase 6 mil reais.

 

          Tem gosto para tudo, né!? Andar debaixo de um sol quente, carregando o maquinário, vasculhando a areia escaldante e até a parte mais rasa da praia quer me parecer que não é a melhor opção para uma manhã qualquer. Enfim...

 

          Fico imaginando se o povo que vejo por aqui – são sempre os mesmos, uns três ou quatro – tem nisso um divertimento ou trata-se, efetivamente, de uma atividade profissional, um ganha pão. Não deve ser fácil juntar uma quantidade expressiva de anéis, brincos e pulseiras, por exemplo, para garantir o leite das crianças.

 

          A palavra trabalho deriva do latim tripalium ou tripalus, uma ferramenta de três pernas que imobilizava cavalos e bois para que fossem ferrados. Curiosamente era também o nome de um instrumento de tortura usado contra escravos e presos, que originou o verbo tripaliare cujo primeiro significado era "torturar". E quem sofria tais agruras? Os escravos e os pobres que não podiam pagar os impostos. Assim, quem “trabalhava”, naquele tempo, eram as pessoas destituídas de posses. Isso, na Roma Antiga.

 

          Mutatis mutandis, não tem muita diferença nessa época hodierna, em que os mais ricos - a minoria milionária - vivem de rendimentos auferidos com aplicações financeiras, ou seja, nada produzem, não se esforçam e obtêm ganhos com o suor alheio. E a turma do andar de baixo continua se “torturando” na rotina laboral de quem rala a semana toda.

 

          Voltando, porém, ao detectorismo. Apesar de tal prática não ser crime – afinal, achado não é roubado, em tese, ao menos – existem alguns cuidados. Um italiano, em certa ocasião, foi detido pela Polícia Federal porque tentava vender, pela internet, 20 quilos de moedas históricas, que ele havia encontrado, usando um detector de metais, dentro de uma botija enterrada na praia de Ipioca, no litoral de Maceió, nas Alagoas.

 

          Portando, sendo mero lazer ou uma atividade profissional, nem todo achado exime o descobridor de responsabilidade pelo bem encontrado. Afinal, nesse vai e vem incessante das marés nada impede que algum(a) – as mulheres também praticam – detectorista encontre um baú de tesouro escondido por piratas de eras passadas e que, ao longo de anos, arrastado de um lado para o outro, deu nos costados de alguma praia brasileira, enterrado na areia.

 

Seria interessante de se ver.  

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Situações vexatórias

 

          Existem coisas que acontecem nas vidas das pessoas que deveriam ser mantidas em segrego de tão constrangedoras, mas sempre tem aqueles gaiatos que fazem de tudo para lembrar momentos difíceis que os outros passaram, como se fosse super engraçado. Aquela máxima: “Pimenta no dos outros é refresco”.

 

          Mas há também pessoas que contam seus perrengues na maior naturalidade, por mais esquisitos que sejam. Tenho um amigo que é assim. Ele tinha uma disfunção intestinal que o pegava desprevenido e costumava lhe deixar, literalmente, com as calças nas mãos. Ouvi-lo narrar suas fétidas aventuras é engraçadíssimo.

 

          Foram diversas as situações, mas vou transcrever somente duas, sem dar nomes aos bois.

 

Na ponte

 

          Eram quatro pessoas dentro de um carro parado, junto com dezenas de outros, num engarrafamento na ponte Rio-Niterói. De repente, atacou a tal vontade incontrolável de fazer o número dois. Quase no desespero, o pobre sofredor desceu do veículo e, em busca de uma solução quase impossível, vislumbrou um ônibus de turismo mais à frente. Correu até lá e bateu na porta, que foi aberta por um surpreso motorista.

 

          Praticamente aos gritos pediu para usar o banheiro interno, pois tratava-se de uma emergência. Sem acreditar muito (até porque os companheiros de viagem dele tinham vindo atrás e estavam filmando tudo no celular, muito “preocupados” com o drama do colega), o motorista disse que não podia liberar o acesso. O banheiro era exclusivo para os passageiros.

