domingo, 31 de maio de 2020

Fernanda, a Torres


        Estou me tornando fã de carteirinha da Fernanda Torres, que dispensa apresentações.

          Ela assina uma coluna semanal na Folha de São Paulo, que só passei a dar atenção de uns três meses para cá. Seus textos primam pelo brilhantismo. São claros, lúcidos e objetivos. Vão direto ao ponto, sem maiores delongas. Expõem a ferida sem dó e nem piedade, mas apontam rumos e soluções, embasados no seu amplo conhecimento histórico, político e cultural desse projeto de nação chamado Brasil.

          (Parêntesis: gostaria muito que fosse publicada uma coletânea de trabalhos anteriores)

          Sua obra-prima mais recente veio à luz neste domingo outonal em que maio passa o bastão para junho. O artigo, intitulado “A monstruosidade impera travestida de decência”, é um desabafo contra a seguinte constatação: “Aos poucos, o Brasil vai sendo tragado por Olavo, Havan, centrão e fake news”.

          A ora articulista lembra, então, de Millôr Fernandes e de Rubem Braga, este último meu conterrâneo capixaba, a quem conheci em uma sua de suas visitas ao Espírito Santo, apresentado por meu pai. Ela faz uma analogia aos tempos atuais em relação ao fato de que aqueles dois ícones culturais, em épocas idas, cumprimentavam-se diariamente, pois do prédio onde morava o primeiro, no Rio de Janeiro, era possível avistar a cobertura do segundo, quarteirões adiante, mas a especulação imobiliária acabou cobrindo de cimento, vidro e vergalhões os olhares mútuos.

           Finalmente, numa conclusão contundente, afirma:Eu também gostaria de escrever uma crônica, mas diante dos acontecimentos, o que resta é a inutilidade da análise. Os brioches da Maria Antonieta. Nos vemos na guilhotina”. Coincidentemente, no mesmo dia, é divulgada uma nota interna do ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, dirigida aos seus pares de toga, em que o jurista compara o país à Alemanha nazista e diz que bolsonaristas querem ditadura.
          
Bem, que a coisa está um tanto descontrolada até as pedras das ruas sabem. A atual pandemia médica-política-ética-moral-econômica-social é inédita desde os primórdios cabralinos. Deus me livre e guarde de ter que vivenciar novamente um regime totalitário, seja de direita ou de esquerda. Mas a falta de referência não mostra um horizonte muito claro. Em quem confiar? Trocar o titular pelo reserva seria o mesmo que seis por meia dúzia? E temos alguma outra opção ilibada?

          O Projeto Brasil, infelizmente, precisa ser reformulado em sua totalidade. Começar do zero. Gerações e gerações se perderam, sem escolas, saúde ou empregos. Milhões de marginalizados esperam uma solução que depende deles mesmos. Um amigo meu chegou à seguinte constatação: os problemas do Brasil são três – Executivo, Legislativo e Judiciário.

As autoridades constituídas apontam os erros de uns e outros, mas não reconhecem suas próprias falhas e nem se mostram dispostas a fazer aquilo que é inerente à condição humana: conversar. Conversar à exaustão. Afinal, todas dizem que têm tão somente um único interesse: o melhor para o povo. Está na hora de esse objetivo ser colocado em prática.

Enquanto isso, Fernanda Torres, vamos em frente, e continue nos brindando com suas pérolas e comparações incríveis – “em íntima distância”; “os magistrados corrompam o seu excelentíssimo português”; “caixotes de cimento horrendo”.

Seus leitores agradecem.
         

 



sábado, 30 de maio de 2020

O "olhão"




          Um amigo meu, versado em tecnologia da informação, andou me atualizando sobre alguma das diversas coisas que acontecem no mundo tecnológico, atualmente, e em relação as quais não tenho acesso, a uma por desinteresse natural, a duas porque esse universo binário mecânico me parece um tanto complicado, em sua essência, apesar, como já disse anteriormente, numa crônica anterior, de reconhecer as suas muitas utilidades práticas.

          Enfim, já existe em países do hemisfério norte tecnologia suficiente para a pessoa, de dentro do próprio carro, quando sair do trabalho, por exemplo, dar um comando para que, em sua casa, as luzes se acendam ou o forno ligue e fique aquecendo, ou a televisão acesse determinado canal.

