segunda-feira, 8 de abril de 2024

A volta do retorno

  

Domingão, solzão, praião.

 

Tudo prenunciava um dia perfeito. Só que não.

 

Esparramado na areia após um mergulho refrescante, seu olhar foi atraído por um biquíni vermelho que passou na sua frente emoldurando o corpo de uma morena que não estava nem aí se mostrava demais ou não. Acompanhou toda a performance, na ida e na volta, confiante que seu óculos de sol garantia a segurança de que seus movimentos oculares passariam desapercebidos. Engano total.

 

A esposa ao lado, com aquela capacidade de prever todas as ações do marido, percebeu o interesse demonstrado. Sem pensar duas vezes, começou a recolher cadeira, barraca, bolsas. Puxando os meninos pela mão, que reclamaram um monte, deu a ordem definitiva: “Vamos para casa. Lá a gente conversa”.

 

Foram 30 dias de tortura verbal. Qualquer coisinha, voltava a lembrança da mulher do biquíni vermelho. Tempos depois, com a paz reinando novamente no lar, eis que o jovem casal foi passear no Rio de Janeiro, aproveitando para visitar um dos shopping center mais badalados da cidade.

 

Na saída, perceberam que caminhava na direção da entrada um dos atores globais de maior destaque do momento, com uma camisa que realçava os músculos peitorais e dos braços e uma calça jeans apertada delineando os glúteos. A jovem senhora, numa fraqueza momentânea, descuidou-se e fez daquela imagem um colírio para os olhos. Quando o mancebo entrou, ainda acompanhou a subida dele na escada rolante. Virou-se para o marido e, sorrindo, disse: “Bonitão, né!?”

 

Instintivamente, em questão de segundos, tudo que tinha ouvido por causa da bunda da mulher do biquíni vermelho voltou à sua mente. Numa reação tipo ‘agora é minha vez’ chutou o pau da barraca: “Bonitão coisíssima nenhuma. Quer dizer que eu não posso olhar uma mulher na praia e você pode ficar de queixo caído para esse atorzinho mequetrefe? Dê-se o respeito. Eu pelo menos disfarcei, e você só faltou se jogar em cima do cara. Vamos embora. Em casa a gente continua essa conversa”. E saiu no rumo do carro com a alma lavada.

 

Pois é.....as voltas que o mundo dá.

sexta-feira, 29 de março de 2024

Sexta-Feira Santa

 


A Sexta-Feira Santa é uma tradição cristã que relembra a crucificação de Jesus Cristo e a sua morte no Calvário. Antecede ao Domingo de Páscoa, onde se comemora a Ressureição do Filho de Deus.

É calculada como sendo a primeira sexta-feira de lua cheia após o equinócio de outono no hemisfério sul ou o equinócio de primavera no hemisfério norte, podendo ocorrer entre 22 de março e 25 de abril. 

Antigamente (essa é uma palavra muito usada por quem tem mais de 60 anos de idade) era observado o costume nas famílias católicas de, neste período, não comer carne vermelha, não varrer a casa e nem ir a festas ou até mesmo escutar música alta.

Também conhecida por Sexta-Feira Maior ou Sexta-Feira da Paixão (da origem latina passione, que significa sofrimento), está dentro do contexto da dita Semana Santa, que tem início no Domingo de Ramos (quando Jesus entrou em Jerusalém) e passa também pela quinta-feira, que se tem como o dia da Última Ceia.

Não se conhece, na minha compreensão, na história da humanidade, maior prova de amor por seu semelhante do que o sacrifício de Jesus, em se entregar de corpo e alma para que seu exemplo pudesse nortear a todos no caminho da salvação, na seara do bem e na caridade.

E ao terceiro dia, ao ressuscitar dos mortos, Jesus demonstrou para quem tem olhos para ver que, sim, a vida espiritual supera a morte e o amor é vitorioso sobre o ódio. Foi a comprovação gloriosa de que mediante a obediência aos ensinamentos contidos em Suas pregações, também teremos direito de, um dia, termos um lugar junto ao Pai Superior.

Por isso que Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida, e onde estivermos reunidos em nome Dele ali Ele estará. Dessa maneira, a prática das boas aventuranças nos torna são e salvos. Possamos entender todos esses mistérios da Luz Divina, para que nosso coração seja nutrido desse alimento sagrado e nós tenhamos boas palavras e bons sentimentos para com todos.

