sábado, 25 de dezembro de 2021

Natividade

 


       Canta Simone, na versão para o português do clássico War is over, de autoria de John Lennon e Yoko Ono, que “então é Natal, e o que você fez?/O ano termina e nasce outra vez/Então é Natal, a festa cristã/Do velho e do novo/Do amor como um todo”.

 

        Decorridos mais de dois mil anos, o nascimento de Jesus Cristo (sem adentrar à polêmica quanto à data, que teria sido uma apropriação do Cristianismo em relação às festas pagãs que já existiam milenarmente) é daqueles momentos memoráveis para a humanidade, mesmo em relação àqueles que professam outras religiões ou desconhecem/desacreditam (d)a existência Dele.

 

        Nunca, neste longo percurso do ser humano sobre a face da Terra, algo ou alguém causou tanto impacto, a ponto de ser tornar fonte perene de esperança e amor para aproximadamente um terço da população religiosa que atualmente habita o planeta, segundo dados estatísticos aproximados da Wikipédia, ou seja, mais ou menos 2,3 bilhões de pessoas.

 

        É sabido que o Cristianismo desempenhou um papel de destaque na formação da civilização ocidental pelo menos desde o século IV, a partir do momento que o imperador romano Constantino, em 313, assinou o Edito de Milão, autorizando a liberdade religiosa em todos os territórios sob sua tutela, e, principalmente, depois que Teodósio, já no ano de 390, tornou-o religião oficial do Império de Roma.

 

        Contudo, há de se considerar que independentemente do credo (cristãos romanos, ortodoxos, evangélicos, espíritas, esoterismo e outros segmentos religiosos, além daqueles que simplesmente acreditam mas não seguem uma religião institucionalizada) a mensagem de Jesus, fundamentada no perdão e amor a Deus acima de tudo e ao próximo como a si mesmo, transcende a qualquer rito.

 

        A força de sua pregação não está restrita ao perímetro de quatro paredes de uma igreja. Ela é consolidada no coração de cada um, nascendo e crescendo e enraizando na medida em que amar a prática fiel do bem se torna uma constante na vida de todos, deixando de ser mera retórica. Jesus, acredito eu, não faz questão de templos suntuosos, tanto que nasceu, conforme os relatos bíblicos, numa humilde manjedoura.

 

        Ele quer de nós, da maneira que eu sinto e entendo, que seus ensinamentos sejam vivenciados diuturnamente, e não somente nesta época do ano. Não é fácil, mas que beleza, quando conseguirmos.

 

Por isso, caríssimos leitores, “então é Natal, pro enfermo e pro são/Pro rico e pro pobre, num só coração/Então bom Natal, pro branco e pro negro/Amarelo e vermelho, pra paz afinal/Então bom Natal/E um Ano Novo também/Que seja feliz quem souber o que é o bem” (Então é Natal).

 

        Feliz Natal e Próspero Ano Novo!

 

 

 

 

 

domingo, 19 de dezembro de 2021

Caminhar

 


        O nunca esquecido cantor e compositor paraibano Geraldo Vandré, em Pra não dizer que não falei das flores, cantou: “Caminhando e cantando e seguindo a canção/Somos todos iguais, braços dados ou não/Nas escolas, nas ruas, campos, construções/Caminhando e cantando e seguindo a canção”.

 

         Já Caetano Veloso, o baiano mais famoso de Santo Amaro da Purificação, compôs o hino de uma geração onde entoou que “sem lenço, sem documento/Nada no bolso ou nas mãos/Eu quero seguir vivendo, amor/Eu vou” (Alegria, alegria).

 

         Essa modesta reflexão sobre o caminhar me foi motivada por uma palestra que assisti recentemente na qual o insigne e incansável economista, jornalista e turismólogo Eustáquio Palhares falou de seu projeto, junto com outros abnegados, que vem se mantendo por mais de 20 anos, denominado Os passos de Anchieta, santo católico espanhol conhecido como “Apóstolo do Brasil”.