          Achei deveras interessante, mas, ao mesmo tempo, preocupante, um esquema de vendas de determinada loja virtual que garante, em algumas cidades dos Estados Unidos, a entrega do produto adquirido até uma hora após a finalização do pagamento.

          Tudo porque a empresa possui um algoritmo que, com base nas informações anteriores de acesso do eventual comprador em toda a internet, sabe suas preferências, itens mais pesquisados, cores prediletas e outros itens complementares, e tem condição de, digamos, “adivinhar”, qual o produto será adquirido daquela vez, com margem de acerto de 80%, que me parece um índice bastante razoável.

          Ao mesmo tempo que tudo isso, e outras coisas mais, está facilitando enormemente a vida das pessoas, pelo menos parte delas, pois ainda existem milhões que não têm nem água potável em casa (mas aí são outros quinhentos), o avanço da dita inteligência artificial, conforme afirmado alhures, me causa preocupação.

          Muitos visionários profetizaram a vitória da máquina sobre o ser humano. Me recuso a acreditar nisso. Mas quer me parecer que é grande a possibilidade de homens dominarem outros homens com a utilização de equipamentos de controle social. É cediço que informação é poder – talvez, por isso, vocês sabem quem esperneia tanto para saber de tudo o que acontece ao seu redor.

          Imagino, hoje em dia, que as grandes corporações mundiais possam, efetivamente, acumular milhares de dados sobre cada ser humano, até porque satélites que circundam o planeta possuem capacidade de visualizar um alfinete no chão de uma rua em qualquer continente.

Nossa privacidade está tendo seu espaço reduzido, e não seria surpresa, num regime ditatorial, por exemplo, que o cidadão nem precisasse ser confinado numa cela; bastaria um chip introduzido por baixo da pele e algumas câmeras na sala, no quarto e na cozinha e pronto: 24 horas de monitoramento. Como se fosse o BBB saindo da televisão para a vida real.

Espero que se criem mecanismos de controle, pois, caso contrário, haverá um “olhão” acompanhando nossos passos até em momentos de necessidades fisiológicas ou encontros íntimos.

É o voyeurismo chegando às últimas consequências. Lamentável.

                     

         

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Momento de perseverar




          Eis que a nau dos insensatos instalada no Planalto Central continua sua trajetória de rumo incerto e desconhecido. A cada revelação, o povo brasileiro é surpreendido com absurdos tais que chegam a ser quase inacreditáveis. Me perdoem os que entendem de maneira diferente, mas parece que é preciso colocar um mínimo de ordem na bagunça generalizada que se vê à distância.

          Faz tempo que eu me distanciei de rótulos políticos – esquerda, direita, centro, neo isso, neo aquilo. Acredito que qualquer governo, não importa se federal, estadual ou municipal, que faça o que tem que ser feito, quer dizer, aquilo que seja efetivamente praticado em prol do benefício comum, na saúde, na economia, no social e mais outros campos administrativos, merece meu apoio e respeito, independentemente do nome que se dê ao seu posicionamento partidário.

          Por natureza, tenho uma tendência a ficar ao lado dos menos favorecidos, mas não cegamente ou por achar que rico não presta. Tem gente boa em todas as camadas sociais, como também tem quem não preste em cima e embaixo, considerando que esses são conceitos passíveis de interpretações individuais.

          Porém, em tempos cibernéticos, nos quais o mundo está ao alcance de um dedo, venho firmando a seguinte convicção: cada um tem que ser seu próprio líder. Cada um tem que saber o que é melhor para si. Cada uma pessoa precisa ter consciência do que é certo e do que é errado, do que é ético e do que não é. A transformação para melhor não pode ficar na dependência de alguém que surge do nada supostamente como um salvador da Pátria.

          Eu preciso fazer minha parte. Meu vizinho precisa fazer a parte dele. Todos juntos precisam buscar esse objetivo comum. Dividir nunca foi a melhor opção para progredir. O diálogo permanente conduz ao consenso. Não existem amigos ou inimigos desse ponto de vista. Existem irmãos. Chega de confrontos. Não percamos mais tempo, pois o tempo urge e está a exigir de nós que ampliemos nossa compreensão.

