quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

30 de dezembro de 2020

 


          Chega!

 

          Está decretado o fim do ano, com vinte e quatro horas de antecedência.

 

          Por minha conta, sem consultar ninguém, nem as autoridades constituídas e nem os regentes astrológicos ou qualquer observatório astronômico, determino que 2020 acabou. E já vai tarde.

 

          Queimei a língua quando, dias atrás, afirmei aqui que esses 365 (ou 364) dias não poderiam ser esquecidos, pois traziam uma grande lição para a humanidade. Já tenho minhas dúvidas quanto a isso.

 

          Não aguento mais 2020, por isso me considero em 2021 desde já, um dia na frente de todo mundo, inclusive Austrália, Nova Zelândia, Japão e outros lugares mais remotos.

 

          Basta de tanta conversa inútil sobre “gripezinha”, pandemia, vacina desse laboratório ou daquele, aglomerações, festas clandestinas, líderes executivos fazendo vista grossa às praias, bares e restaurantes lotados, o povo fingindo que segue as normas sanitárias (inclusive, me disseram que máscara no queixo e igual colocar camisinha no escroto: não resolve nada), insensíveis querendo novos privilégios e muitas outras sandices.

 

          O assunto me encheu o saco. Espero que o encerramento desses 12 meses (ou 11 meses e 29 dias, no caso) sirva para que iniciemos janeiro falando de coisas mais elevadas e que, efetivamente, tenham a ver com a solução dos problemas brasileiros. Só que não!

 

          É cediço que a novela do imunizante terá ainda alguns capítulos pela frente, a maioria de gosto duvidoso. No meio dessa diatribe, nossos altruístas políticos, para não dizer o contrário, estarão muito ocupados com a escolha dos novos (com velhos deletérios hábitos) presidentes das duas casas legislativas federais – Câmara dos Deputados e Senado.

 

          Acabou o auxílio emergencial e milhões de brasileiros ficarão à míngua, entregues à própria sorte. Enquanto isso, em São Paulo, o prefeito recentemente reeleito sancionou a lei aprovada pelos vereadores que aumentou seu próprio salário em apenas 46%. Antigamente, uma pessoa dessa era chamada de cara de pau. Hoje, nem imagino.

 

          Por essas e outras é que esse ano tem que acabar rapidinho, e não precisa esperar nem mais um minuto. Quase 200 mil mortes por causa da COVID-19, somente no Brasil. Ninguém da minha família foi atingido, com a graça de Deus e as precauções adequadas, mas alguns amigos e amigas se foram. Será que pelo menos, digamos, 10% ou 20% desses falecimentos poderiam ter sido evitados se nossos governantes fossem mais diligentes no cumprimento de suas responsabilidades? Não sei, mas imagino que sim.

 

          O que sei é que quem quiser me acompanhar será bem-vindo em 2021, pois 2020 já era.

 

          E ficam revogadas as disposições em contrário. Tenho dito!

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Natal (mais uma vez)

 


          Na roda infinita do tempo eis que dezembro chegou novamente, e com ele a festa mais comemorada no mundo cristão – o Natal.

 

          Sabe-se que a data exata do nascimento de Jesus é uma incógnita (tem até quem diga que Ele nem existiu, mas deixemos isso para lá), pois o dia 25 de dezembro foi fixado pela Igreja Católica, entre os séculos II e III, tendo por base o primeiro dia do solstício de inverno do Hemisfério Norte, que era feriado na Roma Antiga.

 

          Registre-se, entretanto, que essa é uma das muitas versões que divulgam sobre o assunto, até porque, no início do Cristianismo, a comemoração mais importante era a Páscoa. A celebração natalícia do Menino Deus passou a ter maior destaque com o imperador Constantino, o responsável por oficializar a religião, por volta do ano quatrocentos.

 

          Bom, anotações históricas à parte esse é um período do ano, juntamente com o dito réveillon, que mexe muito com o imaginário das pessoas, com as emoções e, também, com o bolso, pois depois que inventaram a troca de presentes tem gente que precisa se virar nos trinta para conseguir comprar uma lembrancinha para cada parente ou amigo.

 

          Mesmo em tempos pandêmicos a tradição comercial não diminuiu totalmente, conforme se vê nos noticiários, com ruas cheias e shoppings lotados. Afinal, ninguém é de ferro, e depois de tantos meses de clausura o povo, em todo o país, quer mesmo é festejar, mesmo que o risco seja maior do que o benefício.

 

          Entretanto, não é esse o real espírito natalino. A época exige amor, união, generosidade e felicidade, que emanam da magia que envolve o sentimento advindo da força imensurável da história do maior Homem que já existiu, cuja pregação filosófica e prática caridosa de mais de 2.000 anos permanecem imutáveis e perenes. Que mundo maravilhoso se as boas novas trazidas pelo Nazareno fossem parte por completo de nossas mentes, atitudes e corações.

