quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Fogo na floresta II


Voltando ao tema quente do momento: incêndios na floresta amazônica.

No site da revista Época visualizei uma reportagem do jornalista Gabriel Monteiro intitulada Estrada Porto Velho-Manaus: rota de queimadas e desmatamento.

Esta rodovia, oficialmente denominada BR 319, é palco de intensas disputas ecológicas/econômicas. Segundo dizem à boca pequena, por trás da defesa ambiental estão escondidos os interesses das empresas que fazem o transporte fluvial de cargas e passageiros na hidrovia Madeira-Amazonas, e vice-versa.

Por exemplo: toda a gasolina, diesel, etanol e o gás consumidos em Porto Velho e região chegam à cidade via fluvial, através das balsas que trazem esses produtos da refinaria que existe em Manaus. E muita mercadoria é enviada para a capital manauara da mesma maneira. As carretas chegam no porto e são embarcadas em balsas especiais para esse tipo de transporte.

Quando aportei em Porto Velho, no ano de 85, a estrada estava asfaltada em boa parte e era usada regularmente, tanto por caminhões e ônibus quanto por carros de passeio. Os quase 900 quilômetros entre as duas capitais podiam ser percorridos tranquilamente. Depois, não sei porquê cargas d'águas, a rodovia foi sendo abandonada e a floresta tomou de conta novamente daquilo que já era seu.

De uns anos para cá começaram a trabalhar outra vez na 319, fizeram pontes e voltou o fluxo de veículos, mas somente os maiores ou aqueles com tração nas quatro rodas. Há ônibus diário, novamente, mas o trecho está sendo vencido em quase 24 horas. Possa ser que resolvam conciliar interesses e ajeitar a BR para que Manaus e Porto Velho tenham a possibilidade dessa integração rodoviária.

Por conta dessa conversa toda, me lembrei da única vez em que fiz uma viagem de barco de Porto Velho para Manaus. Fui com uma turma de umas dez pessoas. Normalmente, os passageiros ficam em redes, mas investi num camarote. Nem pensem que tive alguma mordomia. O dito cujo era pequeno e baixo, com um beliche apertado. E sem banheiro. Mesmo assim, um pouco mais de privacidade em relação a quem foi no convés entre dezenas de redes, colocadas, até, uma sobre as outras.

No embarque, no famoso Porto do Cai N'Água, homens da Capitania dos Portos vistoriaram a embarcação (que levava também carga) para evitar riscos à navegação, imagino. Qual não foi a minha surpresa quando, pouco depois da primeira curva do rio Madeira, já um pouco afastado da cidade, o barco parou e das margens vieram três ou quatro voadeiras (canoas com motor) trazendo mais passageiros, que subiram a bordo longe dos olhos da nossa diligente Marinha.

Foram quatro lentos dias subindo o rio (a distância de navegação entre as duas cidades é de 1.239 km), passando por inúmeras localidades ribeirinhas (São Carlos, Nazaré, Nova Olinda do Norte, Borba, Novo Arapuanã, Manicoré e Humaitá). Comida de qualidade apenas aceitável. Conforto quase nenhum. Tudo muito bonito. Tudo muito tranquilo. Tudo muito ecológico. 

Mas aguentei só ir. Voltei de avião.

Abaixo, na foto do Cesário (escritor amazonense), cedida pelo jornalista Lúcio Albuquerque, vê-se o tipo de batel que faz o trajeto de ida e volta entre as duas urbes nortistas.




terça-feira, 27 de agosto de 2019

Fogo na floresta


Tenho acompanhado com interesse o noticiário sobre as queimadas na região amazônica, com uns falando que o fogaréu está destruindo a floresta, enquanto outros dizem que tudo não passa de intriga da oposição.

Conforme já disse anteriormente, morei 34 anos na cidade de Porto Velho, capital do Estado de Rondônia, onde, atualmente, o Exército montou uma base de operação, utilizando-se de aviões da FAB e "piscinões" de 12 mil litros de água para derramar nos locais mais atingidos.

Sei que nos difíceis caminhos dos relacionamentos humanos a tendência natural é cada um puxar a brasa para a sua sardinha. Vou falar, então, da minha experiência pessoal.

Cheguei em PVH no final do ano de 1985. Fui de carro. De Cuiabá até lá, através da BR 364, eram longos os trechos em que a floresta margeava a estrada. Não se podia nem parar para fazer um xixizinho, principalmente à noite, pois diziam que havia onças por perto. Meio exagerado, a meu ver. Mas, todo cuidado é pouco.

Voltei para o Espírito Santo em junho deste ano da graça de 2019. Também percorrendo de automóvel o mesmo trajeto. Gente, onde havia exuberância vegetal, agora só existem cidades, pastos ou plantações.