          Difícil? Sem dúvida, mas imprescindível, pois estamos no mesmo barco e depois que ele afundar talvez não exista bote salva-vidas para todos.

          Rogo a Deus que essas provações passem logo, e que dias melhores se instalem em nossas vidas.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

O cordão de ouro


O cordão de ouro

          Foi bem ali na calçada em frente às Casas Pernambucanas, naquele local em que os camelôs colocavam as suas bancas.

          Eu tinha ido com meu atual marido comprar um travesseiro. Na saída da loja, deu vontade de olhar as banquinhas, aquelas que vendem produtos vindos de Manaus, tipo relógios, lanternas, carregadores de celular e outras bugigangas.

          Numa fração de segundos, a gente se reconheceu. O rapaz que vendia as coisas era meu menino, que tinha saído de casa uns cinco anos atrás, mal fizera 18 anos. Ele não se dava com o padrasto, com quem tinha me juntado depois que o pai desse meu filho único morreu assassinado numa currutela de garimpo. Nós tínhamos uma vida boa, não faltava nada, escola, comida, tudo direitinho, mas o menino não aceitava a morte do pai, e muito menos que eu tivesse arrumado outro homem.

          A gente ficou se olhando, sem saber o que dizer. Mas o padrasto, que era meio ignorante, foi logo perguntando pelo cordão de ouro que ele tinha levado quando saiu de casa. Tinha sido um presente do meu falecido marido. Um cordão grande, de ouro do rio Madeira, que eu nem usava. Achava muito pesado, e feio. Mas acho que valia algum dinheiro, porque meu filho levou com ele quando fugiu, da noite pro dia, sem aviso.

          O garoto era daqueles que não admitia desaforo, e respondeu que não tinha satisfação para dar. Mas o padrasto insistiu, queria que meu filho pagasse pelo cordão, nem que fosse com o valor de alguma mercadoria. Eu dizia: “Deixa pra lá, vamos embora”. O garoto respondia que não ia pagar nada, que o cordão era dele, tinha sido comprado pelo pai legítimo. Os dois ficaram se encarando, naquela discussão, um teimando com o outro, meu filho sendo chamado de “ladrão”. Então, eles começaram a se empurrar, as pessoas olhando, alguém gritou “chame a Polícia”, a banquinha foi derrubada e as mercadorias ficaram espalhadas no chão.

          Não sei como começou, quem agrediu quem primeiro. Foi tudo muito rápido. De repente, um puxou uma faca, mas o outro tinha um revólver. Quando me dei conta, meu menino, que eu não via há tanto tempo, estava caído, na sarjeta, ensanguentado, olhando para o infinito com os olhos arregalados, como se visse tudo e ao mesmo tempo não visse nada.

No peito, entre os botões da camisa rasgada, além de uma enorme mancha vermelha, estava lá o cordão de ouro da discórdia. Ele tinha roubado, mas não vendeu. Guardou, esse tempo todo.

          Foi assim, “seu” Delegado, que tudo aconteceu.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

Quebrando promessa




          Eu tinha prometido a mim mesmo que não voltaria a este assunto, mas os acontecimentos dos últimos dias me forçam a escrever novamente sobre o tema mais polêmico do momento: o coronavírus, suas formas de tratamento e jeito de evitá-lo.

          O Sr. Nelson Teich nem esquentou a cadeira no Ministério da Saúde e já jogou a toalha, imprensado que foi pelo chefe para liberar o isolamento social e autorizar, oficialmente, o uso da cloroquina como protocolo governamental para tratamento da covid-19.

          Obviamente, qualquer ser minimamente pensante já percebeu, faz tempo, que as autoridades brasileiras, principalmente as mais importantes, estão fazendo dessa situação um meio de angariar cacife político que possa ser usado como moeda de troca na eleição presidencial de 2022. Incrível, né mesmo?! Gente morrendo e os ditos líderes nacionais trocando ofensas pelas redes sociais.