 

          Indubitavelmente estaríamos numa condição superior, plena de paz e perdão. Por isso que a energia gerada por centenas de milhões de bons pensamentos e boas ações de homens e mulheres, alcançados pela força bendita do nascimento de Jesus, cria essa aura de fraterna irmandade e confraternização luminosa.

 

          Façamos a nossa parte para que essa chama superior não se extinga, e possa perdurar, cada vez mais, ao longo dos próximos meses até se tornar um fogo que não se apaga nunca.

 

          Louvores eternos a Jesus, o Filho de Deus.     

domingo, 20 de dezembro de 2020

Tristeza

 

Tristeza

 

          Manhã modorrenta de domingo.

 

Desde cedo o brilho solar avançou através da janela para dentro do quarto, trazendo, além de luz intensa, aquele calor que não deixa o cidadão dormir mais. As cortinas estavam abertas, e o ar-condicionado desligado. Ninguém merece.

 

Ainda com sono, pois tinha me deitado tarde (ou cedo, dependendo do ponto de vista - eram mais de 3 horas da madruga), fui forçado a me levantar e procurar o que fazer.

 

A mulher já estava de pé, preparando o café, e me lançou um desafio: ir à padaria comprar pão Josefina. Interessado em manter em alta o bom relacionamento conjugal, concordei quase que imediatamente e venci a distância de longo meio quilômetro (ida e volta) a pé sonhando com minha cama.

 

Alimentado. Enquanto criava coragem para ir à praia, resolvi atualizar as mensagens do WhatsApp. Uma surpresa desagradável me esperava: um amigo médico me informava do falecimento de um outro amigo comum, que esteve internado por mais de 15 dias com a famigerada COVID-19. Chegou a ser traqueostomizado, apresentou melhoras. Contudo, uma parada cardíaca fulminante levou-o desse plano terrestre.

 

Além do sentimento de perda em relação a uma pessoa com quem tinha uma história de vida de muitos anos, com os percalços naturais de todo relacionamento humano, mas, com certeza, com muita coisa boa, fica aquela sensação de que a morte só precisa de uma desculpa para cumprir o que lhe cabe no universo.

 

Meu pai também desencarnou dessa maneira, subitamente, vítima de infarto agudo do miocárdio. Outra pessoa querida, me lembro agora, faleceu daquele mal. É tão tênue a diferença entre morte e vida que se torna angustiante ficar preocupado com isso. É como diz Gilberto Gil, em Tempo Rei: “Não se iludam, não me iludo. Tudo agora mesmo pode estar por um segundo”.

 

Olho da varanda e já são quase 10 horas. Na areia à beira-mar, homens, mulheres e crianças expõem seus corpos ou brincam na água. Um carro de som patrocinado pela Prefeitura passa pedindo cuidado com o coronavírus (usar máscara, não aglomerar, assim e tal). A indiferença é quase total. O povo já não acredita nisso, e quer aproveitar o final/início de ano para festejar.

 

Espero que os mais próximos de mim estejam se cuidando. Alguém precisa fazer a sua parte, já que as “otoridades” (des)governamentais não estão nem aí. Meus Deus, o que nos reserva o futuro?

 

Vá em paz, Amigo Velho, que por aqui a gente continua pelejando no bom combate, até quando for permitido e chegar a nossa vez de deixar esse invólucro material.

 

Um dia voltaremos a nos reencontrar.

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Quase estrelato

            

            Ocram desde a tenra idade demonstrava aptidão para o canto. Inicialmente, soltava a voz no banheiro da casa, enquanto atendia às ditas popularmente necessidades fisiológicas, especialmente a conhecida por “número dois”, ou ainda ao banho.

          Com o tempo, mais desinibido, passou a cantar na varanda do sobrado onde morava com a família, atraindo a atenção dos vizinhos. Era a época da Jovem Guarda, e ele tinha predileção por Wanderléa, a Ternurinha, e Wanderley Cardoso, o Bom Rapaz, apesar de incluir no seu repertório outros renomados integrantes da MPB da época como Agnaldo Timóteo e Jerry Adriani.

          Sua voz melodiosa se tornou motivo de comentários em todo o bairro. Aquilo chamou a atenção do pai, que passou a ver naquele dom do filho uma possibilidade de ganhar algum dinheiro, um investimento, por assim dizer. Resolveu, então, levá-lo para fazer um teste de audição visando participação no programa do Chacrinha, como era conhecido o popular apresentador de televisão Abelardo Barbosa. Tinha por volta de 11 anos de idade.