Em Porto Velho, em fevereiro de 86, fui morar, com minha família, no Conjunto Marechal Rondon. Na época, era quase o final da cidade. Da porta da minha casa eu via no horizonte as árvores que formavam a linha da floresta. Dez anos depois não tinha mais nada. A expansão urbana tomou de conta. Nos verões amazônicos (período de seca, entre junho e setembro), era comum fuligem cair no meu quintal.

Relatos recentes de amigos meus indicam claramente que neste ano a coisa, literalmente, pegou fogo. O calor já tradicional no período está praticamente insuportável, por conta da fumaceira que cobre a cidade. 

Se são queimadas políticas, que à custa do meio ambiente querem macular o atual governo, não sei. Mas elas acontecem regularmente, ano após ano, e cada vez com maior intensidade. Amigos meus, proprietários de sítios, já tiveram prejuízos por conta de vizinhos inescrupulosos que incendiaram áreas de suas propriedades sem nenhum critério, pois é comum o fogo começar num local e rapidamente se espalhar descontrolado.

Não sou profeta e nem desejo o fim do antigo "pulmão do mundo" (teoria essa já superada), mas digo, com sinceridade, que, no ritmo atual, não dou 20 anos para Rondônia ter reduzida a sua cobertura florestal para quase nada (Acre e Amazonas são outra conversa). E isso é fácil de ver: que fim levou a Mata Atlântica? Lamento, amigos ecologistas, mas a luta de vocês será em vão.

Então, além dos debates ideológicos e discursos midiáticos, vamos nos acostumando, pois o dito Primeiro Mundo vai querer, sim, ter interferência na região, ou o que sobrar dela, especificamente em relação à floresta, seu potencial e recursos minerais e hídricos. Meu sábio pai, Renato José Costa Pacheco, já dizia, dezenas de anos atrás, que a III Guerra Mundial será causada pela disputa por água doce. E onde fica o maior rio do mundo?

Quem viver, verá!

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Gente de todo tipo


Eu acho interessante observar, discretamente, para não chamar a atenção, as pessoas.

Tem gente de todo tipo. Me impressiona como existem homens e mulheres, sejam adultos, jovens ou crianças, com, digamos, desenhos tão diferentes. A fôrma da genética permite milhares de combinações, e isso levando em consideração que a população mundial atual é estimada em "apenas" 7,7 bilhões de seres humanos.

São pessoas altas, baixas, gordas, magras, loiras ou morenas, com nariz comprido, perna fina, carecas ou cabeludas, dedos longos, costas largas, vozes agudas ou graves, olhos claros ou escuros, orelhas de abano, muito pelo ou pouco pelo, pés grandes, mãos pequenas. E por aí vai. Iguais mesmo, segundo a crença popular, somente os orientais, mas tenho minhas dúvidas se isso é verdadeiro.

O incrível, porém, é a maneira pela qual esses aspectos, como se a natureza estivesse brincando (um vídeo game universal), se combinam entre si. A cada dia vejo nas ruas homens e mulheres com rostos (na maioria das vezes, a parte mais visível) com tal simetria e harmonia, desde o couro cabeludo e até o queixo, que me faz crer, cada vez mais, que estamos sob o comando de uma mão poderosa que controla todo esse design.

Mas feias ou bonitas (esse critério depende do senso estético de cada um), o que importa mesmo é o comportamento individual. A vida em sociedade, sabemos, não é brincadeira, pois a dita civilização transformou a existência numa guerra de sobrevivência, onde cada um (sejamos otimistas: uma parte) quer se garantir, na base do "farinha pouca, meu pirão primeiro". E isso nas mínimas coisas.

Outro dia, no Aeroporto de Vitória (belíssimo, por sinal, com especialidade a sala de embarque/desembarque com uma vista maravilhosa do Mestre Álvaro), enquanto esperava um pessoal, me diverti ao ver os passageiros procurando garantir o seu espaço.

Uma senhora, por exemplo, achou por bem parar praticamente em frente ao portão, sobraçando duas ou três valises, para cumprimentar familiares, enquanto os demais que iam também saindo tinham que se esgueirar pelas laterais. Uma jovem, no afã de se livrar daquele obstáculo de carne e osso, esqueceu que carregava uma sacola maior do que ela e acertou o rosto de um cidadão que estava sentando numa cadeira próxima.

Não se criou nenhum barraco, ainda bem. No trânsito, então, é praticamente cada um por si e Deus por todos. Diriam os intelectuais que o micro reflete o macro, ou, no popular, o exemplo vem de cima. Se a moral e o respeito mútuo, com base naquele velho provérbio romano sobre a honestidade da mulher de César, não estiverem presentes em todos os setores de um país, começando por aqueles de maior responsabilidade, não há como se exigir comportamento educado do povo em geral. 

