Estou me tornando fã de carteirinha da
Fernanda Torres, que dispensa apresentações.
Ela assina uma coluna semanal na Folha
de São Paulo, que só passei a dar atenção de uns três meses para cá. Seus
textos primam pelo brilhantismo. São claros, lúcidos e objetivos. Vão direto ao
ponto, sem maiores delongas. Expõem a ferida sem dó e nem piedade, mas apontam
rumos e soluções, embasados no seu amplo conhecimento histórico, político e
cultural desse projeto de nação chamado Brasil.
(Parêntesis: gostaria muito que fosse
publicada uma coletânea de trabalhos anteriores)
Sua obra-prima mais recente
veio à luz neste domingo outonal em que maio passa o bastão para junho. O artigo,
intitulado “A monstruosidade impera travestida de decência”, é um desabafo
contra a seguinte constatação: “Aos poucos, o Brasil vai sendo tragado por
Olavo, Havan, centrão e fake news”.
A ora
articulista lembra, então, de Millôr Fernandes e de Rubem Braga, este último
meu conterrâneo capixaba, a quem conheci em uma sua de suas visitas ao Espírito
Santo, apresentado por meu pai. Ela faz uma analogia aos tempos atuais em
relação ao fato de que aqueles dois ícones culturais, em épocas idas,
cumprimentavam-se diariamente, pois do prédio onde morava o primeiro, no Rio de
Janeiro, era possível avistar a cobertura do segundo, quarteirões adiante, mas a
especulação imobiliária acabou cobrindo de cimento, vidro e vergalhões os
olhares mútuos.
Finalmente,
numa conclusão contundente, afirma: “Eu também gostaria de escrever uma
crônica, mas diante dos acontecimentos, o que resta é a inutilidade da análise.
Os brioches da Maria Antonieta. Nos vemos na guilhotina”. Coincidentemente, no
mesmo dia, é divulgada uma nota interna do ministro Celso de Mello, decano do
Supremo Tribunal Federal, dirigida aos seus pares de toga, em que o jurista
compara o país à Alemanha nazista e diz que bolsonaristas querem ditadura.
Bem, que a coisa está um tanto descontrolada
até as pedras das ruas sabem. A atual pandemia
médica-política-ética-moral-econômica-social é inédita desde os primórdios
cabralinos. Deus me livre e guarde de ter que vivenciar novamente um regime
totalitário, seja de direita ou de esquerda. Mas a falta de referência não
mostra um horizonte muito claro. Em quem confiar? Trocar o titular pelo reserva
seria o mesmo que seis por meia dúzia? E temos alguma outra opção ilibada?
O Projeto Brasil, infelizmente,
precisa ser reformulado em sua totalidade. Começar do zero. Gerações e gerações
se perderam, sem escolas, saúde ou empregos. Milhões de marginalizados esperam
uma solução que depende deles mesmos. Um amigo meu chegou à seguinte constatação:
os problemas do Brasil são três – Executivo, Legislativo e Judiciário.
As
autoridades constituídas apontam os erros de uns e outros, mas não reconhecem
suas próprias falhas e nem se mostram dispostas a fazer aquilo que é inerente à
condição humana: conversar. Conversar à exaustão. Afinal, todas dizem que têm
tão somente um único interesse: o melhor para o povo. Está na hora de esse
objetivo ser colocado em prática.
Enquanto
isso, Fernanda Torres, vamos em frente, e continue nos brindando com suas
pérolas e comparações incríveis – “em íntima distância”; “os magistrados
corrompam o seu excelentíssimo português”; “caixotes de cimento horrendo”.
Seus
leitores agradecem.