Enquanto a nossa carga terrena ainda não permite alçar voos tão altos, vamos ao menos aproveitar esses dias de reflexão no sereno aconchego familiar, e reservar, na medida do possível, uns trocados para comprar um ovo de chocolate para os netos (aqueles que já os tem) e, quem sabe, até desfrutar de uma deliciosa torta capixaba, prato típico da culinária tradicional do Estado do Espírito Santo.

sexta-feira, 15 de março de 2024

Casablanca

 


Expulso da cama em mais uma madrugada insone e calorenta fui zapear os canais de filme na televisão paga e acabei assistindo pela enésima vez ao clássico Casablanca, do diretor Michael Curtiz e com os famosos atores hollywoodianos Humphrey Bogart e Ingrid Bergman.

 

O filme se passa na cidade marroquina de Casablanca, que, na época da 2ª Guerra Mundial, estava sob o controle dos franceses e servia de refúgio para os fugitivos do regime nazista que queriam ir para Lisboa, em Portugal, e, em seguida, para os Estados Unidos da América. A obra ganhou, em 1944, o prêmio Oscar de melhor direção, melhor filme e melhor roteiro adaptado.

 

Não sou especialista em arte cinematográfica e nem quero entrar no mérito se o filme serviu de propaganda aos interesses dos países Aliados (EUA-França-Inglaterra), até porque, naquela época, sem querer ser maniqueísta, me parece que inexistia pouca dúvida em relação a qual lado representava o mal e qual representava o bem, isso numa análise superficial, até porque nenhuma guerra, a princípio, em sua essência, tem algo de bom.

 

Mas eu considero Casablanca o melhor filme que já vi. Não só pela mensagem de luta por um ideal, que deve ser o sentido da vida de todo ser humano, mas também pela resiliência demonstrada em resistir à pressão de situações adversas. São muitas as cenas antológicas e os diálogos espirituosos, mas duas em particular me chamam a atenção e não me canso de vê-las.

 

A primeira é quando o líder da resistência Victor Laszlo, interpretado por Paul Henreid, conclama os frequentadores do bar do Rick (personagem de Bogart) a cantarem “A Marselhesa”, hino nacional francês, em contraponto aos oficiais alemães que entoavam Die Wacht am Rhein (“A Guarda do Reno”), que é uma música patriótica que remonta à 1840, época do episódio conhecido como a Crise do rio Reno, que envolveu o então Reino da França e a Confederação Germânica. Os franceses se enchem de fervor patriótico, e soltam a voz abafando os opressores.

 

 A cena final também é inesquecível. Rick, para permitir que Laszlo e Ilsa Laszlo, (papel de Ingrid Bergman), por quem era apaixonado, pois tinham se conhecido anteriormente em Paris, embarcassem no avião para Lisboa, atira e mata o major Heinrich (Conrad Veidt), com a complacência do capitão Louis (Claude Rains), que manda seus subordinados prenderem “os suspeitos de sempre”. Os dois vão se afastando juntos na chuva e Rick diz: “Louis acho que esse é o início de uma grande amizade”. Fecha o pano.

 

A vida, sabemos, principalmente aqueles mais experientes, é feita de escolhas. Acho que Casablanca mostra isso. No cotidiano, nem sempre acertamos, mas é preciso constância e determinação para que possamos nos firmar nas nossas convicções e, na luta insana da sobrevivência, combatermos o bom combate para que, ao final, estejamos em paz com a nossa consciência.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Homenagem

 Na data de hoje, 28/02/24, o Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo prestará uma homenagem a um dos seus integrantes mais conhecidos, o saudoso professor Renato Pacheco, meu pai. Peço vênia para postar neste espaço o texto que lerei na ocasião.

RENATO JOSÉ COSTA PACHECO, meu pai

Escrever sobre uma pessoa tão múltipla quanto o professor, escritor, pesquisador, folclorista, historiador e magistrado Renato José Costa Pacheco não é uma tarefa das mais fáceis, mesmo para mim, seu filho mais velho, ou talvez por isso mesmo. Com 15 anos de idade ingressei na redação de A Gazeta, ainda no antigo prédio da rua General Osório, e passei a entender melhor a figura do meu pai, porque muitas pessoas que entrevistava perguntavam se eu era filho dele, e todas sempre tinham algo de bom para falar.

Renato José Costa Pacheco nasceu aos 16 dias do mês de dezembro do ano de 1928, na casa de seus pais – Filogônio e Valentina -, um sobrado no final da rua 7 de Setembro, aos pés do morro da Fonte Grande, e que ainda resiste ao tempo, apesar de já ter sido descaracterizado em sua forma arquitetônica. Teve três irmãos: Geraldo, que faleceu ainda bebê, Rogério e Carlos Augustus. Eram todos grandes amigos.