Ou todo mundo passe a se respeitar, ou o negócio vai virar bagunça, se é que já não virou. 





quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Dr. Kang


No final de 91 fui diagnosticado com uma doença denominada artrite reumatoide, que é uma inflamação crônica, autoimune, que afeta as articulações (mãos, punhos, cotovelos, joelhos, tornozelos, pés, ombros, coluna cervical) etc e tal. Interessante é que estatisticamente ocorre duas vezes mais em mulheres do que em homens.

Suas causas são desconhecidas, mas supõe-se que tenha fundo emocional. Até hoje a medicina tradicional não sabe como curá-la. Fiquei longos meses com dores, a ponto de não conseguir mais trocar de roupa sozinho. As noites eram insones, pois ao me virar na cama acordava com tudo dolorido.

Médicos reumatologistas de Porto Velho (onde morava na época), Vitória e São Paulo não deram jeito. Um deles, inclusive, chegou a me dizer para me acostumar, pois a única solução eram remédios de uso contínuo para aliviar as dores. Como diria um amigo meu: "Tomar a vida toda, e mais seis meses".

Uma luz, porém, surgiu: dr. Kang, acupunturista coreano (não sei se do sul ou do norte), que atendia em Campinas/SP. Meu saudoso companheiro de longas jornadas Altenísio José de Albuquerque, que também procurava cura para uma doença que lhe afligia, foi quem ficou sabendo dele, esteve lá e me indicou. Fomos juntos, com nossas respectivas esposas e amigos, duas vezes naquela cidade paulista.

Dr. Kang (como seria o nome dele completo?) tinha a aparência tradicional daqueles asiáticos que vemos no cinema: magro, altura mediana e barba rala com fios brancos indo abaixo do queixo. Usava a indumentária padrão de cor preta. Falava um português arrastado. Melhor dizendo: era de poucas palavras, limitando-se ao estritamente necessário.

Seu consultório funcionava assim: por volta de 5 horas da madrugada as pessoas começavam a chegar. Na porta, presa com durex, uma folha de papel, onde os pacientes anotavam seus nomes. O atendimento era feito de acordo com a lista. E todos tinham que ficar ali até às 9 horas, quando ele iniciava o dia de trabalho. Quem saísse, perdia o lugar. E o frio campineiro não era brincadeira.

Lá dentro, uma pequena sala com dois sofás velhos, uma cozinha que só tinha café e água e duas salas, com uma maca cada, onde ele atendia duas pessoas por vez. Se alguém dormisse numa das macas, permanecia lá até acordar. Todos os dias ficava cheio. Tinha gente que se tratou com ele (principalmente depois de desenganada pelos homens/mulheres de branco), ficou curada e continuava indo lá para dar uma "manutenção".

(Conheci um fazendeiro rico que rodou o mundo e dizia que só estava vivo por causa do Dr. Kang. Quando ele morreu - sim, Dr. Kang já é falecido -, pouco tempo depois o homem também foi para o além).

Pois bem. Quando chegou a minha vez de ser atendido, relatei o problema. Dr. Kang pegou no meu pulso direito, fazendo pressão (e bota pressão nisso) com as duas mãos. Falou: "Reumatismo forte, mas tem cura".

Seu tratamento era simples, mas eficiente: fazia uma sessão de acupuntura e passava uma dieta, que, no meu pouco conhecimento sobre saúde, remédios e similares, era o "pulo do gato" que o diferenciava e o tornava tão exitoso. Falava que a aplicação com as agulhas representava 30% do tratamento; a alimentação, os 70% restantes.

Afirmava Dr. Kang que as pessoas não são iguais metabolicamente falando. Daí porque uma coisa funciona numa, mas pode não funcionar em outra. Às vezes um alimento faz mal para um, mas não faz para outro. Por isso ele indicava para os pacientes uma dieta que tinha por base quatro proteínas básicas: frango, boi, porco e peixe.

No meu caso, inicialmente, me colocou na "Dieta do Frango". Podia comer frango assado ou frito no óleo de milho, tomar chá de gengibre com canela e mel, alguns tipos de frutas, legumes e verduras e quando tivesse sede beber uma xícara de água.....quente. Parece maluquice, mas não é. Com pouco mais de 15 dias fazendo o tratamento não sentia mais dores. Tinha minha vida normal de volta.

Retornei lá. Por ordem dele, mudei de biotipo, como ele chamava cada uma das quatros dietas. Passei para a "Dieta da Sardinha" - sardinha frita no óleo de milho ou peixes de água doce (saudades de um tambaqui assado), limonada quente com mel, frutas cítricas, alface, milho, aipim (ou macaxeira, como se diz no Norte/Nordeste), tomate, cenoura, batata assada com casca, ervilha, lentilha, feijão (uma vez por semana) e água......quente. E nada de sal.

