sábado, 30 de janeiro de 2021

Luzes

 


          O calor de uma noite insone de verão, o suor escorrendo no corpo e os primeiros raios solares a entrarem pela janela aberta fazem com que me levante, ou melhor, abra os olhos.

 

          No horizonte o tempo não definiu se já é dia ou ainda é noite. Naquele lusco-fusco destaca-se imensamente no céu o brilho intenso do planeta Vênus, também conhecido por Estrela D’Alva ou Estrela da Manhã e ainda Estrela Matutina, nesse horário em que, no céu do Leste, à nossa vista, atinge seu esplendor máximo.

 

          Mais abaixo, na linha do mar, ao redor da ilha Escalvada, pequenos pontos luminosos indicam os barcos de pesca que passaram as últimas horas noturnas vagando próximos uns dos outros. É a faina diária dos pescadores, com suas linhas, arpão, espinhel e redes de espera, às vezes fartas, em outras ocasiões nem tanto.

 

          Será que o resultado nessa manhã foi proveitoso? Valeu a pena o esforço de abastecer o mercado de peixes dos mais diversos tipos, cores e tamanhos? Ou nesse trabalho, eles fazem o mais penoso e o lucro mesmo fica com os atravessadores?

 

          Fico a imaginar o que pode passar na cabeça dessas pessoas tão cantadas em verso e prosa (Axé, Dorival Caymmi) na faina de uma noite inteira de jogar a isca na água. Gerações e gerações atravessando épocas com a mesma rotina, enfrentando os mesmos problemas e sofrendo do mesmo despreparo da ausência de uma educação formal e desconhecimento de direitos.

 

            Na longa espera para encher seus isopores gelados com cações, dourados, pescadinhas, baiacus, camarões, pargos e corvinas em algum momento imaginam que a vida poderia ter sido diferente? Sonham com outros lugares, pessoas e situações? Querem seus filhos sentados em bancos de faculdades?

 

          Difícil saber nessa distância da minha janela até o ponto em que avisto as embarcações. Às vezes a felicidade está nisso, ter uma satisfação interna com o que temos, com o que nos é oferecido, com essa oportunidade de possuir um conhecimento tradicional que vem dos nossos ancestrais e que podemos transmitir àqueles que vêm depois de nós.

 

          Vida de pescador! Romantismos à parte, não deve ser nada fácil. Mas Jesus ter escolhidos pelo menos quatro pescadores - André, Pedro, Tiago e João – para discípulos, e mais à frente apóstolos transmissores das boas novas, enche de simbolismo essa profissão. Em vez de arrastar redes com pescado, se tornaram pescadores de homens.

 

          Abençoe, Senhor, todos os pescadores, tanto os que estão nos barcos que vislumbro nesse amanhecer, quanto aqueles que fazem da vida um “jogar de redes” para clarear consciências humanas tão carentes de Luz.

 

          Que o “anzol” de Deus fisgue a todos nós, libertando-nos da finitude material e nos lançando na imensidão inimaginável da plenitude da vida espiritual infinita.

 

          Enquanto não alcanço esse patamar de perfeição, acho que vou comprar uns peroás para fritar para o almoço. E limão também, claro.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Footing


          A palavra que dá título a esta crônica era usada antigamente (quer dizer, século passado), no Brasil, para designar aqueles passeios em praças ou avenidas das cidades em que rapazes e moças passavam para lá e para cá trocando olhares furtivos e, quando havia oportunidade, considerando os conceitos morais da época, conversando rapidamente e, até mesmo, em alguns casos, dando início a namoricos platônicos que, com sorte, resultavam em casamentos, pois havia data e hora em que aqueles encontros se repetiam semanalmente. Era uma espécie de divertimento, a opção de lazer em tempos idos.

 

Sob o ângulo da etimologia é considerada pelos eruditos “falso anglicismo, recebido do francês”. No idioma de Voltaire, footing significa “o esporte de pedestrianismo”. No inglês, está relacionada a andar, caminhar. Em português, como nota Aires da Mata Machado Filho em Grande coleção da língua portuguesa, “pelo menos em alguns lugares, um passeio a pé em que o esporte já não figura como propósito dominante”. Seria “ponto de encontro de paquera, de exibição…” (Ignácio de Loyola Brandão, Leia, 1989).

