terça-feira, 31 de maio de 2022

Cuidando da casa

 


        Meu inesquecível pai era um missivista de mão cheia. Ele não só escrevia como também respondia a todas as correspondências pessoais que lhe eram enviadas. E não demorava muito. Para tanto, tinha numa gaveta da mesa de seu escritório um monte de envelopes e uma quantidade de selos. Já chegava nos Correios com tudo pronto, naquela época em que não havia e-mails, zap ou mensagem de texto.

 

        Muito deste material, junto com outros documentos, foi entregue por minha mãe ao Arquivo Público, uma forma de garantir a preservação e permitir aos pesquisadores acesso a diversas informações históricas e de interesse público. Alguma coisa, porém, está sob a guarda da minha irmã mais velha. Era tudo manuscrito, pois o velho professor tinha predileção pela escrita manual.

 

        Outro dia ela chegou aqui em casa com uma carta dele, datada de 08/03/1971, enviada em resposta a uma outra mandada por minha mãe, que estava em Belo Horizonte, acompanhando minha irmã caçula num tratamento oftalmológico no famoso Hospital de Olhos Hilton Rocha. Morávamos em Colatina naquela época, onde ele exercia sua judicatura.

 

        É possível entender que minha mãe, na sua carta, manifestara alguma preocupação com a condição dos três outros filhos e a situação da casa. Meu pai explicou: “Os meninos vão bem, mas a gripe de Renata (a guardiã da carta) persiste. Estamos dando vitamina C, repouso e líquidos e vou levá-la ao médico pois Nezita (tia, irmã de mamãe) acha que ela está anêmica. Peço exames sábado. Levei-os a Vitória, trouxe Valu (avó paterna), comprei bolachinhas e frangos, tudo seguindo suas ordens”.

 

        Mais adiante: “Dizem os ‘fofoqueiros’ que como está tudo calmo aqui, Ana Lúcia (a que estava em BH) é que faz confusão. Não se preocupe com a Renata pois é gripe mesmo. Rodrigo (eu) e Guilherme (irmão gêmeo de Renata) nada mais têm nos olhos depois que passei terramicina”.

 

        Em seguida, informa: “Sexta iremos a Vitória. Rogério (irmão dele, dentista) colocou uma borrachinha que precisa tirar. Devemos voltar sábado à tarde. Talvez, se já estiver mais fácil você possa telefonar sábado de manhã – ou será que esta só vai chegar aí nesse dia?”

 

        E, num desabafo de quem não estava acostumado com a lida diária de zelar por uma residência e crianças, chega à seguinte conclusão: “Ser dono de casa é fogo!”

 

        Pura verdade.

segunda-feira, 23 de maio de 2022

Aprendizado

 


         É impressionante como a cada dia temos a oportunidade de assimilar alguma coisa nova nesta nossa jornada diuturna de crescimento moral, intelectual e espiritual, é claro para aqueles que têm esta busca interna do conhecimento.

 

         Diz a sabedoria popular (que muitas vezes surpreende com a profundidade dos seus ensinamentos) que nunca é tarde para aprender. Um cérebro limitado, que não é alimentado constantemente com informações dos mais diversos campos da produção intelectual humana, mesmo que superficiais, é como se fosse água estagnada, cheia de lodo e impurezas.

 

         Mas não é somente isso. Uma mente pode se manter ativa através de leituras, do estudo dos temas mais diversos e de relacionamentos e conversas com aqueles que possuem vivência maior do que a gente, o que, no meu caso, inclui multidões. Acredito que ninguém sabe de tudo e todos dominam alguma parcela, por menor que seja, de toda a sabedoria da humanidade acumulada ao longo de séculos e séculos.

 

         A transmissão oral ou escrita, e atualmente pelas nem sempre tão fidedignas mídias eletrônicas e redes sociais, passa de geração para geração o que é empírico e o que é científico, este último em constante evolução, preenchendo lacunas e abrindo campo para novos questionamentos. Não se sabe até que ponto é possível chegar, mas o objetivo, ao que parece, é alcançar o infinito, e além.

 

         Esses dias mesmo vi desabar uma convicção que tinha num determinado assunto, consolidado já por alguns anos, quando um jovem advogado me mostrou, com tanta certeza e clarividência, que nem tudo é sempre do mesmo jeito, carecendo de exame profundo as situações por mais corriqueiras e parecidas com outras anteriores que possam ser, especialmente no que diz respeito ao relacionamento entre pessoas.

 

         Tem horas que o desânimo quer tomar de conta, considerando o passar dos anos e o muito que ainda é necessário caminhar, sem contar o fraquejar físico da memória, que deixa escapar detalhes que antes afloravam com facilidade. Uma existência só não basta. Mas quem tem foco e objetivo não tem o direito de se permitir desistir.

 

A estrada é comprida, e só termina quando for cumprida. Ninguém sabe se será amanhã ou daqui a milênios. Mas, um dia, chegaremos lá. Com muita luta e sacrifício, mas prazerosamente. Somos eternos aprendizes, e não tem coisa melhor do que isso: aprender, aprender e aprender.

terça-feira, 17 de maio de 2022

Colunas

 


        Existem muitos tipos de colunas, a começar dos modelos clássicos gregos: dóricas, jônicas e coríntias. Os romanos, por sua vez, acrescentaram também as colunas toscanas e compósitas. A Bíblia cita o termo hebraico omenoth ou também misad (suporte).