          No dia marcado, o “empresário”, preocupado com o bem-estar do pupilo, ensinava-o técnicas de aquecimento vocal e para evitar qualquer contratempo mandou vir um táxi (um luxo para o apertado orçamento familiar). Durante o trajeto, foi obrigando o menino a fazer os sons tipo “brrrrrrr” ou “mimimimimi” e ainda “uuuuuuuuuuu”. Numa pausa e outra, dizia para o taxista:

          - Meu filho. Vai participar do programa do Chacrinha. Esse menino canta igual a um passarinho.

          O estúdio da emissora ficava na rua Pacheco Leão, nas proximidades do Jardim Botânico e estava cheio de pais e rapazes e moças, todos na expectativa de uma oportunidade que poderia levar ao sucesso junto às multidões. Muitos tinham ido caracterizados como se fossem seus próprios ídolos.

          Iria apresentar uma de suas canções preferidas, O bom rapaz, de Wanderley Cardoso, que sabia de cor e salteado. Esperou a vez até que seu nome foi chamado. Quando se posicionou em frente ao microfone e o conjunto dava os primeiros acordes da melodia, seu pai, lá da plateia, a título de incentivo carinhoso, gritou:

          - Manda do banheiro.

          Tal qual um chute nas partes baixas masculinas, aquelas palavras fizeram o quase futuro bardo se encolher, suar frio e tremer nas bases. Cantou sem nenhuma emoção, a voz sumida, praticamente inaudível, e levou uma tremenda buzinada do Velho Guerreiro. Voltaram para casa de ônibus. O pai, sem entender o que havia acontecido, ainda ameaçou:

          - Não quero te ouvir cantar nunca mais. Se abrir a boca de novo vai pegar uns tapas.

          Encerrou-se, assim, abruptamente, a curta carreira de um quase herói da música popular brasileira.

          Por isso que sempre é preciso ter muito cuidado com o que se diz, pois as palavras, força viva que são, podem alcançar o receptor com um efeito diferente daquele imaginado. Em alguns casos, dá-se o contrário do objetivo pretendido.

          Que pena! Talvez Ocram se tornasse um nome de renome, vendendo milhões de discos. Nunca saberemos. Só resta achar graça, tantos anos depois, daquela experiência inusitada.

          São todas essas coisas.

 

         

         

 

          

 

         

         

 

         


quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Dádivas

 


        Tem um pessoal, mais ou menos umas 15 pessoas, se tanto, que regularmente, no horário da maré baixa, passa horas catando sururu nas pedras que cercam o final do calçadão do trecho marítimo central de Guarapari, de onde se tem uma vista completa da praia do Morro.

 

          Com enxadas e outras ferramentas, forçam por baixo das conchas e arrancam o sururu, desgrudando-o das pedras onde se desenvolveram. Muitos chegam até a beira da água, nem sempre calçados e nunca com roupas ou equipamentos de proteção.

 

          São homens e mulheres. Alguns estocam pedaços de paus e ali mesmo, na parte mais alta, longe do alcance das ondas, fazem fogo, em fogueiras improvisadas, e cozinham os moluscos em latas grandes de 18 litros. Outro dia, avistei um cidadão chegando com um fogão de quatro bocas.

 

          O trabalho é exaustivo. Ao final, saem carregando inúmeros sacos que são perfurados pelas pontas afiadas das conchas duplas que envolvem o bichinho tão apreciado na culinária regional.

 

          Não sei se são as mesmas pessoas, e nem se elas vão ao local todos os dias. Entretanto, desde a minha infância tenho lembrança de vê-las fazendo aquela atividade. Imagino que seja um modo de vida, e não simplesmente um lazer, como daquelas que ficam pescando com varas nas proximidades.

 

          Talvez algum especialista da área ambiental ou biológica já tenha detectado uma diminuição na incidência do sururu na região, mas é certo que continua havendo alguma abundância, considerando a quantidade que ainda é catada constantemente.

 

           Provavelmente, acredito, devem ser da segunda ou terceira geração de catadores de sururu, pois frequento essa orla atlântica tem mais de 50 anos. Além de impressionar como essa atividade marisqueira artesanal se mantém por tanto tempo, outro ponto que chama a atenção, para mim, é a prodigalidade da natureza, garantindo, num mesmo local, ao longo de meio século, no mínimo, a existência desse tipo de molusco bivalve.

 

          Os bens naturais disponíveis são tão abundantes que é difícil acreditar como ainda é possível existir fome na Terra. Fossem os seres humanos mais solidários e menos egoístas todos os dias a população mundial inteira teria alimento garantido, seja de que tipo for, em conformidade com as características regionais.

 

          Um planeta tão belo e rico oferece a seus habitantes os recursos necessários à sobrevivência. Basta que não haja desperdícios, e nem destruição dos biomas onde são ofertados graciosamente os meios que podem ser utilizados para a nutrição e a saúde dos maiores beneficiários dessa obra divina: o ser humano.