 

Me lembrei disso (ressaltando que não sou tão velho a ponto de ter feito footing) ao passear dias desses num finalzinho de tarde pelo calçadão da praia, onde a sombra das castanheiras (que andaram tentando derrubar, vejam só!) amenizava o calor dos passantes, entremeados no meio de vendedores ambulantes e pedintes.

 

Obviamente que não trata aqui de um footing clássico, mas apenas aquele vai e vem preguiçoso de um dia de estio, após uma manhã de praia. Casais de todas as idades, uns acelerados, outros caminhando mansamente, alguns de mãos dadas, dividiam o espaço democrático, que a liberdade do ir e vir garante (até quando, meu Deus?), com avôs e avós empurrando crianças em carrinhos. Havia ainda afoitos ciclistas, esqueitistas despreocupados com a segurança e corredores em busca do corpo perfeito.

 

Nos bancos, a pausa para retomar o fôlego era aproveitada para atualizar as mensagens no celular, aquele aparelhinho que hoje em dia serve até para telefonar. Na areia, turistas se ocupavam em arrumar cadeiras, isopores trazidos recheados de comida e bebidas, guarda-sóis e outras tralhas vindas de casa, encerrando o expediente, sem intervalo para almoço, de um cansativo dia de trabalho à beira-mar.

 

Pássaros às dezenas, em grande estardalhaço, buscam abrigo nas copas das árvores, onde passarão a noite em silencioso repouso. O povo, por sua vez, ainda continuará a caminhar mais algumas horas, apreciando o nascer do luar acima da linha do horizonte demarcada pelo oceano, para tudo recomeçar na manhã seguinte, pelo menos enquanto for verão ou os tempos pandêmicos permitirem.

 

Já não se fazem mais footings como antigamente. 

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Chegaram

 


          Eis que não mais de que de repente elas chegaram, as tão esperadas vacinas contra o coronavírus.

 

          O que parecia um sonho de uma noite de verão tornou-se realidade, apesar de as disputas palacianas perdurarem entre aqueles mais preocupados com seu próprio futuro político do que com o bem-estar da população.

 

          Tomar vacina ou injeção é uma coisa que não é das mais populares, apesar do famoso ditado de que “de graça até injeção na testa”. Brincadeiras à parte, qualquer um mais, digamos, experiente lembra das vacinações obrigatórias do tempo de criança. Eu, por exemplo, tenho até hoje um sinal no braço esquerdo proveniente da campanha contra varíola, uma pequena cicatriz redonda mais baixa do que a pele ao redor.

 

          Depois de toda a confusão sobre quem compra, quem faz, quem aplica o imunizante contra a COVID-19, a discussão agora é sobre os estoques disponíveis para atendimento à maioria da população.

 

A Índia não parece disposta a vender para o Brasil a vacina feita pelo consórcio Oxford/AstraZeneca, o que faz a mídia insuflar manchetes de que a propalada imunidade do rebanho somente acontecerá em meados de 2022. Vamos ter que nos arranjar com a vacina chinesa, a vacina do Dória, aquela que não seria comprada de jeito nenhum, que os marqueteiros oficiais brasilienses estão, agora, denominando “vacina do Brasil”.

 

          Que situação, hein!?

 

          Mas, apesar dos pesares, avista-se uma luz no final do túnel. Com o início da aplicação da CoronaVac – apesar do repúdio dos negacionistas -, renovam-se as esperanças de que poderemos, o mais breve possível, romper essa barreira sanitária que desde março do ano passado impacta o mundo.

 

          Os incrédulos que me desculpem, mas é preciso dar crédito à Ciência (com c maiúsculo) e aos cientistas. Não tenham medo de virar jacaré ou coisa parecida. Até onde se sabe, só nos livros de ficção existem essas fantasias mirabolantes.  

 

          Estou à disposição. Quando chegar minha vez, é só me chamar.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

"1984"

 


          O Telegram, concorrente direto do WhatsApp, divulgou mensagem comemorando ter ultrapassado o total de 500 milhões de usuários ativos. Na data do anúncio, 12 de janeiro, dizia o texto que “só nas últimas 72 horas, mais de 25 milhões de novas pessoas ao redor do mundo entraram para o Telegram”.

