sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Infância

 


         Quando aquele rapaz latino-americano nascido no Ceará cantava “eu era alegre como um rio/Um bicho, um bando de pardais/Como um galo, quando havia.../Quando havia galos, noites e quintais” (Galos, noites e quintais  - Belchior) os tempos eram mais, digamos, amenos, ou, pelo menos, não havia tanta radicalização solta no ar.

 

         Não é que eu seja saudosista, mas esse mundo tecnológico parece demasiadamente frio para quem teve oportunidade de jogar bola no meio da rua, brincar de pique entre árvores e descer de carrinho de rolimã uma ladeira de paralelepípedos. Acredito que esse jeito mais natural ainda persista em algum rincão, mas não é mais o “novo normal”.

 

         Entretanto, entendo que, ao jeito de cada um, as crianças e jovens contemporâneas também têm uma maneira de ser felizes. Faz parte, a meu ver, do caminho de todas as coisas, no sentido de conduzir a humanidade para seu destino universalmente traçado. Computadores, celulares, tabletes e jogos eletrônicos cumprem seu papel neste avanço inexorável.

 

         Faço essa pequeno arrodeio tão somente para narrar uma lembrança infanto-juvenil que não é minha, mas de uma pessoa querida, na época em que havia “galos, noites e quintais”.

 

         Era uma turma, para não dizer bando, de meninos e meninas que morava na rua Eugênio Neto, na Praia do Canto (antiga Praia Comprida), quando o mar ainda chegava até a beirada da avenida Saturnino de Britto, o engenheiro que deu início à expansão urbana da capital capixaba. O bairro era exclusivamente residencial, com moradias grandes e amplos terrenos, onde as famílias tinham pomares e hortas.

 

         Ali, todos se conheciam e os vizinhos mantinham relacionamentos estreitos, que eram ampliados pela convivência diária dos filhos e filhas. Numa daquelas casas, de migrantes italianos, havia uma nonna ainda bastante ativa e que cultivava uma parreira com especial dedicação. A videira se espalhava, como toda trepadeira, e, por conta dos cuidados que recebia, era abundante em frutos.

 

         Na época da safra, a notícia se espalhava e crianças aos montes acorriam para aproveitar aquela dádiva da Natureza. Contudo, tinha um porém. A vetusta senhora não queria ninguém por perto do seu pé de uva e, por isso, a garotada precisava esperar que ela estivesse ausente ou dormindo para degustar da fruta.

 

         Mesmo assim, aqui e acolá o flagrante acontecia e da forma mais inusitada. Vovó jogava baldes de água fria nos ladrõezinhos e ainda corria atrás deles com uma ameaçadora vassoura nas mãos. Tinha deles que nem faziam questão de comer, gostavam mesmo era da bagunça.

 

         E aqui para nós: acho que todo aquele movimento era uma festa também para a nonna, que se divertia com a adrenalina da vida pulsando nas veias.

 

         Tempos felizes. Aqueles que passaram, os atuais e os futuros.

 


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