 

Tecnicamente, “as colunas ou pilares ficam acima do solo e fazem parte da estrutura de concreto armado que dá sustentação a casa. Cada coluna é um bloco retangular ou cilíndrico feito de concreto armado dimensionado para suportar e distribuir o peso das vigas para as fundações” (www.construindocasas.com.br).

 

        Como se vê, têm importância fundamental para a segurança de qualquer edificação, mas quero registrar aqui meu protesto contra as colunas que engenheiros e/ou arquitetos colocam, quer me parece de forma proposital, nas garagens dos prédios atuais. São muito perigosas.

 

        Além do espaço diminuto para manobras, pois as ditas colunas tomam conta da maior parte da área útil, elas, muitas vezes, são dispostas de forma aleatória (claro, numa visão leiga), umas enviesadas e outras tão próximas que parecem especialmente espalhadas para testar a capacidade dos incautos motoristas.

 

        O impressionante é que aparentam, às vezes, que possuem vida própria, pois surgem enormes e assustadoramente no espelho retrovisor do carro, como se tivessem mudado de lugar naquele instante. As marcas dos arranhões na lataria, na frente, atrás e dos lados, são prova inconteste dessa batalha diária, silenciosa e escondida nos subsolos ou nos primeiros andares dos edifícios, dependendo do critério do construtor.

 

        Isso sem contar as engenhosas, para não dizer o contrário, rampas de acesso, que de tão íngremes e cheias de curvas parecem que serviram de modelos para os tobogãs dos parques aquáticos, ou vice-versa. E sempre esperando contar com a sorte para não encontrar com nenhum vizinho querendo sair quando você quer entrar. O espaço só dá para um veículo.

 

        Assim é a vida moderna, e seus prós e contras cotidianos. Mas o que é uma colunazinha numa garagem qualquer para quem convive com uma antiga escoliose lombar naquela que é a coluna mais importante de todas, a vertebral, nossa mais significativa estrutura óssea, que nos mantém em pé e em movimento, além de proteger os elementos neurais (nervos).

 

        Cuidemos, atentamente, pois, das nossas colunas, sejam de concreto ou de ossos. Muita atenção, porém, com a Quinta-coluna. Essa, decididamente, não presta.

sábado, 7 de maio de 2022

Casinha

 


        Dizem, e é uma certeza, que do mundo nada se leva, por isso Jesus, no Sermão da Montanha, ensina: “Não ajunteis para vós tesouros na Terra, onde a ferrugem e as traças corroem, onde os ladrões furtam e roubam. Ajuntai para vós tesouros no céu, onde não os consomem nem as traças nem a ferrugem, e os ladrões não furtam nem roubam. Porque onde está o teu tesouro, lá também está teu coração” (Mateus, 6-19).

 

        Não tenho, até aqui, uma relação, ainda, das mais profícuas com o vil metal, que, conforme é sabido, atualmente é absolutamente indispensável para quem almeja uma vida com um mínimo de conforto ou segurança. Talvez por isso, amealhei, desde que iniciei minha jornada laboral em 1972, ou seja, 50 anos, um único bem material: uma casa num conjunto habitacional.

 

         Pequena e modesta, sempre atendeu a mim e à minha família, inclusive os bichinhos de estimação que por lá passaram. Residimos nela de 1986 a 2019, fazendo aqui e acolá uma reforminha, um puxadinho, uma pinturazinha. Alugada desde então, está agora, por força da necessidade, à venda.

 

        Lembranças vêm à memória dos bons momentos vivenciados entre aquelas quatro paredes, onde filhas cresceram, amigos foram amparados e visitantes receberam acolhida. A sólida construção de tijolos e cimento nos concedeu sombra, quando o calor solar se fazia presente do lado de fora, e nos manteve secos e aquecidos ao abrigo de chuvas e ventos. Fomos felizes.

 

        O medo e a insegurança em relação ao futuro, nesta nossa hodierna sociedade tecnológica, fazem com que o acúmulo de capital seja um dos objetivos primeiros de homens e mulheres, mormente quando inexiste confiança no amparo estatal. Impossível desconhecer isso. Até almejo ter mais dinheiro também, garantia de despreocupação com a quitação das contas no final de cada mês.

 

        Mas a confiança no porvir faz parte do mesmo ensinamento cristão visto alhures: “Por isso vos digo: Não estejais ansiosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer, ou pelo que haveis de beber; nem, quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestuário? Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem ceifam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não valeis vós muito mais do que elas? Qual de vós, por mais que se esforce, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida? E pelo que haveis de vestir, por que andais ansiosos? Olhai para os lírios do campo, como crescem; não trabalham nem fiam; contudo vos digo que nem mesmo Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles. Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé? Portanto, não vos inquieteis, dizendo: Que havemos de comer? ou: Que havemos de beber? ou: Com que nos havemos de vestir? (Pois a todas estas coisas os gentios procuram.) Porque vosso Pai celestial sabe que precisais de tudo isso. Buscai, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas de acréscimo. Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã; porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. A cada dia basta o seu cuidado” (Mateus, 6-25).

 

        Deus há de prover. Assim seja!