 

          Por sorte, o trânsito voltou a fluir e os viajantes conseguiram chegar até um posto de abastecimento, onde o nosso apressado amigo correu até o frentista e pediu a chave do sanitário, sendo informado que o local já estava aberto. Mais alguns metros em velocidade controlada e, enfim, aquele alívio que todos conhecem.

 

No posto policial

 

          O passeio familiar tinha sido uma beleza, e a viagem de volta transcorria com tudo sob controle até que o dito impulso na “porta de saída” apareceu. E com força. Viu que pouco metros à frente havia um posto da Polícia Rodoviária e não quis nem saber. Acelerou, deu aquela freada na frente e entrou correndo no prédio. O policial de plantão, imediatamente, reagiu apontando-lhe a arma e gritando, conforme o treinamento e se vê nos filmes:

 

          - Parado. Mãos na cabeça!

          - Não, não. É uma emergência. Preciso usar o banheiro – respondeu.

 

          Sem entender direito, o homem da lei apontou na direção desejada, onde, mais uma vez, o rapaz que tinha algo frouxo conseguiu resolver o problema.

 

          Na volta, ao agradecer o bom atendimento, percebeu que o policial mantinha a arma ao alcance da mão. Por via das dúvidas.

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

19/08/81

 

          A exemplo de 2020, o dia 19 de agosto do ano de 1981 também foi uma quarta-feira. Há trinta e nove anos. Naquela data, não me lembro exatamente o horário, mas parece que foi na parte da manhã, nasceu, no Hospital São José, em Vitória/ES, minha filha mais velha, Raissa Segovia Pacheco, que deveria ter o sobrenome Poncio (do pai da minha esposa), mas coloquei o da minha sogra.

 

          Diga-se, de passagem, que escolhemos Raissa porque minha irmã havia comentado que quando tivesse uma filha seria esse o nome dela. Mas a minha nasceu primeiro, daí que.....Aliás, até onde me lembro ela teve essa ideia porque leu um livro da poeta e filósofa francesa nascida na Rússia, Raïssa Maritain, de família judia e convertida ao catolicismo.

         

          Eu tinha, na época, 24 anos de idade, com três de casado. Jovem e inexperiente, mas com aquela sensação de “dono do mundo” inerente a quem tem menos de 40. A partir daí alguma coisa mudou. Meu chefe daquele período, por exemplo, me disse, meses depois, que com o nascimento de Raissa me tornei mais responsável e profissional. Acredito que tenha sido verdade. Com certeza, houve uma transformação para melhor.

 

          Ninguém fica impune ao nascimento de um filho ou filha. Aquele pequeno ser esperado por nove meses se torna o centro das atenções de toda a família, principalmente dos avós, o que só descobri vinte e sete anos depois, quando Raissa e o marido dela, Fagner, me presentearam com a primeira neta, Alice. Gerações se sucedendo, conforme acontece desde o início dos tempos.

 

          O grande escritor libanês Gibran Khalil Gibran, em sua obra denominada O Profeta, ensina:

 

Vossos filhos não são vossos filhos. 
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. 
Vêm através de vós, mas não de vós. 
E embora vivam convosco, não vos pertencem. 
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos, 
Porque eles têm seus próprios pensamentos. 
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas; 
Pois suas almas moram na mansão do amanhã, 
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho. 
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós, 
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados. 
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas. 
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força 
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe. 
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria: 
Pois assim como ele ama a flecha que voa, 
Ama também o arco que permanece estável.

 

Aquele corpo material que o Universo entrega na responsabilidade de um pai e de uma mãe é habitado por um espírito com luz própria. Aos pais cabe cuidar e zelar para que, na idade adequada, a flor contida naquele pequeno ser possa desabrochar e seguir o caminho que lhe cabe, com independência e consciência, pronta para também nortear, tal qual o arco e a flecha de que nos fala Gibran, mais na frente, um novo fruto que brota do amor.

 

Existe aqueles que acreditam no acaso dos acontecimentos. Eu, particularmente, entendo que tudo tem um propósito. Nasci onde nasci, na família a mim determinada por algum motivo. Da mesma maneira, ordens superiores me enviaram as maravilhosas três filhas que tenho. Nós nos merecemos, e precisamos uns dos outros, com nossas tristezas e alegrias, falhas e acertos, mas, acima de tudo, com amor igual a um coração de mãe: sempre cabe mais um.