(Somente o biotipo de porco bebe água natural - e não gelada. Os demais, quente mesmo).

Pois bem. Nunca mais me preocupei com a tal da artrite reumatoide, que sumiu tão inexplicavelmente (será?) como quando apareceu. Me desculpem os homens da Medicina, cujo valor não posso negar, mas igual ao Dr. Kang ainda não vi. Numa outra vez tive uma erisipela (vermelha, no jargão popular) nas duas pernas, e me curei sem tomar nenhuma dose de antibiótico, me alimentando tão somente do biotipo.

Dr. Kang atendeu e curou muita gente. Se necessário, entrava pela madrugada para não deixar ninguém sem atendimento. Não tinha papas na língua, pois não mascarava nada para seus pacientes. Contava-se, nas conversas na sala de espera, por exemplo, que um deles alegou dificuldade para comer sardinha e disse que não ia fazer mais o tratamento. Resposta: "Então, morra". Tratava todo mundo, com exceção a quem fazia hemodiálise. Para ele, nesses casos, o sangue se alterava e impedia o diagnóstico pelo pulso - se é que entendi a explicação que me deram.

Considerava que o que mata é a sujeira interna e não a externa. Dizem, porém, que usava este argumento para justificar o folclore de que tomava pouco banho. Não sei se era verdade, mas o paletó que usava já estava naquela fase "pedindo outro". Vejo, contudo, que estava tão intensamente ligado ao seu trabalho e à missão que tinha que não se preocupava com aspectos mundanos da nossa sociedade.

Um médico teve a esposa curada por ele. Pediu para aprender o método. Prontamente, Dr. Kang se prontificou a ensiná-lo, sob a seguinte condição: largasse tudo e ficasse com ele 10 anos. Por óbvio, o cidadão não foi. Tinha um filho, que seria quem daria continuidade, mas faleceu numa viagem aos Estados Unidos. Até onde eu sei, ele morreu sem deixar nenhum herdeiro terapêutico, talvez apenas aqueles que foram beneficiados e ainda se lembram das dietas.

Eu, hoje em dia, não faço 100% a alimentação que ele me passou, pois seu rigor a torna difícil de inseri-la no cotidiano, sem contar que não existe em nenhum restaurante. Mas ela é meu norte nutritivo, e procuro não me distanciar muito para manter o meu corpo no melhor equilíbrio funcional possível. Sei que tem sentido, pois vivenciei a experiência prática, daí porque não posso abandoná-la.

E o que tornava o Dr. Kang ainda mais especial era sua humildade, pois quando as pessoas, agradecidas, queriam exaltá-lo, lembrava que não era ele quem curava, mas Deus.

Volte logo, Dr. Kang.



sábado, 17 de agosto de 2019

Rapidinhas

Cumaru era forte pra caramba. Mas tinha uma mentalidade ingênua, gostava de todo mundo e, para pânico de seus conterrâneos, não conseguia controlar a própria força.

Tinha a mania de cumprimentar as pessoas dando "tapinhas", para ele, nas costas dos amigos. Contudo, aplicava tanta ênfase nesta demonstração de afeto que, não raras vezes, deixava marcas dolorosas. Em alguns casos, o agraciado não conseguia ficar em pé.

Era funcionário do único hospital da cidade. E o médico que dava plantão por ali tinha verdadeiro pavor de encontrar o parente de Sansão. Quando chegava para o expediente, entrava meio que disfarçado para evitar contato com Cumaru nos corredores. Era um alívio quando chegava ileso ao consultório.

De outra feita, atravessando uma pinguela sobre um igapó num canto da cidade, deparou-se com um conhecido que vinha em sentido contrário. Efusivamente, brindou-o com uns dois ou três tapas nas costas que jogaram o felizardo, para não dizer o contrário, dentro d'água.

Mas era pura manifestação de carinho.

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Comentário ouvido na praia:

"Rapaz, outro dia eu vi um homem com um queixo tão grande que parecia um tamanco".

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Resposta de um troglodita quando indagado porque misturava todo o alimento no prato - salada, arroz, feijão, carne, farofa e o que mais coubesse:

"E desde quando estômago tem prateleira".

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Sabe quando alguém quer ser mais realista do que o rei? Pois é.

O dono daquele cinema achava que a censura devia ser mais rigorosa do que efetivamente era. Por isso, tomava algumas precauções nos filmes que exibia, principalmente quando havia beijos entre casais.

Nesses casos, colocava o dedo em frente ao projetor (estamos falando das velhas películas de 35 mm) para que ninguém visse o ósculo imoral.

E a plateia revidava em coro:

- Tira o dedo.

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Pé de Boi não conseguia evitar. Era mais forte do que ele. Pulava cerca frequentemente, até que passou a ter uma amante, digamos, fixa.