          Alguns outros menos cotados, que ocupam cargos medianos, fazem da pandemia um meio de driblar as regras de licitações e, se aproveitando das normas excepcionais já autorizadas, estão contratando obras e fazendo compras de suprimentos com apaniguados e conseguindo, digamos, um “agrado”.

Esses dias, um amigo meu, que estava em casa cumprindo a quarentena, foi chamado para limpar a mesa porque o órgão público de sua lotação, repentinamente, estava iniciando uma reforma total do prédio onde está sediado. Coisa absolutamente necessária, imagina-se.

          E o lockdown? Palavrinha do idioma inglês que entrou no cotidiano dos trópicos. Dizem que tem gente pensando até em batizar o filho com esse nome. Pura maldade, se é que a maldade pode ser pura. Quer dizer: depois de mais de dois meses de bloqueio parcial, apesar das manifestações em contrário, não se sabe se espontâneas ou fabricadas, alguns lugares implantam o fechamento total de ruas e comércio. No Brasil, porém, isso parece ficção ou fantasia: no primeiro dia da medida em Belém do Pará, noticiou-se que o Mercado do Ver-O-Peso estava lotado. É para rir ou chorar?

          Finalmente, chegamos à cloroquina, que “é um medicamento usado no tratamento e profilaxia de malária em regiões onde a malária é susceptível ao seu efeito. Em alguns tipos de malária, estirpes resistentes e casos complicados geralmente é necessário administrar outros medicamentos” (Wikipédia). Atualmente, o debate gira em torno de sua eficácia no tratamento e cura do vírus pandêmico.

          Enquanto uns dizem que o fármaco é a panaceia tão esperada, os mais comedidos alegam a inexistência de testes científicos conclusivos. Lá em Porto Velho, onde morei 34 anos e tenho inúmeros amigos(as), me dizem que a quina-quina, vendida por raizeiros, está sendo usada regularmente como preventivo do coronavírus. Se funciona para esse caso específico, não sei, mas, por experiência própria, digo assim: não duvidem da eficiência dos fitoterápicos.

          Dessa maneira, enquanto os homens exercem seus podres poderes, como diria Caetano Veloso, os pobres mortais (e bota mortal nisso) correm atrás do prejuízo, na base do cada um por si e Deus por todos. Aliás, a esta altura do campeonato, acho que o melhor é isso mesmo: liberar geral. Quem quiser ficar em casa, fica. Quem quiser sair, pode sair. Quem quiser ingerir cloroquina, que o faça. Em um mês, ou menos, saberemos quem tem/tinha razão.

          Se sobrar alguém.


sábado, 9 de maio de 2020

Melancolia




          O vento sul assobia entre as brechas da janela anunciando a chegada do frio.

          No horizonte, além da linha do mar, o céu cinza faz o dia parecer ainda mais triste.

          Muitas pequenas nuvens agrupam-se misturando as de tons claros com aquelas mais escuras.

          Sábado de quarentena. Dois meses de isolamento social. Nada a fazer, a não ser esperar.

          Provavelmente vai chover. Quem sabe as águas outonais possam lavar meus dissabores, afastar meus temores e levar embora minhas dores? Quem sabe!

          Amigos de todos os matizes do espectro ideológico persistem no debate inútil, via “zap”, se é para ir às ruas ou permanecer em casa. Aviso logo: não tenho assistido aos vídeos recebidos, principalmente os que contêm mais de 3 minutos de duração. São perniciosos também, a exemplo do vírus em debate.

Confesso que tenho medo, não por mim, mas por causa dos outros, de, inocentemente, ficar contaminado sem saber e ser foco de transmissão, principalmente para minha família.

           Que situação. Queria ter a disciplina chinesa ou anglo-saxônica para, estoicamente, aguentar sem lamentações. Ficar quietinho no sofá maratonando séries intermináveis. Ou fazer uma rotina de estudos e trabalhos, escrever o livro da minha geração, meditar sobre o significado de tudo isso e algo mais.

