Em 1996, quando Paulo Hartung era prefeito de
Vitória e Sílvia Helena Selvátici dirigia a Secretaria Municipal de Cultura e
Turismo, foi editado o volume 16 da série Escritos de Vitória, tendo por
tema “Movimentos Sociais”.
Por indicação, salvo engano, do jornalista
Álvaro José Silva, um dos integrantes do Conselho Editorial e com quem
trabalhei na redação de A Gazeta, onde ele era Editor de Esportes, me pediram
um texto sobre minha experiência no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do
Estado do Espírito Santo.
As mal traçadas linhas, ora revisadas, as quais dei o título
de “Eu também já agitei as massas”, ficaram assim:
“Pois é, quem diria, eu também já tive os
meus dias de líder sindical. Foi no início da década de 80, época em que
exercia minhas atividades profissionais de jornalista na redação da TV Gazeta.
Naquele tempo existia a função de delegado sindical. Era um cargo previsto no
acordo (dissídio coletivo) firmado entre o Sindicato dos Jornalistas
Profissionais do Estado do Espírito Santo e as empresas. Essa pessoa atuava como
representante da entidade e intermediava as reivindicações dos funcionários
junto à chefia.
Ia ser feita, então, a eleição do delegado
sindical da redação da TV Gazeta. Não sem bem como aconteceu e meu nome surgiu
como um dos candidatos. Se bem me lembro, a adversária era a companheira Rose
Duarte. E para surpresa de muitos, inclusive do cacique Rogério Medeiros,
conforme ele próprio me disse, venci o pleito. Começou ali minha curta carreira
(pouco mais de três anos) de líder sindical.
Nessa condição passei a frequentar as
assembleias convocadas pelo Sindicato e me envolvi nas discussões que se
travavam sobre salários (foi quando aprendi o significado de mais-valia), dissídios,
benefícios e outros assuntos inerentes à esfera sindical. Radicalizei. Quase
que virei um petista de carteirinha. Conheci as diferentes facções que compõem o
movimento sindical brasileiro – PT, PC do B, PC (que nem existe mais) e demais
tendências à esquerda e à direita.
Rogério Medeiro, que era o presidente do
sindicato, seu idealizador e fundador, o grande e incontestável líder da
categoria, com quem aprendi muita coisa, inclusive sobre fotografia, iniciava,
no final de 1981/início de 1982, as negociações para formar a chapa que iria
disputar a eleição para a diretoria do Sindicato. Como candidato à sua sucessão
ele indicou Edvaldo dos Anjos, o popular Tinoco, amigo sincero e um ser humano
de respeito. Como se diz na gíria: gente muito boa. Novamente sem nem saber por
quê (acho que não encontraram mais ninguém interessado na redação da TV Gazeta),
entrei na chapa na condição de suplente da diretoria.
Começamos a campanha. As reuniões semanais de
preparação da nossa estratégia eram realizadas adivinhem em que lugar: na minha
casa. Ou melhor, na casa onde eu morava (rua Sete de Setembro, 415), pois o
imóvel pertencia ao meu avô, Filogônio, que residia no número 407. Apesar dessa
proximidade com o nosso, digamos, comitê eleitoral, costumava chegar atrasado
aos encontros, que começavam no irritante horário de oito horas da madrugada
(eu tinha uma atividade noturna muito intensa naquela fase da minha vida), mas
amenizava o problema mandando servir café, pão e queijo aos companheiros de
jornada.
Nossa chapa era bastante eclética e refletia,
penso eu, o que havia de mais avançado em termos de sindicalismo capixaba, pelo
menos na categoria dos jornalistas. Só a presença do Rogério Medeiros, na
condição de representante junto à Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas),
nos dava um favoritismo quase que total. Produzimos alguns folhetos de
campanha, fizemos bastante corpo-a-corpo e até imprimimos cartazes. Aí tem um
detalhe interessante: reunimos, especialmente para fazer a foto, todos os
integrantes da chapa (eram quantos mesmo?). Escolhemos como cenário a escadaria
de acesso à varanda da casa do meu avô, grande o suficiente, em seu estilo E
o vento levou, para abrigar toda a turma. Foto feita, cartaz distribuído, a
“oposição” começou a se preocupar em querer saber que escadaria era aquela, tão
imponente, conforme os comentários que ouvíamos. Talvez esteja sabendo agora.
Vencemos. E parece que foi de goleada. De uma
hora para outra passei a integrar a diretoria do Sindicato dos Jornalistas
Profissionais do Estado do Espírito Santo, com direito a imunidade e tudo.
Nosso presidente, Tinoco dos Anjos, estabeleceu uma rotina de reuniões semanais
em que todos (efetivos e suplentes, como era o meu caso) tinham direito a voz e
voto. Sempre que possível estava lá, na antiga sede da escadaria Maria Ortiz.
Lembro-me bem dos companheiros Namy Chequer, Diolindo Tavares, Sílvio Costa,
Ruth Reis (inesquecível musa da turma) e Otaviano de Carvalho. O trabalho
começou a todo vapor. Os chamados “pelegos” não tinham vez. A época era de
mobilização e confronto.
Tinoco, com seu estilo afável e conciliador,
mas sem aviltar os interesses da categoria, conseguia conduzir os assuntos da
melhor maneira possível. Não estou me lembrando das datas, mas fizemos duas
greves que ficaram na história, pois foram as primeiras realizadas nos meios de
comunicação no Espírito Santo. Uma delas foi em A Tribuna. Parece que
seriam demitidos alguns profissionais ou não houve acordo trabalhista. Fomos
pro pau. Mobilizamos a redação (Rogério Medeiros comentava que greve só
consegue sucesso quanto tem grevistas) e cercamos o prédio do jornal, na Ilha
de Santa Maria. Em certo momento fizemos um cordão humano em frente da portaria
para impedir o acesso dos funcionários. Uns fura-greve resolveram imprimir uma
edição, mesmo que desfigurada, para garantir a circulação do jornal. Espalhamos
pregos nas ruas próximas aos locais de saída dos carros de distribuição.