 

Feliz aniversário, minha querida primogênita. Que Deus esteja sempre presente na tua vida, do teu marido e da tua filha.

 

Te amo!

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Inspiração

 

          A coisa mais incômoda para um escritor é não ter o que escrever.

 

          Eu ainda não sou um escritor, na acepção da palavra, mas quero chegar lá. Minha rotina diária impede, em alguns momentos, que eu possa digitar qualquer coisa todos os dias, o que, por óbvio, alonga o percurso até esse objetivo, pois a prática é o caminho mais curto para a perfeição.

 

          O famoso escritor Stephen King (sim.....ele mesmo, que escreve aqueles romances quase macabros) tem uma obra bem interessante sobre a formação de um escritor. Chama-se Sobre a escrita – a arte em memórias, um lançamento de 2016 da editora Suma de Livros.

 

          São muitos os conselhos e as orientações que emanam das páginas, mas a principal recomendação, que é reiterada algumas vezes, é simples: escrever todos os dias, por menor que seja o texto. Dessa maneira, podemos desenvolver a capacidade de redigir bem, com maior fluidez e encontrar os vocábulos adequados para cada contexto.

 

          Às vezes, porém, o principiante, como é o meu caso, que não tem a capacidade inata de lidar com as palavras, fica meio solto no ar, olhando pela janela (mesmo que seja noite) esperando e pedindo aos céus uma ideia para salvar o dia. Daí vem o título desta crônica: Inspiração.

 

          O quase imprescindível Google mostra o significado: “Ideia repentina e momentânea, normalmente genial; iluminação. Algo ou alguém que inspira, que incita a capacidade de criação: ela era a musa e inspiração do poeta. Ação ou efeito de inspirar, de inserir o ar pelos pulmões. Resultado do que foi criado a partir de um estímulo de criação”.

 

          O final da explicação acima – Resultado do que foi criado a partir de um estímulo de criação – me remete a Deus, fonte de toda sabedoria e que inspira poetas, músicos, pintores, escritores e artistas de outras formas de expressão a transmitir o belo sob a forma de arte. É claro que existe algum que se conecta com outra coisa. Mas isso não é difícil de se ver, basta olhar a obra.

 

          A inspiração divina é uma dádiva imensamente sublime e inesgotável, que nunca falha, desde que a gente tenha os conectores certos para dar o match. E tudo começa com o pensamento, que precisamos direcionar ao Pai Superior para que Ele atenda aos nossos anseios. O pensamento firme e constante é a solução dessa equação, que nos garante um resultado correto.

          Fácil, aparentemente, mas que exige desprendimento para que a sintonia aconteça de maneira natural. Por isso, poucos conseguem. Afinal, nem todo mundo é um Leon (Liev) Tolstói, escritor russo, um dos maiores de todos os tempos, autor do monumental livro Guerra e Paz, entre outras obras magníficas, inclusive seu trabalho considerado por muitos o mais importante de todos, de nome O Reino de Deus está dentro de vós, que foi proibido na Rússia e, por isso, teve a primeira edição na Alemanha, em 1894.

          Enfim, para quem gosta, burilar as palavras é um encantamento. São tantas as possibilidades que dá vontade de escolher todas. Uma frase para cada uma. Um parágrafo para uma coleção delas. Uma história em homenagem a esse atributo da nossa condição humana, a palavra.

           Que Deus nos ampare e nunca deixe faltar para nós a Sua inspiração.

 

domingo, 9 de agosto de 2020

Paternidade

 


Convencionou-se, no Brasil, que o segundo domingo do mês de agosto seria dedicado à comemoração do Dia dos Pais.

 

Tudo muito interessante, se não fosse o viés comercial que a aludida efeméride passou a ostentar.

 

Ser pai nunca foi uma tarefa fácil. Falando no sentido lato, é claro. Porque existem pais e pais.

 

Tem aqueles que não estão nem aí, e deixam toda a responsabilidade de direcionar os filhos no caminho do bem para a mãe ou mesmo para a escola, que, atualmente, mal consegue dar conta das próprias pernas.

