Meu inesquecível
pai era um missivista de mão cheia. Ele não só escrevia como também respondia a
todas as correspondências pessoais que lhe eram enviadas. E não demorava muito.
Para tanto, tinha numa gaveta da mesa de seu escritório um monte de envelopes e
uma quantidade de selos. Já chegava nos Correios com tudo pronto, naquela época
em que não havia e-mails, zap ou mensagem de texto.
Muito
deste material, junto com outros documentos, foi entregue por minha mãe ao Arquivo Público, uma forma de
garantir a preservação e permitir aos pesquisadores acesso a diversas
informações históricas e de interesse público. Alguma coisa, porém, está sob a
guarda da minha irmã mais velha. Era tudo manuscrito, pois o velho professor tinha predileção
pela escrita manual.
Outro
dia ela chegou aqui em casa com uma carta dele, datada de 08/03/1971, enviada em
resposta a uma outra mandada por minha mãe, que estava em Belo Horizonte,
acompanhando minha irmã caçula num tratamento oftalmológico no famoso Hospital
de Olhos Hilton Rocha. Morávamos em Colatina naquela época, onde ele exercia
sua judicatura.
É possível entender que minha mãe, na sua carta, manifestara alguma preocupação com a condição dos três outros filhos e a situação da casa. Meu pai explicou: “Os meninos vão bem, mas a gripe de Renata (a guardiã da carta) persiste. Estamos dando vitamina C, repouso e líquidos e vou levá-la ao médico pois Nezita (tia, irmã de mamãe) acha que ela está anêmica. Peço exames sábado. Levei-os a Vitória, trouxe Valu (avó paterna), comprei bolachinhas e frangos, tudo seguindo suas ordens”.
Mais
adiante: “Dizem os ‘fofoqueiros’ que como está tudo calmo aqui, Ana Lúcia (a
que estava em BH) é que faz confusão. Não se preocupe com a Renata pois é gripe mesmo. Rodrigo (eu) e Guilherme (irmão
gêmeo de Renata) nada mais têm nos olhos depois que passei terramicina”.
Em seguida,
informa: “Sexta iremos a Vitória. Rogério (irmão dele, dentista) colocou
uma borrachinha que precisa tirar. Devemos voltar sábado à tarde. Talvez, se já
estiver mais fácil você possa telefonar sábado de manhã – ou será que esta só
vai chegar aí nesse dia?”
E,
num desabafo de quem não estava acostumado com a lida diária de zelar por uma
residência e crianças, chega à seguinte conclusão: “Ser dono de casa é fogo!”
Pura verdade.