O calor de uma noite insone de verão,
o suor escorrendo no corpo e os primeiros raios solares a entrarem pela janela
aberta fazem com que me levante, ou melhor, abra os olhos.
No horizonte o tempo não definiu se já
é dia ou ainda é noite. Naquele lusco-fusco destaca-se imensamente no céu o
brilho intenso do planeta Vênus, também conhecido por Estrela D’Alva ou Estrela
da Manhã e ainda Estrela Matutina, nesse horário em que, no céu do Leste, à
nossa vista, atinge seu esplendor máximo.
Mais abaixo, na linha do mar, ao redor
da ilha Escalvada, pequenos pontos luminosos indicam os barcos de pesca que
passaram as últimas horas noturnas vagando próximos uns dos outros. É a faina
diária dos pescadores, com suas linhas, arpão, espinhel e redes de espera,
às vezes fartas,
em outras ocasiões nem tanto.
Será que o resultado nessa manhã foi
proveitoso? Valeu a pena o esforço de abastecer o mercado de peixes dos mais
diversos tipos, cores e tamanhos? Ou nesse trabalho, eles fazem o mais penoso e
o lucro mesmo fica com os atravessadores?
Fico a imaginar o que pode passar na
cabeça dessas pessoas tão cantadas em verso e prosa (Axé, Dorival Caymmi) na
faina de uma noite inteira de jogar a isca na água. Gerações e gerações
atravessando épocas com a mesma rotina, enfrentando os mesmos problemas e
sofrendo do mesmo despreparo da ausência de uma educação formal e
desconhecimento de direitos.
Na
longa espera para encher seus isopores gelados com cações, dourados, pescadinhas,
baiacus, camarões, pargos e corvinas em algum momento imaginam que a vida
poderia ter sido diferente? Sonham com outros lugares, pessoas e situações?
Querem seus filhos sentados em bancos de faculdades?
Difícil saber nessa distância da minha
janela até o ponto em que avisto as embarcações. Às vezes a felicidade está
nisso, ter uma satisfação interna com o que temos, com o que nos é oferecido,
com essa oportunidade de possuir um conhecimento tradicional que vem dos nossos
ancestrais e que podemos transmitir àqueles que vêm depois de nós.
Vida de pescador! Romantismos à parte,
não deve ser nada fácil. Mas Jesus ter escolhidos pelo menos quatro pescadores
- André, Pedro, Tiago e João – para discípulos, e mais à
frente apóstolos transmissores das boas novas, enche de simbolismo essa
profissão. Em vez de arrastar redes com pescado, se tornaram pescadores de
homens.
Abençoe,
Senhor, todos os pescadores, tanto os que estão nos barcos que vislumbro nesse
amanhecer, quanto aqueles que fazem da vida um “jogar de redes” para clarear
consciências humanas tão carentes de Luz.
Que o “anzol”
de Deus fisgue a todos nós, libertando-nos da finitude material e nos lançando
na imensidão inimaginável da plenitude da vida espiritual infinita.
Enquanto não
alcanço esse patamar de perfeição, acho que vou comprar uns peroás para fritar
para o almoço. E limão também, claro.