 

          Tanta adesão tem uma explicação. Circula nas mídias sociais um vídeo informando (ou não, depende do ponto de vista) que o WhatsApp vai mudar, invadindo, ainda mais, segundo consta, a privacidade de homens e mulheres em todo o planeta.

 

          Relembra o pequeno documentário de pouco mais de três minutos que o Facebook comprou o Instagram, em 2012, por módicos 1 bilhão de dólares, para não ser ultrapassado por aquela plataforma. O mesmo motivo levou, em 2014, à compra do WhatsApp, também pelo Facebook, pela bagatela de 19 bilhões de dólares.

 

          Atualmente, o Facebook é acusado, nos Estados Unidos, por atitudes nefastas que visam garantir seu monopólio no controle e difusão de conteúdos on line. Só para se ter uma ideia, o WhatsApp detém 2 bilhões de contas. Foi idealizado por Jam Koum, um ucraniano obcecado por garantir a criptografia nas mensagens de ponta a ponta.

 

          Disse: “Nós queríamos saber o mínimo possível sobre nossos usuários. Nós não éramos direcionados pela propaganda, então não precisávamos de dados pessoais”. Hoje em dia, com bombardeio direcionado de anúncios, as corporações precisam conhecer detalhes com quem estão falando, ou seja, necessitam ter o máximo possível de informações sobre os consumidores, o que eles gostam, o que eles acessam, quanto ganham, onde moram etc.

 

          Por causa disso, a partir de 1º de fevereiro isso será uma constante diária, com a nova política de privacidade que o Facebook irá implantar no WhatsApp de forma obrigatória: quem não aceitar, será banido. Sigilo zero deixará de existir, e o “Grande Irmão” previsto na obra 1984, de George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair, escritor inglês nascido na Índia, começará, para muitos, se tornar uma realidade. Registre-se que o livro foi lançado em 1949.

         

          A obra do escritor é profética também sobre a questão da quebra de privacidade. O avanço tecnológico permite um amplo monitoramento (dos satélites às microcâmeras). Nos Estados Unidos, por exemplo, a ONG New York Civil Liberties Union protesta regularmente contra a existência de 40,76 câmeras instaladas por quilômetro quadrado em Manhattan. (leia mais em: https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/saiba-mais-sobre-o-livro-1984-de-george-orwell/). A arte, mais uma vez, refletindo a realidade.

 

          Tudo isso tem motivado a migração para o Telegram, até um dia, é crível supor, em que ele também será engolido por algum leviatã econômico. Coincidentemente, se é que coincidências existem, essas coisas acontecem numa época em que o mundo ficou meses (e poderá ficar mais) paralisado por causa do novo coronavírus, em que a maioria da população, entocada entre quatro paredes, dependeu, cada vez mais, do celular, da televisão e do computador para manter algum contato externo.

 

          Cuidado. Existe um Olhão te vigiando.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Verão 2021

 


- Olha a máscara, olha a máscara – alardeia o vendedor ambulante em alto e bom som carregando seu suprimento de tamanhos, cores e modelos variados.

 

Em meio ao burburinho normal de uma manhã praiana da época do ano mais luminosa, essa nova modalidade de comércio é a marca típica desse verão pandêmico.

 

Aluguéis de cadeiras e barracas de sol, ofertas de picolés, empadinhas e pastéis, camarão frito, queijo coalho e água de coco são atividades comerciais que entra ano e sai ano estão presentes no litoral brasileiro em abundância.

 

Os quiosques no calçadão divulgam seus peixes fritos e respectivos acompanhamentos, prometendo cerveja estupidamente gelada e o preço mais em conta. Tudo isso não é novidade.

 

Os vendedores de máscaras é que mostram uma nova realidade. Quem diria que esse tipo de artigo seria comercializado dessa maneira e usado no dia a dia da população. Pelo menos, daqueles mais preocupados com o bem estar comum.

 

À beira da água as pessoas conversam sobre a situação econômica do país, a crise no Flamengo, a eleição nos Estados Unidos e a propalada campanha de vacinação (vai começar mesmo?) contra o novo (já nem tanto) coronavírus. Alguns, mascarados; outros, não.