A mulher, contudo, começou a desconfiar de alguma coisa e ficou com a orelha em pé. Um dia, descobriu nome e endereço da concorrente. Armou o flagrante.

Foi até o local onde os pombinhos confraternizavam e invadiu a casa. Levava consigo o filho do casal.

Pé de Boi só teve tempo de se enfiar embaixo da cama. Num primeiro momento, a esposa traída ficou confusa, pois não viu o marido, até que a criança, na inocência que lhe é natural, esticou o dedo e denunciou:

- Mamãe, aquilo ali não é o pé do papai?

As extremidades características de Pé de Boi tinham ficado à vista. Rapidamente, ele, só de cuecas, saiu do esconderijo e, como se tivesse sido afrontado em sua dignidade, fez uso do velho bordão característico de situações similares:

- Não é nada disso que você está pensando. Não faça escândalo que em casa a gente conversa.

Aos colegas de repartição, passado o furacão, explicou:

- Tem que negar sempre, não se pode admitir culpa, do contrário a casa cai.


quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Quem diria.....

Estou frequentando uma academia. Malhando. Puxando ferro.

Sempre gostei, e gosto, de esportes. Qualquer um, até campeonato de palitinho. Principalmente quando passa na televisão. Brincadeira.

Joguei muita bola. Tanto na quantidade quanto na qualidade. Outra brincadeirinha (mas se minhas partidas tivessem sido gravadas eu teria como provar. Pena que ainda não existiam celulares).

Nutria especial predileção pelo futebol de salão, conforme se dizia na época (hoje é o futsal). Participei de um time - o Perna Louca Futebol Clube -, onde a gente se divertia bastante.

Parei por conta de dores no joelho, ocasionadas pela perseguição dos jogadores adversários (risos).

Uma vez, quado tinha uns 12 anos, meu pai me deu de presente uma bola de futebol de campo oficial, a chamada número cinco, comprada em Cachoeiro de Itapemirim. Morávamos em Alegre. Em frente de nossa casa havia uma praça, onde a meninada se reunia todos os dias, praticamente, por conta da euforia com a conquista do tricampeonato mundial na Copa de 70.

O centro da praça era nosso campo de terra batida. Ao redor, algumas árvores (duas delas, que ficavam lado a lado, às vezes eram usadas como gol) e plantas ornamentais. Entre elas, uma roseira, com flores e, obviamente, espinhos.

Pois bem. Orgulhoso com o presente (só eu na rua possuía uma bola oficial nº 5) levei-o para a grande estreia. Tudo pronto, dei o pontapé inicial. Na primeira jogada, um colega mais afoito resolveu "encher o pé", no afã de inaugurar o placar, mas com a pontaria descalibrada acertou a única roseira que havia na praça. Aliás, a bem dizer, mandou minha bola novinha (oficial, número cinco) direto num espinho.

A partida acabou por ali. Murcho igual à bola furada voltei para casa, sem conseguir conter a decepção. Não durou nem cinco minutos meu momento de glória junto aos outros meninos. 

Mas voltando ao tema inicial - musculação. Já são quase dois meses nesses exercícios. A musculatura, acostumada a uma vida sedentária, anda toda dolorida. Porém, por incrível que pareça, estou gostando. Muitos me diziam que atividade física garante disposição para o dia todo, e faz o cérebro funcionar melhor.

Estou com a ligeira impressão de que é verdade. Vamos ver como fica daqui para a frente. 

Quem sabe eu possa voltar aos gramados (ou às quadras) e mostrar novamente todo o meu potencial, desta vez com a prova de tudo sendo filmado. 

Olheiros do mercado futebolístico (principalmente europeu) fiquem alertas. Uma surpresa vos aguarda.

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Valente até no nome


Minha avó paterna tinha o nome de Valentina Costa Pacheco.

Morava num belo casarão da rua 7 de Setembro, no centro de Vitória, objeto de postagem anterior (A Rua 7 de Setembro, em 13/04/11), casa esta construída pelo meu avô, Filogônio Pacheco.

Era uma pessoa que não tinha papas na língua. Baixinha, gordinha. Como tal, adorava se alimentar bem e muito (conta-se que chegou a comer 12 ovos de uma vez). Não admitia ser contrariada. Dona Valú, seu apelido carinhoso, fazia e acontecia. Tinha especial predileção por meu irmão, Guilherme, a quem chamava de "Príncipe", mas não negava seu colo farto a nenhum dos dez netos, entre homens e mulheres.

Criava um cachorro pequinês, a quem também dedicava grande afeição. Cheguei a presenciá-la dirigir um Fusca, de sua propriedade, no estilo "sai da frente". Morreu de câncer no pâncreas. A última vez que a vi com vida foi na janela do quarto do hospital onde estava internada, dando adeus para os familiares, principalmente as crianças, como era o meu caso, que não podiam entrar para visitá-la.