 

         Trata-se de uma caminhada de 100 quilômetros. Saindo da Catedral de Vitória vai, ao longo de três dias, concluir na antiga vila de Rerigtiba (atualmente, município de Anchieta), no litoral sul capixaba, onde, em junho de 1597, o jesuíta morreu amparado pelos milhares de índios que cativou durante décadas de sua pregação religiosa. Foi por eles levado em cortejo até a capital do Estado.

 

         Intitulando-se andarilhos, os participantes buscam seguir, na medida do possível, considerando as mudanças urbanísticas ocorridas durante séculos, o trajeto original que Anchieta fazia beirando o mar esplendorosamente privilegiado e de cenários deslumbrantes. Por conta da rapidez com que caminhava, ele ficou conhecido entre os indígenas como Abara-Bebe ou Carai-Bebe (santo voador ou homem-voador).

 

         Sem enfoque estritamente religioso, pois aberto a todas as tribos, a ideia é garantir aos corajosos “a cada passo um encontro consigo mesmo”, a exemplo de outras rotas místicas como o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, a Via Sacra, em Jerusalém, e o roteiro romano.

 

         Pois bem. Na verdade, a nossa vida não é outra coisa senão um caminhar constante. Todos os nossos passos, mesmo que de forma inconsciente, conduzem ao destino inexorável do nosso reencontro, um dia, com o Pai Superior. O jeito de chegar até lá é que difere um pouco. Cada um tem suas escolhas, a partir do livre-arbítrio permitido por Deus aos humanos.

 

         Existe um provérbio, cuja origem se perdeu no tempo, que ensina: “"A semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória". Assim, entre tantas procelas neste mundo de ilusão, “vem, vamos embora, que esperar não é saber/Quem sabe faz a hora, não espera acontecer/
Vem, vamos embora, que esperar não é saber/Quem sabe faz a hora, não espera acontecer” (Pra não dizer que não falei das flores – Geraldo Vandré).

 

         E caminhemos, física e espiritualmente, para frente e para o alto, sempre em direção à Luz Divina.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Liberou geral

 


         Pessoal, a maré ainda não está para peixe, mas a galera já resolveu, por conta própria, que o uso da máscara deixou de ser obrigatório, ou seja, o “novo normal” voltou a ser o “velho normal”. Fora os estabelecimentos comerciais, clínicas e similares nas ruas e nas praias apenas uma minoria mantém o uso do, digamos, equipamento.

 

         Realmente, admito, não é do nosso feitio cumprir ordens ou atender comandos sanitários, especialmente com o exemplo que emana do Planalto Central. Reconheço também que cobrir nariz, boca e queixo com aquele pedaço de pano é um tanto incômodo, principalmente nesta época do ano em que os termômetros disparam no rumo de cima.

 

         É lamentável, porém, acompanhar o noticiário e ver tantas (des)informações de brigas causadas entre aqueles que usam máscaras e os que dizem que isso não é necessário. E dizer “briga” não é uma metáfora ou coisa parecida. Já ocorreram casos de agressões físicas literais, tudo por causa dessa polarização imbecil que tomou conta do país. Imaginem quando começar a campanha política de 2022.

 

         Paira no ar a ameaça da Ômicron, que é a variante do coronavírus que apresenta mais mutações, por isso colocou o mundo em alerta novamente. Ela possui cerca de 50 mutações em comparação com as 26 do vírus original. Por conta disso, discute-se se as festas de final de ano serão liberadas e se os eventos carnavalescos poderão ser realizados.

 

         Em tese, estou imunizado, pois já tomei até a dose de reforço. Na prática, espero que a teoria seja uma realidade. O que me preocupa é a continuidade dessa bagunça institucional entre os entes federados, que permanecem remando cada um pra um lado e brincando com a saúde da população, que, infelizmente, não deixou de ser massa de manobra para que interesses escusos e duvidosos sejam atendidos. Vide o tal orçamento secreto das emendas parlamentares, como se fosse cabível o dinheiro público ter uso oculto.