 

Uma mulher, surpreendida pelo vento, corre atrás de sua máscara, que, placidamente, se enrosca na onda e se mistura com a areia da praia. Nas sacolas, além de protetor solar e água para as crianças, um pequeno estoque (duas ou três) de máscaras, pois o protocolo diz que elas só têm eficácia durante as duas primeiras horas de uso.

 

Corpos jovens e outros com as marcas inevitáveis do tempo, musculosos ou flácidos, esparramados em cima de toalhas se oferecem à exposição do Astro Rei em busca do bronzeado perfeito, daquele tom de pele que não vai deixar dúvida em qualquer convívio social: esse, ou essa, está de férias.

 

Enquanto isso, o animado negociante andarilho faz o seu trajeto, ora no calçadão, ora entre as pessoas aglomeradas, gritando, de tempos em tempos:

 

- Olha a máscara, olha a máscara!

 

São todas essas coisas.

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Tudo, ou quase, de novo

 

          Quero aproveitar a oportunidade, considerando que ainda estamos apenas no quinto dia do dito Ano Novo, para desejar aos meus poucos (ainda) porém fiéis leitores que os próximos meses sejam plenos de felicidades, dinheiro no bolso e.....saúde.

 

          Depois das inusitadas ocorrências registradas em 2020, espera-se que esse atual período possa trazer possibilidades melhores. Afinal, pior do que estava não dá mais, né mesmo!?

 

          Fala-se numa segunda onda de uma mutação do coronavírus, mas, ao mesmo tempo, existe a dadivosa notícia das vacinas que estão sendo alardeadas nos quatro cantos do mundo, caso alguma seja autorizada a ser aplicada em Pindorama, onde os morubixabas inconsequentes continuam numa discussão inútil sobre quem trouxe, ou trará, primeiro o imunizante.

 

          Nesse meio tempo, vivencia-se o auge da temporada do verão, com milhares, para não dizer milhões, de pessoas, ao longo do extenso litoral brasileiro, disputando palmo a palmo espaço nas areias das praias lotadas, obviamente sem nenhuma preocupação com uso de máscaras ou coisa parecida.

 

          Especialistas, acusados de alarmistas e propagadores do caos e da derrocada econômica, dizem que a consequência de tanta despreocupação social será sentida em fevereiro ou março, com o aumento dos casos da COVID-19. Espero que não, mas confesso meu medo de que eles tenham razão. Governos menos preparados (sentiram o sarcasmo) em países europeus voltaram a decretar o famoso lockdown.

 

          Contudo, deixemos essas mazelas para lá. Estou procurando fazer a minha parte. Esses dias, no prédio onde moro, barrei um folgado sem máscara de entrar junto comigo no elevador, apontando para um aviso em letras graúdas e cores vivas instruindo que o uso coletivo do equipamento está restrito às pessoas da mesma família. Espero não ouvir nenhuma reclamação na próxima reunião do condomínio.

 

          E o Ano Novo? Pois é. Infelizmente, para a grande maioria é apenas mais um feriadão e tão somente uma outra oportunidade de encher a cara (na manhã do dia 1º, por exemplo, ao fazer minha caminhada matinal, me deparei com inúmeros embriagados, e até presenciei uma cena deprimente de uma mulher jovem vomitando na rua amparada por duas, imagino, amigas).

 

          Restam mais 360 dias. Em cada um deles temos a oportunidade de crescer, nos transformar para melhor, contribuindo para uma construção solidária em prol da comunidade onde estamos inseridos. De que maneira? Simplesmente cuidando da gente e de quem amamos, pois a esperança de dias melhores é um sentimento bom de guardar, mas precisa ser amparada pela prática renovadora de ações edificantes para que no próximo (passa rápido, já perceberam?) 31 de dezembro tenhamos condições de ser/estar pessoas melhores.

 

          No dizer do educador Paulo Freire: “É preciso ter esperança, mas esperança do verbo esperançar, porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir. Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo”. Assim seja, com a graça de Deus.

 

          Vamos em frente que atrás vem gente. Viva 2021!