quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Insônia

 


Os primeiro fulgores da claridade solar anunciando o novo dia que se avizinhava adentravam através da varanda e ofuscavam meus olhos entorpecidos de sono, enquanto o corpo jogado no sofá buscava forças para sair da inércia causada por mais uma noite sem dormir.

 

Dizem que velhos dormem pouco, mas acho que ainda não estou nessa fase, apesar das opiniões em sentido contrário. Talvez tenha dormido demais em tempos outros, quando a vida me era mais leve e não tinha nada com que me preocupar. Afinal, casa, comida e roupa lavada é o sonho de consumo de muita gente.

 

Tem aquela conversa popular do “sono dos justos” e das pessoas que colocam a cabeça no travesseiro e dormem imediatamente, pois teriam a consciência tranquila. Não digo que sim e nem que não, mas se for desse jeito mesmo fico pensando, por exemplo, naqueles bandidos cruéis que matam a sangue frio. Provavelmente devem ficar 24 horas ligados, ou são tão insensíveis que fazem ou que fazem sem nenhum remorso. Porém, devem ter uns pesadelos tenebrosos.

 

Mas, deixando de tergiversar, voltemos à vaca fria: tem dias que fico madrugada adentro procurando o que fazer, zapeando os canais na televisão ou folheando livros já lidos e relidos e mesmo assim, principalmente nesta época do ano, quando antes de 5 horas da manhã o sol já desponta no horizonte, não consigo ficar na cama muito tempo, mesmo que levante com o “tico e teco” ainda sem muita conexão ou sinapses cerebrais.

 

Serei alguém que carrega o peso do mundo nas costas? Que se preocupa demais com tudo e com todos? Pobre ilusão de achar que tenho essa capacidade, pois o fardo que nos cabe é individual, sabendo, entretanto, que nos cabe auxiliar quem não estiver aguentando a carga, para que também possamos ser auxiliados em algum momento que nos verguemos com as agruras terrenas.

 

Enfim, enquanto as horas fazem seu trajeto através dos ponteiros do relógio, fico imaginando que umas sete ou oito horas de sono ininterruptas poderiam me deixar mais satisfeito. Compartilho um pouco com a tese de que ou se acorda cedo ou se acorda de bom humor. Os dois juntos não dá. Uma certeza, contudo, hoje eu tenho: depois do almoço, vai rolar uma soneca. Afinal, ninguém é de ferro.

 

Bons sonhos para todos.

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Um dia na cidade

 


Sob o sol escaldante de um tórrido e inusitado mês de novembro, o trabalhador cumpria diligentemente a sua tarefa: refazer a pintura das vagas de estacionamento em frente a uma loja de tintas.

 

O trabalho não era dos mais difíceis, considerando a sua experiência de longos anos naquela atividade profissional, mas o calor desproporcional causava um desgaste inesperado. Mesmo assim, suando em bicas, persistia, pois contava com aquela parca remuneração para levar o sustento para casa, onde lhe esperavam a mulher e três barrigudinhos.

 

Nas proximidades do meio-dia estava quase tudo pronto. Para garantir a incolumidade do local enquanto os corantes aplicados secavam, colocou em frente às vagas (eram quatro) uma lata de tinta cheia, amarrando nelas uma vassoura, à guisa de espantalho improvisado. Acreditando que a segurança estava garantida, buscou uma sombra para beber um pouco de água e aguardar o dono do serviço, já sentindo o dinheiro dentro de seu bolso.

 

Enquanto isso, ao volante de seu carro, como fazia regularmente de segunda a sexta-feira, aquela dona de casa cumpria sua rotina familiar: buscar as crianças na escola e, em seguida, apanhar o maridão no trabalho para o almoço de todos no lar doce lar. Atendida a primeira parte, dirigiu-se rapidamente ao segundo endereço, preocupada em não se atrasar.

 

Sem medo de ser feliz, fez a curva e entrou na rua, embicando o automóvel para parar justamente em frente à loja de tintas, localizada ao lado do prédio onde fica a empresa que garante ao esposo seu ganha-pão. Percebeu que a vaga estava desocupada e entrou com tudo. Numa fração de segundos, ouviu um estrondo, percebeu algo colorido no ar e, em seguida, um homem aos gritos batendo no vidro do veículo.

 

Assustada, ligou para o celular do marido pedindo socorro, ainda sem entender o motivo de aquele cidadão dizer que havia estragado o seu dia de trabalho e quem iria pagar o serviço dele agora. Abriu a porta e saiu, caindo, então, em si. Tinha acertado uma das latas colocadas em frente às vagas e espalhado uma bonita tinta de cor vermelha brilhante sobre todo o piso recentemente pintado de cinza, preto e amarelo.

 

Para acalmar os ânimos, o jeito foi desembolsar 100 reais para o pintor transtornado, a título de diária, se explicar com o proprietário da loja, que graciosamente não fez questão de receber pela lata de tinta estourada, e voltar para casa só pensando em se deitar e esquecer do mundo.

 

O para-choque do carro, ainda bem, não amassou, mas o pneu dianteiro do lado direito roda agora coberto por um tom de vermelho vivo inédito para esse tipo de acessório. Já teve até quem perguntasse onde comprar um igual.

terça-feira, 14 de novembro de 2023

Amigos

 


Já escrevi aqui tempos atrás que não tenho amigos de infância, porque por conta das muitas mudanças de cidades, em face da profissão do meu pai, não tive tempo de criar vínculos com colegas de escola ou filhos de vizinhos.