Hoje, estamos aqui para homenageá-lo e lembrar dessa pessoa tão singular, que nos deixou, de maneira totalmente inesperada, aos 75 anos de idade, no dia 18 de março de 2004, portanto podemos dizer há vinte anos. Duas décadas sem Renato Pacheco, mas parece que foi ontem, pois a saudade, apesar de não ser mais dolorosa como foi no início, permanece, mas agora de uma maneira suave, pois o tempo, esse grande sábio, ameniza qualquer sofrimento. Hoje, sentimos aquela sensação de que Renato Pacheco combateu o bom combate, foi intenso em tudo que vez e seu legado jamais será esquecido.

Dignificou a Magistratura em todas as comarcas onde judicou. Brilhou em sala de aula tal qual um sol que espalhava a luz do conhecimento para qualquer um que quisesse aprender. Mesmo assim, não se colocava num pedestal, pois quando foi homenageado pelos 50 anos de Magistério afirmou: “São quase cinquenta anos de aprendizado e continuo, ai de mim, aprendiz”.

Na literatura, não sou especialista no assunto, mas ouso dizer que sua obra se não é a melhor e mais profunda dessas terras de Vasco Fernandes Coutinho, sem dúvida deve ser a mais profícua. Era um verdadeiro polígrafo, pois escrevia, e bem, sobre vários assuntos. Escrevendo a respeito de sua terra natal, que amava profundamente, alcançou dimensão universal. Seus romances, contos, poemas, crônicas, estudos sociológicos e históricos falam de si mesmo e de todos nós. Falam do amor, da vida e da morte, mas, acima de tudo, falam do Homem, essa espécie dominante em nosso planeta, mas tão complexa que só pessoas iluminadas como Renato Pacheco podem traduzi-la em palavras.

Dizia, a respeito da inspiração que lhe motivava a preencher as folhas de papel almaço que tinha em profusão no seu escritório: “Poesia só escrevo quando ela desce a mim. Prosa sempre que há um tema pertinente a desenvolver, de preferência voltado para o Espírito Santo, nossa terra”.

Desde a pequena brochura Antologia do Jogo de Bicho e do seu primeiro, e já polêmico, romance A oferta e o altar demonstrou talento e capacidade muito acima da média. Sua mente privilegiada permitiu que escrevesse sobre tudo. Posso citar, e já com medo de não estar sendo fiel a tanta coisa que fez, alguns trabalhos como A loucura das células e outras estórias, Cantos de Fernão Ferreiro e outros poemas heterônimos, Penedo vai, Penedo vem...cartilha do folclore capixaba, O centauro enlouquecido e o pintor amante, Os dias antigos, Reino não conquistado, Eu vi nascer o Brasil, O macaco louco, Cultura capixaba – uma visão pessoal e tantas outras obras até a edição póstuma de Sociologia jurídica. Isso sem contar os inúmeros livros escritos em parceria com diversos autores, entre os quais, os mais constantes, até onde eu sei, foram os irmãos Luiz Guilherme e Reinaldo Santos Neves.

Morei 34 anos – de 1985 a 2019 – na cidade de Porto Velho, capital do Estado de Rondônia. Foi uma escolha pessoal, mas, por conta disso, lamentavelmente não acompanhei de perto os anos mais produtivos da vida de meu pai, quando ele estava no auge de sua enorme capacidade produtiva e intelectual. Mas até isso foi previsto, pois no Canto Zero do livro Cantos de Fernão Ferreiro, à página 23, ele afirma: “Colombo ainda tarda a chegar e o Paraíso – como tantos, mais um falso paraíso – lá está, está lá, a oeste, no poente. Do mar os capixabas caminham para Rondônia, atravessar os Andes será um passo a mais”.

Por isso, para ilustrar esses modestas palavras pedi a meus irmãos que me ajudassem com suas próprias lembranças. Meu irmão Guilherme, por exemplo, conta que algumas vezes foi da rua Sete, onde morávamos, aos sábados, caminhando com nosso pai até a Livraria Âncora, na ladeira Nestor Gomes. Ali, havia um encontro de amigos, que, posteriormente se transferiu para a Livraria Logos, na Praia do Suá.

Enquanto os intelectuais debatiam os assuntos de seu interesse, Guilherme tinha o direito de escolher um artigo de papelaria qualquer ou um livro, e na volta para casa ganhava um pastel com caldo de cana. Certa ocasião, lembra ainda, na volta de uma ida a Santa Teresa, terra natal de nossa mãe, Clotilde, a popular Tildinha, que também faleceu em março, mas no dia 25, aos 96 anos de idade, em 2023, encontraram a casa da Mata da Praia arrombada, e todas as joias de mamãe tinham sido levadas. Ela, católica, ficou tão indignada, exigindo que a justiça divina se manifestasse, que somatizou aquele sentimento e teve uma pneumonia. Papai, se esforçando ao máximo nos cuidados com a mulher que amava, e não cansava de demonstrar isso, esperou o momento certo e tocou o coração dela dizendo: “Perdoa seus malfeitores. Eram só joias. Quase nunca saíam do armário. Sua vida e sua saúde são muito mais valiosas que isso”.