Lembrei-me dela esses dias por conta de um comentário de minha mãe. Disse-me ela que meu nome, Rodrigo, foi escolhido por minha avó Valentina. Aliás, segundo mamãe, ela não apresentou como opção, mas sim como determinação: "É esse e pronto. Assunto encerrado".

Morei uns tempos na casa dela. Na época fazia o científico (assim se chamava, então) à noite, no Colégio Salesiano, aquele da Avenida Vitória, e trabalhava durante o dia em A Gazeta. Meus pais e irmãos moravam em Camburi, na Rua Antônio Basílio, daí ficava mais fácil eu pernoitar na rua Sete.

Antes disso, porém, quando meu pai era Juiz de Direito em Alegre, no início da década de 70, fui diagnosticado com hepatite. O tratamento era (talvez ainda seja) repouso, repouso e repouso, com uma dieta magra e muito doce. Acharam por bem me mandar para Vitória, para garantir que seguiria todas as ordens médicas.

Valú, aconselhada não sei por quem, apareceu um dia com um pijama de flanela vermelha, dizendo que aquela cor era ideal para revigorar o fígado, um dos órgãos mais atingidos pela doença. Eis que, mesmo sob débeis protestos, passei praticamente três meses vestindo aquela roupa. E só ela. Que felicidade quando voltei para casa, livre não só da doença, mas também do humilhante pijama de flanela vermelha.

Não sei ao certo, mas parece que pegava um pouco no pé do meu avô, principalmente em assuntos financeiros, pois gostava de andar com a bolsa sempre recheada. Vovô Filó tinha até um versinho que dizia:

Tutu na mão da menina, são sempre palavras de ordem, nas cartas da Valentina"

Também não sei explicar de onde ela mandava essas cartas. Tinha, entretanto, um grande coração, sempre disposta a auxiliar as pessoas, principalmente as mais humildes. 

Enfim, era gente boa. 





sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Jornais impressos


Numa publicação anterior (bem anterior), datada de 27 de maio de 2011, intitulada Um jornal quase centenário, falei da minha experiência de trabalho no Alto Madeira, em Porto Velho/RO, onde cheguei como repórter e saí como editor-chefe.

Em abril de 2017, o periódico, já um tanto fraco das pernas, completou 100 anos de existência, graças à dedicação e empenho do seu diretor, Euro Tourinho, que também tem, salvo engano, mais de 90 anos, e o esforço de alguns abnegados jornalistas, como Lúcio Albuquerque e Ciro Pinheiro.

Na edição comemorativa do centenário, inclusive, fui convidado e escrevi um artigo falando da minha experiência naquela redação. Posteriormente, em 1º de outubro do mesmo ano, o Alto Madeira deixou de circular.

Me lembrei disso por causa da recente informação divulgada pela direção da Rede Gazeta que o jornal do grupo de comunicação, A Gazeta, onde também militei, a partir do próximo mês de setembro/19 deixará de ser diário, passando a circular tão somente semanalmente na versão impressa. Permanece todos os dias on line.

Outros jornais, menos ou mais famosos, também deixaram as bancas e existem, ou não, tão somente no mundo virtual. Mas falo desses dois porque fazem parte da história da minha vida, tanto pessoal quanto profissional.

O avanço tecnológico, em todos os campos da vida humana, é inevitável. Os próprios jornais passaram, ao longo dos anos, por muitas transformações, desde o linotipo, composição a frio, impressão colorida etc e tal. A era digital chegou para ficar, numa velocidade tal que fica difícil acompanhar tanta informação e assimilar tudo o que o cidadão tem disponível hoje em dia, com notícias sendo divulgadas praticamente em tempo real - em transmissões esportivas ao vivo, é claro, já é assim.

Mesmo assim, a meu ver, criou-se um paradoxo: enquanto poucos sabem tanto, muitos, que não tiveram acesso nem à tecnologia que está sendo superada, sabem pouco.

Explico: infelizmente, no nosso (será?) país, com mais de 200 milhões de habitantes, ainda existem, conforme dados oficiais do IBGE (pessoal, não estou querendo denegrir a imagem brasileira e nem sou traidor, ok?) aproximadamente, entre a população de 15 anos ou mais, 11 milhões de analfabetos.

Por óbvio, esses nunca leram um jornal, um livro ou uma revista. E quantos milhares de outros que sabem apenas assinar o nome? Ou que até escrevem e leem, mas não conseguem interpretar um texto? Ou seja, estão "pulando" etapa, e sem a informação impressa, a qual não entenderiam direito mesmo, são "bombardeados" com áudios e vídeos de coisas em tal quantidade que ficam somente no superficial do que ouvem e veem de imediato.