 

Entretanto, isso não impediu que fomentasse amizades com pessoas com quem trabalhei e, principalmente, com irmãos e irmãs de fé. Estive em Brasília, no final de semana passado, para um desses momentos especiais, em comemoração aos 20 anos de um acontecimento ocorrido na religião que frequento.

 

Cabe aqui um parêntese para destacar que tenho três irmãos e, apesar da distância física (cada um mora num lugar diferente), ocasionada, até, pelos 34 anos em que morei no norte do país, hoje em dia me sinto emocionalmente bem próximo deles e considero-os todos meus amigos.

 

Voltando, então, ao mote dessa modesta crônica. Reencontrei, na Capital Federal, uma galera querida, alguns que não via tinha uns dez ou 15 anos, cada um com sua história de vida, sua caminhada, modificados fisicamente pelo tempo decorrido, mas sem que esse afastamento temporal alterasse o sentimento de união, o sorriso aberto e o abraço caloroso.

 

A vida, sabemos, não é brincadeira, e nem sempre nos sentimos fortes o suficiente para enfrentar os dissabores ocasionados por nós mesmos ou por acontecimento fortuitos os quais, muitas vezes, escapam de nosso controle.

 

Mas quando a gente se sente amparado e vê que no turbilhão que é a existência existem aqueles que têm um só pensamento e um só coração, a paz cobre nosso ser. É um bálsamo que cura qualquer mágoa ou ressentimento. É uma renovação de esperança no futuro da humanidade; Cada um construindo dentro de si um castelo de amor, haveremos de alcançar um jeito de fazer um paraíso aqui mesmo na Terra.

 

A carga energética recebida quando se vive esse tipo de experiência tem, sem dúvida, origem divina. Flui das forças universais do bem que cobrem todo o planeta e além. É uma ligação tão profunda que não se apaga por nada, nem com o tempo decorrido e nem com a distância corporal. Mácula nenhuma atinge esse sentimento, que parece se fortalecer na ausência para desabrochar na presença.

 

Sou eternamente grato a Deus pela família que tenho e pelos amigos que a vida me deu. Cativar e cultivar é o que me cabe. Espero conseguir.

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Aposentadoria

 


Não sei quando o ato concessivo será publicado no Diário Oficial da União, mas só por ter protocolado hoje requerimento solicitando minha aposentadoria voluntária por tempo de serviço o dia já ficou diferente. Trabalho formalmente desde os 14/15 anos de idade, e são exatos, conforme consta nos meus assentamentos funcionais, 17.876 dias ou 48 anos, 11 meses e 26 dias. Acho que está bom.

 

Derivada do latim, aposentadoria é uma palavra que vem de pausare, cujo significado é “parar para descansar”. No meu caso, com certeza irei descansar de alguma coisa, tipo horários, chefias, reuniões, mas não de tudo, pois beirando os 70 me sinto capaz de continuar produzindo e laborando de outras maneiras, com saúde e mente ativa. Estou idoso, mas não incapaz.

 

Hoje em dia, não só no Brasil mas em outros países também, discute-se muito sobre o sistema previdenciário, se ele é justo ou não, suas desigualdades e formas de viabilizar a efetividade e continuidade, considerando que a população está envelhecendo e cada vez mais pessoas irão deixar o mercado de trabalho, apesar de muitas precisarem de alternativas ocupacionais por necessidade de sobrevivência.

 

Comecei em empresas particulares e estou saindo pelo serviço público federal. Já comandei e fui comandado, mas sempre procurei dar o melhor de mim, limitado pela minha própria capacidade e conhecimento. Desde jovem só me via sendo uma coisa: repórter. Labutei em redações por mais de 20 anos, e gostava muito. Premido pela busca por estabilidade e benefícios melhores (plano de saúde, por exemplo) ingressei, mediante concurso, na esfera do Poder Judiciário, de onde agora estou me despedindo.

 

Fiz amigos. Acredito que não tenho inimigos, mas um ou outro desafeto é bem provável. Não me considero um servidor público “abelha” (aquele que vive voando ou fazendo cera), mas os critérios de avaliação mudam de pessoa para pessoa e o que para mim pode parecer uma produtividade no mínimo razoável, para outro pode deixar a desejar. Com certeza, alguma coisa eu poderia ter feito melhor. Porém, nada disso importa mais.

 

Quando passei para o teletrabalho, em 2018 (antes da pandemia, portanto), fui agraciado com uma festinha de despedida pelos colegas que iriam continuar na rotina presencial, e a magistrada a quem assessorava me deu um pijama de presente (e fez questão que mostrasse para todos). Cinco anos depois, eis me aqui encerrando mais essa fase da minha vida, e, ao mesmo tempo, brevemente iniciando uma nova jornada, que, rogo a Deus, possa ser frutífera e benéfica para mim, meus familiares, amigos e irmãos de fé.

 

Heráclito de Efeso, um dos muitos pensadores gregos, dizia que “a única constante é a mudança”. De tempos em tempos as coisas se transformam. As Escrituras Sagradas registram a frase que “diante de ti pus uma porta aberta, e ninguém a pode fechar” (Apocalipse, 3.7,8).

 

Sendo assim, sigo em frente, na esperança e certeza de que a mão divina tudo proverá.