 

Eu fui um desses omissos. Abarquei algumas responsabilidades que demandavam muito tempo, inclusive finais de semana, e minha família ficou um pouco distante, na época da infância de minhas três filhas. Graças a Deus que elas tiveram força suficiente, com o auxílio da firme orientação materna, para discernir o certo do errado.

 

Mas há também aqueles pais linha de frente, participativos e constantes, ainda mais nos tempos atuais, onde a educação formal está sendo ministrada de forma não presencial. Os genitores precisam chegar juntos, diminuindo a carga das já assoberbadas mulheres. Coisa boa.

 

Quero, porém, nesta data, elevar meu pensamento ao nosso Pai Superior, que é Deus. Aquele que nos deu a vida, Autor de toda criação e que Ama os seus filhos e filhas, ou seja, toda a humanidade. Quem, com infinita paciência, nos oportuniza, agora e sempre, a possibilidade de recomeçar, de redimir, de se orientar. Basta um pedido, um olhar para Ele e a manifestação do nosso querer é transformada numa realidade, recebendo o amparo divino.

 

Para isso, Jesus, que sempre clamou pelo Pai, nos ensina a mais sublime de todas as orações, o Pai Nosso, que diz:

 

Pai nosso que estais nos Céus

Santificado seja o teu nome

Venha a nós o Vosso Reino

Seja feita a Vossa vontade

Assim na Terra como no céu

O pão nosso de cada dia

Nos dai hoje

Perdoai-nos as nossas dívidas

Assim como nós perdoamos aos nossos devedores

E não nos deixei cair em tentação

Mas livrai-nos do mal

Amém

 

          Feliz Dia dos Pais.

 

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Velhice


          Os velhinhos perderam o medo de ser felizes. Com as caminhadas matinais liberadas no calçadão da praia, idosos e idosas deixaram a prometida segurança dos respectivos lares e resolveram arriscar. Às dezenas, sozinhos ou acompanhados, inclusive por seus bichinhos de estimação, ocupam os espaços disponíveis com a alegria de crianças que ganham um brinquedo novo.

 

          O uso da máscara é que parece que não vingou. Uns estão usando; outros, colocam o inédito item da indumentária abaixo do nariz ou mesmo pendurado no pescoço. A maioria, entretanto, deixa o rosto ao vento como se o amanhã não importasse. Estão no lucro, por assim dizer, sobrevivendo após meses de reclusão e assustados pelas notícias de quase 100 mil mortes apenas no Brasil. Nem o frio espanta os madrugadores.

 

          Nesse novo normal, se é que ele existe, as pessoas acima dos 60 anos de idade se sentem também com o direito de ter esperanças. Antigamente, cerca de 20 anos atrás, o homem ou a mulher com meio século virava “tio/tia” dos mais jovens. Hoje em dia, porém, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, a média de expectativa de vida humana é de 70,5 anos, com mulheres vivendo em média 73 anos e homens aproximadamente 68 anos.

 

          Vê-se, dessa maneira, que nós, os beneficiários do Estatuto do Idoso, não queremos mais a complacência dos que têm menos idade ou aquele sentimento de “coitadinho”. Os que são jovens por mais tempo (60, por exemplo, é 20 três vezes) mantêm vida ativa, mente alerta e vontade de realizar, independentemente de alguma limitação natural. A experiência que traz sabedoria e as inovações tecnológicas médicas abriram perspectivas nunca anteriormente imaginadas.

 

          Continuar trabalhando é a opção de alguns, enquanto outros buscam no lazer, num passatempo e mesmo no desporto o jeito de evitar a senilidade. Dizem os especialistas que todo ser tem um tempo meio que padrão de existência. O cachorro, vive, em média, 15 anos. No ser humano esse relógio biológico é estimado em 85 anos de idade. Mas não é difícil perceber, se olharmos ao redor ou compararmos com nossos próprios familiares, que tem muita gente indo além, sem querer entregar os pontos.

 

          Todos sabemos que a morte é inevitável, mas ninguém tem pressa em ser atingido por ela. Por isso, mesmo com alguma dor lombar, ou um joelho travado ou audição curta a turma da Terceira Idade não quer entregar os pontos e vai à luta com a disposição de um menino(a).

 

          E amanhã, se não chover, tem caminhada no calçadão. Com máscara, por favor.