Para nós, que supostamente conseguimos compreender alguma coisa do mundo que nos rodeia, não é tão fácil se situar (para quem quer entender mesmo, e não ser só mais um boi tangido na manada do fazendeiro - vide Admirável Gado Novo, do Zé Ramalho). Por isso, que as fake news estão tendo tanto repercussão e passam por verdades. E nem adianta desmentir, porque caiu na boca do povo, já era.

Sentirei saudades da mídia impressa, se viver o suficiente para vê-la chegar ao fim totalmente. Afinal, para quem gostava de ficar até de madrugada na redação para sair de manhã cedo com o jornal do dia impresso debaixo do braço (que alegria ver um texto de minha autoria publicado) é um tanto tedioso ter que saber das coisas numa tela de computador ou num aparelho celular, que é usado atualmente para tudo, inclusive telefonar.

Fim de uma era. Sinais de novos tempos. Que sejam melhores.

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Rezadores (2)


Na postagem anterior falei/escrevi que atualmente os rezadores e as rezadeiras estão sumindo dos grandes centros urbanos. Mas dei com a língua nos dentes.

No dia 6 de agosto, a jornalista Juliana Sayuri publicou reportagem intitulada Rezadeiras de Florianópolis se modernizam e querem ser patrimônio cultural (visualização: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2019/08/06/patrimonio-nacional-as-rezadeiras-de-florianopolis.htm).

O texto faz um relato do trabalho da socióloga Tade-Ane Amorim, coordenadora do projeto "As benzedeiras de Florianópolis: inventariando saberes", que mapeou 16 benzedores ativos na capital catarinense, entre fevereiro de 2018 e janeiro de 2019. Informa ainda que o vereador Afrânio Boppré (Psol) apresentou projeto de lei para que as benzedeiras sejam reconhecidas como agentes de saúde popular, o que já acontece nas cidades de Rebouças e São José de Triunfo (PR).

Fiquei feliz com a novidade, pois significa que nossas raízes culturais estão sendo registradas e preservadas, e, principalmente, que esse tipo de trabalho social popular permanece vivo. Eu já fui em alguns rezadores em Porto Velho,  quando morava lá, sendo beneficiado.

Mais o mais, digamos assim, competente com quem tive contato até agora foi um senhor conhecido por Manga Rosa (ele tinha as faces rosadas), que morava em Barra do Garças - Mato Grosso. Estive lá, salvo engano, três vezes. O homem (no momento, não estou lembrando o nome de batismo dele) sabia aonde as andorinhas moravam.

Simples, como a maioria dos seus colegas, o curador maranhense (nascido em Codó) tinha uma história de vida vigorosa. Desde cedo demonstrou dons premonitórios, que desenvolveu ainda mais com os ensinamentos que lhe foram passados pela mãe. Durante muitos anos gerenciou garimpos de ouro, até que um dia resolveu deixar tudo para se dedicar exclusivamente à cura dos doentes que lhe procuravam.

Além da reza, Manga Rosa usava muitas plantas do cerrado mato-grossense, que conhecia como poucos. Fazia garrafadas onde colocava inúmeras ervas, tais como Unha Dura, Manacá, Cervejinha, Gozadeira e diversas outras. Dizia que nenhuma fazia mal, e que cada uma delas procurava seu lugar no organismo das pessoas.

Na cidade, acredito, provavelmente existem ainda muitas pessoas que foram curadas ou tiverem parentes salvos de algum mal, pois ele também, quando rezava, dava orientações e conselhos, tudo recebido dos "mensageiros" que falavam ao seu ouvido quando atendia no quarto pequeno e modesto da casa onde morava. Um ser do bem. A exemplo das benzedeiras de Florianópolis, Manga Rosa merece um estudo sociológico, que talvez até já tenha sido feito, mas, se existe, desconheço.

Uma vez, dois amigos meus foram visitá-lo. Um deles morava em Barra do Garças e estava levando o segundo. Na saída, aquele que residia na cidade comentou: "Manga Rosa é um bobo, não sabe de nada". No dia seguinte, a segunda pessoa, que iria retornar para seu domicílio, resolveu ir, dessa vez sozinho, até a casa do Manguinha, para se despedir, pois o rezador tinha lhe causado forte impressão. Chegando lá, ouviu: "Olha, diga para seu amigo que bobo é ele".

Sempre dizia que quem curava era Jesus e Nossa Senhora, santa de sua devoção. De outra feita, a família de uma mulher com eclâmpsia tirou-a do hospital, onde tinha dado à luz, autorizada por um dos médicos da equipe, que já conhecia a fama do curador, e levou-a até a casa do Manga Rosa. Ele examinou-a e disse que ia buscar a planta necessária para fazer a cura. Entrou na floresta e após algum tempo de busca localizou um pé de João Brandinho (Ottoniacorcovadensis), que até então não tinha usado, e conheceu que ali estava a solução. Levou folhas e raízes, fez um chá e deu para a paciente, que ficou boa. 