Resultado: pneus furados à vontade. Os PMs que tinham sido chamados pelos
patrões, é lógico, recolheram aquelas provas da nossa ação terrorista, conforme
comentaram. Passamos dias e noites naquele impasse até que a direção do jornal,
pertencente ao Grupo João Santos, de Pernambuco, resolveu simplesmente tirar A
Tribuna de circulação, demitir todo mundo e fazer uma reformulação total.
Outra paralisação que promovemos foi para
atender uma convocação do Dia Nacional de Greve organizado pela CUT, central
sindical ao qual o sindicato era (ainda é?) filiado. Essa greve, sem diretamente
ter um interesse específico (salários, por exemplo) mexeu com a categoria. Inicialmente
foi feita uma discussão no âmbito da diretoria, que aprovou a ideia. Foi, em
seguida, convocada uma assembleia geral. A primeira não deu quórum (achei bom,
pois era dia de minha pelada semanal de futsal). A segunda lotou o auditório da
Secretaria da Agricultura, ali no Forte São João. A maioria votou Sim. Na
condição de funcionário da Rede Gazeta de Comunicações fui para a porta do
prédio, ali naquela rua paralela à avenida Beira-Mar.
Chegamos de madrugada. Piquetes formados,
aguardamos os acontecimentos. Um editor da TV Gazeta quis avançar de qualquer
jeito e jogou seu carro em cima do pessoal, machucando uma manifestante. Os ânimos
ficaram acirrados. A dupla Abdo Chequer/Marisa Sampaio, apresentadores do Bom
Dia ES não pôde entrar. Naquele dia, o programa ficou fora do ar. Os noticiários
diários também foram prejudicados. O jornal circulou precariamente. Cutucamos a
onça com vara curta. Resultado: dezenas de demissões. Quem tinha imunidade
sindical se salvou. No meu caso, porém, perdi o cargo de editor, pois a empresa
alegava ter havido quebra de confiança em mim depositada (inclusive, eu tinha
noticiado a greve geral contra a orientação da chefia). O caso foi parar na
Justiça do Trabalho.
O advogado do sindicato, Joaquim Silva (também
competente jornalista e excelente sambista) adotou a linha do jus
resistentiae. Enquanto o processo corria, fiquei sem trabalhar uns três
meses (fazia parte da estratégia do causídico). Na Junta de Conciliação e Julgamento
venci. A empresa teve que me recolocar no cargo e me pagar os salários
relativos aos meses de querela jurídica. Voltei me sentindo um verdadeiro herói.
O caso foi para a segunda instância, o Tribunal Regional do Trabalho, no Rio de
Janeiro, já que não havia, à época, TRT no Espírito Santo. O sindicato carioca
ficou de acompanhar o trâmite. Se o fez, não adiantou muito. Perdi. Tive que
devolver (ainda bem que foi em suaves prestações) o dinheiro recebido. Fui, por
assim dizer, encostado, já que não poderia ser demitido, pois tinha imunidade
sindical.
Comecei a achar que esse negócio de sindicato
era meio perigoso. Aproximava-se, novamente, o período de eleição na nossa
entidade. Tinoco não admitia a hipótese de ser candidato à reeleição. Muitos
companheiros tinham abandonado o barco, tanto que eu passei da condição de
suplente para a de tesoureiro (dei muito trabalho para a Lurdinha, nossa
secretária). Fizemos uma reunião para decidir o que fazer. Convidamos Abdo
Chequer para ser candidato. Ele não quis. Olharam para mim. Esfriei. Fui
escolhido. Formamos a chapa, desta vez sem a presença do requisitadíssimo
Rogério Medeiros, que apoiou o candidato que encabeçava a concorrência, Sérgio
Egito. De novo sem entender direito o que estava acontecendo, eis-me na
condição de candidato à presidência do Sindicato dos Jornalistas Profissionais
do Estado do Espírito Santo.
Bem, resumindo, àquela época eu começava a
questionar a validade de tanta agitação. Iniciava um processo de busca
interior. Estava sem pique para pedir votos, fazer campanha, enfim, entrei na briga
sem querer brigar. Nosso grupo, porém, era unido. Serginho Egito venceu o
primeiro turno, mas não teve o número de votos suficiente para levar. Havia
necessidade de um segundo turno. Quis desistir. Não deixaram. Convidei Tinoco para
um almoço na Churrascaria Minuano e falei para ele do meu dilema. A derrota era
certa, fato que se consumou na segunda rodada. Provavelmente decepcionei
amigos, companheiros e colegas que acreditavam em mim (tive o mesmo número de
votos nos dois turnos). Mas confesso que senti como se tivessem tirado um peso
das minhas costas.
Mandato próximo do fim, resolvi mudar de
vida. Na TV Gazeta permaneciam as sequelas da minha atividade sindical –
especialmente aquela famosa greve. Procurei Carlos Lindenberg Filho, o Cariê,
acompanhado de Tinoco dos Anjos, ainda presidente do Sindicato, e fiz um acordo
para deixar a empresa. Tomei rumo norte e vim para Rondônia, onde estou até
hoje, sem me envolver mais com entidades de classe. Continuo jornalista,
acreditando que a transformação dos homens por um mundo melhor, socialmente
mais justo, somente acontecerá com a modificação individual de cada um de nós,
quando as consciências se tornarem mais claras. Não renego nada, nem sou contra
quem luta por aquilo que acha justo. Mas minha forma atual de batalha é outra.
Peço compreensão, companheiros”.