Renato Pacheco não frequentava igreja ou culto, mas era, sem dúvida, um verdadeiro e genuíno cristão, pois praticava o bem e a bondade sem olhar a quem. Mesmo assim, recorda a minha irmã Renata, tinha as suas devoções. A principal era Nossa Senhora da Penha, tanto que registrou em Cartório sua vontade final de ser cremado e as cinzas jogadas no mar ao pé do Convento da Penha, o que foi cumprido.

Era guloso, para não dizer glutão. Terminava o almoço perguntando o que teríamos na janta, e colocava entre seus pratos preferidos a nossa torta capixaba. Doces, comia todos, especialmente torta de nozes e quindim. Não podia ficar com fome, pois alterava o seu humor. Por isso, quando o almoço atrasava, se socorria com uns biscoitinhos. Tinha fama de barbeiro. Uma vez, no Guaçuí, estava dirigindo sua Kombi (o carro da época para quem tinha família grande), espirrou e perdeu a direção, batendo num veículo que estava estacionado. Ano mais tarde, já em Vitória, cansado do trânsito complicado, não renovou mais a CNH e passou a usar o transporte coletivo.

Nas viagens que fazia ao Rio de Janeiro, passava horas estudando e pesquisando no Arquivo Público. Tornou-se abstêmio após, segundo reza a lenda, chegar em casa carregado pelos amigos, o que muito lhe envergonhou. Mas me disse uma vez que quando fosse a Portugal talvez bebesse um cálice de vinho do Porto. Não sei se o fez. Combatia com veemência o tabagismo.

Gostava de futebol, especialmente do Flamengo. Tinha fascínio pelos sete netos – seis mulheres e um homem – e, com certeza, adoraria ter conhecido os bisnetos. Inclusive, incentivava a neta mais velha, Raíssa, minha filha mais velha também, a se casar e engravidar logo, prometendo, a título de auxílio, comprar o fogão para a casa dela. Amava, sobretudo, sua esposa, Tilda, e os quatro filhos que o casal gerou. Minha irmã caçula, Ana Lúcia, foi quem mais tempo morou com eles, depois que os mais velhos bateram asas. Trabalhou uma época no Fórum de Vitória, e costumava ir até a sala de nosso pai, na assessoria da Presidência do Tribunal de Justiça. Muitas vezes voltavam juntos para casa.

Quando ela foi residir nos Estados Unidos, papai e mamãe sempre iam visitá-la. Numa dessas vezes, ele aproveitou e foi conhecer a casa onde William Faulkner morou, em Oxford. De lá trouxe um saquinho plástico cheio de terra e pedregulhos, que mandou colocar numa caixinha de madeira com tampa de vidro acrescida dos seguintes dizeres: “Terra e seixos – casa de Faulkner”. Era fã incondicional do autor de Luz em agosto.

Não alcançou essa época dos celulares e seus intermináveis aplicativos, mas conheceu os primórdios dos computadores. Chegou a ter um, com o qual não demonstrava muito intimidade. Continuou preferindo escrever à mão, usando caneta de tinta azul, com uma letra pequena e, pelo menos para mim, um tanto carente de legibilidade.

Assim era Renato José Costa Pacheco. Um homem comum, mas que tinha, conforme os que o conheceram sabem, aquele algo mais. Como se diz no popular, com ele “não tinha tempo ruim”. Seus alunos sentiam por ele um carinho que beirava a devoção, pois exercia seu ofício com amor. Era “o cara”. Acima de tudo, tinha sempre uma palavra positiva e um incentivo a todos que o procuravam, motivando-os a sonharem, a tentarem, a realizarem. Era grande, mas queriam que todos fossem maior do que ele. No dizer do filósofo francês Montesquieu: “Para se tornar verdadeiramente grande, é preciso estar ao lado das pessoas, e não acima delas”.