São todas essas coisas.




domingo, 4 de agosto de 2019

Rezadores



Apparício Torelly, mais conhecido pelo pseudônimo de Barão de Itararé, jornalista, escritor, político e poeta brasileiro falecido em 1971, tinha inúmeras frases lapidares. Uma delas diz assim: "Há qualquer coisa no ar, além dos aviões de carreira".

O dramaturgo inglês William Shakespeare, por sua vez, muito tempo antes, obviamente, cunhou a seguinte expressão: "Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia".

Fiz essa pequena introdução tão somente para adentrar ao tema dessa crônica já anunciado no título. Falar um pouco daquelas pessoas que têm o dom da oração, ou seja, que rezam para curar doentes ou afastar algum tipo de energia negativa.

São coisas que estão além da compreensão material padrão, ou mesmo científica tradicional, pois dizem respeito à fé, no acreditar naquilo que não se vê, que permeia o Universo e podem ser acessadas por quem tem o dom, o conhecimento inato ou aprendido.

Recentemente, segundo publicação da revista Pazes, o Dr. Andrew Newberg, diretor de pesquisa na Universidade Thomas Jefferson, na Pensilvânia, e autor do livro Why God Won’t Go Away (“Por que Deus não vai embora”, sem tradução em português), divulgou um estudo, com base em ressonâncias magnéticas do cérebro, mostrando que há poder na oração.

Newberg chegou à conclusão de que, independentemente da religião, a oração cria uma experiência neurológica de vínculo nas pessoas.  

Atualmente, nos grandes centros urbanos, isso não é tão difundido, havendo, até, alguns exageros e tantas promessas de benefícios não confirmados que as pessoas ficam descrentes.

Entretanto, nas cidades menores, onde a população, por assim dizer, tem que se virar sozinha, os rezadores são reconhecidos e possuem grande influência nas suas respectivas comunidades. Desde crianças com quebranto e mau olhado até adultos com ferida braba, erisipela e espinhela caída são tratados, e curados, com o poder da oração.

Um amigo meu, por exemplo, teve uma experiência interessante. Era menino, na cidade de Tarauacá, no interior do Acre, quando um fazendeiro chamou um rezador para resolver uma situação. Havia uma cobra que estava atacando o gado e já havia se alimentados de um ou dois animais. O rezador foi ao local, e circulou o campo onde a serpente tinha sido vista.

Em seguida, voltou ao centro do pasto e assobiou três vezes. De um ponto alagado saiu uma jiboia de razoável tamanho que rastejou até onde o rezador estava. Este, com uma precisão invejável, cuspiu na cabeça do ofídio, que se esticou todo e ali mesmo ficou, estirado e morto. 

Além disso, tem outro detalhe: o curador disse que todos os que estavam ali naquele momento tinham ficado curado de mordida de cobra. E o meu amigo, anos depois, quando estudava em Manaus, capital do Amazonas, ao fazer um trabalho de campo na área de sua formação acadêmica (Engenharia Florestal) foi picado por uma cobra. E não sentiu nada. Conforme dito pelo rezador, ele estava imune ao veneno.

Há também quem use esse tipo de ciência esotérica, mesmo que de forma empírica, para o mal. Conta-se  que existiu um ladrão chamado Zé Raimundo, que era protegido pelas orações de sua mãe. Fazia seus roubos e ficava impune, pois policial nenhum conseguia pegá-lo. 

Eis, porém, que um deles aprendeu que se usasse uma bala onde na ponta fosse desenhada com uma faca uma estrela de cinco pontas, Zé Raimundo ficaria desguarnecido, podendo, então, ser atingido. Assim ele fez, e assim aconteceu. Mas teve consequências: a mãe do meliante lançou um feitiço contra o matador do filho, que ficou cego. Testemunho de quem conheceu-o e ouviu este depoimento. 

Por isso, caros(as) leitores(as), por mais incompreensível que possa parecer, paremos ao menos um pouco para examinar todas essas coisas. O que a gente às vezes não entende, não quer dizer que seja irreal, pois, conforme dito alhures, tem muita coisa que é aparentemente inexplicável, mas apenas porque não conhecemos seus significados.

Por isso que Jesus, no seu estilo de falar por parábolas e de maneira simbólica, afirmou: "Porque em verdade vos afirmo que, se alguém disser a este monte: Ergue-te e lança-te no mar, e não duvidar no seu coração, mas crer que se fará o que diz, assim será com ele”.

Acreditemos.