 

         Diz um amigo meu que todo cuidado reunido do mundo ainda é pouco. Dessa maneira, mantenho meu estoque de máscaras (já tenho umas sete ou oito) operacional e à mão para qualquer eventualidade. Não estou com pressa de subir para o andar de cima. Quero prolongar meus dias, pois tenho umas coisitas por acertar antes de partir. E se preciso for para tal desiderato, mascarado ficarei, amparado no manto da ciência, cuja origem divina há de ser reconhecida um dia.

 

         Até lá, amigos, aproveitemos para aprender a nos conhecermos pelo olhar, cuja brilho paira acima de qualquer cobertura facial, conforme relatado na tradição cristã das homenagens à Santa Luzia, cujo martírio é relembrado nesta data – 13 de dezembro.

domingo, 5 de dezembro de 2021

Ruído na comunicação

 


Casalzinho recém-casado é só love. Naquela modorrenta manhã de domingo o jovem mancebo acordou com o celular tocando. Eram seus dois melhores amigos, que moravam no mesmo prédio, convidando-o para um banho de piscina na área de lazer do condomínio. Convite aceito, sussurrou no ouvido da mulher adormecida:

 

- Amor, foi tomar um banho de piscina. Durma mais e não se preocupe com o almoço que depois eu dou meu jeito.

 

Satisfeito com a atenção dedicada à sua esposa, seguiu despreocupado ao encontro dos companheiros, e ficaram os três jogando conversa fora entre um mergulho e outro. Por volta de meio-dia, o smartphone disparou uma canção melosa estilo sertanejo universitário. Era ela.

 

Antes que pudesse dizer ao menos alô, ouviu uma saraivada de impropérios. Rapidamente, procurou um canto reservado para entender o que estava acontecendo. Os amigos perceberam que tinha alguma coisa fora da normalidade, e chegaram juntos.

 

O problema é que a mulher havia entendido tudo ao contrário. Em vez de “não se preocupe com o almoço” ouviu que era para levantar logo e preparar uma suculenta refeição pois os inseparáveis parças chegariam em breve para apreciar a boca livre. E já passava das 12 horas. A comida tinha até esfriado.

 

O pior é que se achando extremamente desrespeitada, proibiu-o de voltar para casa, e não queria ver mais nenhum dos outros culpados por aquela desfeita. E agora? Um deles, padrinho de casamento, conhecido por sua capacidade de se virar nos trinta, resolveu tomar as dores do amigo, que, sem ação, estava atordoado.

 

Correu até a padaria mais próxima, reuniu as balconistas e explicou a situação, conclamando: “Precisamos salvar esse casamento”. Movidas por uma solidariedade que só o ideal romântico explica, arrumaram uma cestinha de vime, encheram de doces e outras guloseimas, passaram umas fitas coloridas e, pronto, o presente da reconciliação foi entregue.

 

Na emoção do momento e na pressa de sanar imediatamente a situação, saíram correndo, não pagaram e nem foram cobrados. As moças, emocionadas por aquela boa ação, ainda desejaram: “Boa sorte”.

 

Na porta do apartamento, enquanto o marido escorraçado e o amigo medroso se escondiam num canto do corredor, o best man, sobraçando a lembrança, acionou a campainha, chamando, através da porta, pela amiga. Em resposta, ouviu um “vão embora”. Depois de alguma insistência a chave tetra pack estalou na fechadura. Com o rosto desfigurado pelo choro e o cabelo despenteado, ouviu as explicações e recebeu o presente, caindo novamente em pranto compulsivo, desta vez de alegria.

 

Três dias depois o quase ex-marido voltou à padaria para quitar a dívida.

 

E transmitir a notícia que tinha dado tudo certo.