          Estou seguro em casa, mas alguns milhares de compatriotas, por necessidade ou desconhecimento, em muitos casos induzidos por outrem, sem noção do perigo, querem afrontar o mundo científico. Entendo que a fome pode levar as pessoas ao desespero. Infelizmente, esses inocentes (nem todos, mas muitos deles) não são culpados. Padecem do grande problema nacional: falta de educação, não aquela formal, acadêmica, também importante, mas sim aquela de sentido coletivo, do bem estar geral, de não fazer para si o que não deseja para o vizinho. Somos um povo unido só em época de Copa do Mundo.

          Cumpro minha carga horária (home office) de trabalho normalmente, aliás como já vinha fazendo, pois tem quase dois anos que estou virtualmente longe/perto da minha repartição pública (será redundância: repartição pública?).

          Mas só de saber que não posso ficar saindo de casa por qualquer coisa, dá aquela sensação de restrição obrigatória indesejada. Deus escreve certo por linhas tortas, diz o ditado popular, no sentido de que nem sempre a gente consegue entender os desígnios Dele, mas tudo tem um sentido, um significado, nada acontece por um acaso. Pode ser, mas prefiro acreditar que Ele escreve mesmo é em linhas retas. Torto já basta a mim (nem tanto, imagino, mas com algumas imperfeições e arestas necessitando de lapidação e polimento).

          Enfim, concluo essa crônica me sentido melhor. Nada como um bom desabafo para salvar um final de semana.

          Até o firmamento já clareou. Que venham os dias melhores, pois as provações chegaram ao final.
         

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Viver é bom




          Nesses tempos pandêmicos surgem notícias de todos os tipos, relatando vivências e situações que as pessoas comuns enfrentam para aguentar o sentimento de desamparo que possam estar enfrentando, muitas das vezes por conta de situação financeira difícil e solidão ou afastamento dos entes queridos.

          Considerando que o país, de uma maneira geral, mostrou-se completamente despreparado para enfrentar o vírus, o povo busca se agarrar na fé. Uma outra opção, que tem tido alguma ênfase, são os vídeos motivacionais ou artigos amplamente divulgados nas redes sociais, apesar de haver um índice muito maior de notícias negativas.

          Bom, eu não sou um influenciador, e nem tenho essa pretensão, mas, aqui do meu cantinho, vou dar um pitaco em relação a esse drama mundial, fundamentando minha modesta opinião numa música já considerada clássica e que me parece bem apropriada para esse momento histórico. Trata-se de Como uma onda no mar, composição de autoria de Lulu Santos e letra de Nelson Motta.

          Diz a peça musical:

Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará

A vida vem em ondas, como um mar
Num indo e vindo infinito


A singeleza desses primeiros versos mostra que as coisas simples têm nuances filosóficas impossíveis de captar numa rápida passada de olhos. Nada do que foi falado é novidade, de tão óbvio, mas, por isso mesmo, aponta esse traço fundamental, e nem sempre lembrado, na nossa existência: o eterno movimento. A vida segue o seu trâmite, mesmo que a gente não faça nada, numa perene renovação, no fluxo e refluxo, ambos constantes e ininterruptos.

Tudo o que se vê não é
Igual ao que a gente viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo


Da mesma maneira que numa fração de segundos qualquer um pode morrer, seja qual for a causa, também é possível resolver problemas internos em poucos minutos, pois a maneira como se vê determinada situação é que define como ela será resolvida. O foco que for ajustado apontará o rumo, uma vez que o ontem é apenas uma referência, pois o futuro será definido pelo presente.

Não adianta fugir
Nem mentir pra si mesmo agora
Há tanta vida lá fora
Aqui dentro, sempre
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar


Ninguém consegue se livrar do que tem que resolver, a não ser que resolva. Pode-se se tentar enganar o outro, mas cada um sabe, com toda certeza, onde o sapato aperta. Não se enrola a sim mesmo. O melhor mesmo é encarar o que for de frente. Conforme já dito, a vida não para só porque alguém possa estar parado. É preciso acompanhar o ritmo, agora e sempre, como uma onda no mar no movimento incessante das marés.

Dessa maneira, a meu ver, é que devemos dar conta desse isolamento social – sabendo que vai passar, e quando passar as coisas não serão mais tão iguais. Precisamos estar preparados para o porvir.

Por isso que um amigo meu, já falecido, dizia: “Viver é bom, mas saber viver é melhor ainda”.