 

          Nem que seja um simples sururu.

 

         

         

 

         

sábado, 5 de dezembro de 2020

Gripezinha?

 


        Estava aqui absorto num turbilhão de inúmeros pensamentos, meditando uma solução mágica para resolver todos os problemas da humanidade, inicialmente os meus, é claro, inclusive, e principalmente, em relação aos ansiosos credores, quando recebi, via WhatsApp, uma chamada de vídeo de um bom amigo meu lá do Norte brasileiro.

 

          Esse antigo companheiro de algumas jornadas, tinham me dito, estava internado num hospital de Porto Velho, com diagnóstico de COVID-19. Qual, então, não foi minha surpresa ao vê-lo, na imagem de boa resolução da ligação telefônica, deitado numa rede no quarto da casa dele, com a barba de alguns dias já cheia de fios brancos, mas com o mesmo rosto redondo de quem tem um apetite, digamos, bem crescido.

 

          O cidadão, então, me relatou o drama que havia vivenciado, sem conseguir esconder a alegria (num determinado momento, com a emoção de falar engasgado e lágrimas nos olhos) de estar vivo, pois chegou a pensar, segundo me disse, que não iria mais rever a família, ao menos de corpo presente, tal a situação enfrentada.

 

          Ele, a mulher e a filha, dias antes, já haviam sido contaminados pelo novo coronavírus, mas fizeram um tratamento caseiro e acharam que estava tudo resolvido. Entretanto, voltou a sentir dificuldade para respirar (“andar até o banheiro me cansava”, afirmou) e foi internado com 60% do pulmão direito comprometido. Direto para a UTI, onde dividiu o espaço com mais dez pessoas, sendo uma do sexo feminino, todas com o mesmo diagnóstico de insuficiência pulmonar.

 

          Em três dias, ele viu sete pacientes, inclusive a mulher, sendo intubados e, mesmo assim, não aguentando, falecerem. Numa determinada manhã, disseram que também passaria por aquele procedimento. Assustado com o alto índice de óbitos presenciados, recusou aquela alternativa. Propuseram, então, um jeito diferente, que não soube me detalhar, mas que consistiu, basicamente, em colocarem uma máscara fechada ao redor do seu rosto, que impedia-o até de abrir a boca, e injetar oxigênio direto dentro do nariz durante aproximadamente 120 minutos, com três repetições ao longo de 24 horas.

 

Acho que foi assim, se entendi direito. Na internet, tem uma página do Governo do Estado do Pará (http://www.saude.pa.gov.br) que fala no uso de máscaras de mergulho para realização da ventilação não invasiva, “pois ajudam a recuperar a função pulmonar dos pacientes, reduzindo a necessidade de ventilação mecânica invasiva. E isso diminui o tempo que o doente fica internado na UTI”, nas palavras do fisioterapeuta da Santa Casa do Pará, Reinaldo Ferreira.

 

Outra página eletrônica, essa no endereço https://www.tuasaude.com/ventilacao-nao-invasiva/, explica que “a ventilação não-invasiva, mais conhecida como VNI, consiste em um método para ajudar na respiração de uma pessoa, através de aparelhos que não são introduzidos no sistema respiratório, como é o caso da entubação, que precisa de ventilação mecânica, também chamada de respiração por aparelhos. Este método funciona facilitando a entrada de oxigênio pelas vias aéreas devido à uma pressão de ar, que é aplicada com auxílio de uma máscara, que pode ser facial ou nasal”.

 

          Segundo relato do meu camarada, a sensação era como se ele estivesse se afogando, não por falta, mas por excesso do ar essencial à vida, com uma enorme confusão mental. Quis se desesperar, mas buscou no íntimo do seu ser o que há de mais firme em suas convicções espirituais e pediu às forças divinas superiores amparo para que pudesse vencer mais aquela batalha. Foi atendido, o método escolhido deu certo e ele recebeu alta, pouco mais de 36 horas após, voltando para o lar com a certeza de que estava tendo uma segunda oportunidade, a vida renascida.

 

          Confesso que me impressionei ao conversar com esse meu amigo, não só pelo drama enfrentado, mas também por causa da informação de quem estava lá dentro de uma unidade hospitalar que muitas pessoas ainda estão morrendo em consequência da COVID-19. Números, sabemos, às vezes escondem a realidade e são frios, mas quem viu de perto todo o horror de uma doença, até aqui, inexplicável, e transmite o que passou para os mais próximos, torna qualquer projeção estatística numa coisa menos distante, quase tangível.

 

          Gripezinha? É como diz o ditado: pimenta no olho dos outros é refresco.

 

          Que Deus nos livre e guarde de todo mal!