Foi-se, pois, 20 anos atrás, Renato Pacheco. Ficam na lembrança o homem, seu caráter e moral, o exemplo dignificante e a obra, que permanecem para sempre. Espero que daqui a quatro anos, no centenário de nascimento dele, possamos estar reunidos novamente, não só aqui no Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, casa que ele honrou, mas também em outros espaços públicos, quem sabe até na escola estadual lá em Jardim Camburi que tem o nome dele, pois vidas como essas não podem ser esquecidas. São os renatos pachecos que nos fazem continuar acreditando no ser humano. Que nos dão a esperança, e a certeza, de que o mundo tem jeito. São aqueles que plantam a semente da boa vontade, que nos ensinam, através da própria conduta, a respeitar e a tratar a todos com dignidade, sem distinção de raça, credo ou condição social.

Dessas pessoas nascem no coração de cada um de nós os frutos sadios que ao longo das gerações germinam nos homens e mulheres as boas aventuranças. Renato Pacheco foi uma dessas pessoas, sempre correto e pensando no seu semelhante, deixando de fazer por si para atender outrem. Tenho certeza de que os senhores e senhoras aqui estão participando desse evento porque comungam desse mesmo pensamento.

Só nos resta, portanto, ao prestarmos essa homenagem, fazermos a nossa parte na prática, sendo dignos de termos tido o imensurável privilégio de conhecer, conviver e ser amado por Renato José Costa Pacheco, meu pai.

Tenho dito!


quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Tecnologia

 


Esses tais de smartphones de vez em quando pregam uma peça nos usuários que nasceram no século passado, o que é o meu caso, diga-se de passagem. Tem hora que os danados parecem ter vida própria, e fazem o que querem. Mas não sou o único a enfrentar dissabores no manuseio desses celulares cada vez mais complexos e cuja função primordial – servir de telefone móvel – vai ficando em segundo plano conforme acontece o avanço tecnológico.

 

Afinal, toda a vida de uma pessoa pode estar contida num bichinho daqueles. Fotos e mais fotos, atuais e de eventos passados, que podem ser escaneadas. Documentação pessoal, inclusive CRLV e CDT/CNH, ocupa espaço na memória dos aparelhos. Aplicativos bancários não são mais novidade. Tem de tudo: música, jogos, mensagens, restaurantes, farmácias. Qualquer coisa que se precisar.

 

Mas esse arrodeio todo é para falar de um acontecimento ocorrido com a pessoa que mais amo na vida, cujo nome não posso declinar para não criar uma DR. Ela, inclusive, já me bloqueou no celular. Falou que foi sem querer. Acredito. Possível acontecer com qualquer um. Recentemente, porém, andou reclamando que a tela do celular dela tinha ficado “de cabeça para baixo”. Os ícones estavam invertidos, realmente, e parecia ser uma situação que exigia a atenção de um suporte técnico especializado.

 

Depois de uns dias buscando uma solução, recebemos a visita de um de nossos genros, rapaz novo, da área de TI, perfeitamente capaz de resolver o problema. Após olhar o celular e admitir que, realmente, era uma situação inédita, começou a mexer numa coisa e em outra. De repente, desatou a rir sem parar. Eureka, poderia ter exclamado a exemplo do matemático grego Arquimedes de Siracusa.

 

Na verdade, o que estava de “cabeça para baixo” era a capa de proteção. Sabe-se lá como, aquela cobertura plástica que cobre a parte traseira do celular tinha sido colocada em posição invertida. Assim, o local de conectar o carregador ficou “para cima”, e a pobre inocente virava o celular para deixá-lo na posição correta, ou seja, na parte inferior, fazendo com que as funções que apareciam na tela dessem a impressão de que estavam voltadas para baixo, de ponta-cabeça. Durma-se com um barulho desse.

 

Um típico caso de B.I.O.S: Bicho Ignorante Operando Sistema.

 

Espero não levar um celular na cabeça, porque aí o prejuízo vai ser duplo: um machucado e a compra de um aparelho novo.

 

Deus me livre.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Reminiscências

 


 

Meio que por acaso caiu-me às mãos o livro Aquele dia na praia, de autoria de Flávio Sarlo, edição Leitura Fina, ano 2022. Em pouco mais de 80 páginas, o autor faz “um caleidoscópio de imagens e lembranças sobre a juventude que participou da subversão armada na época, e também lança luz sobre personagens sombrios que participaram da repressão”, conforme consta na orelha da publicação.

 

Diz ainda: “No universo onírico da ilha de Vitória, onde misturavam-se juventude transviada e guerrilha urbana, torturadores anônimos e filhos da classe média, o livro é o retrato de uma geração perdida”.

 

Alguns dos personagens retratados conheci pessoalmente, seja profissionalmente, como colegas de redação ou por tê-los entrevistados, ou por relações de amizades. Por exemplo: Antônio Carlos Neves, Gildo Loyola, Perly Cipriano, Hélio Dórea, Rogério Medeiros, Eduardo Parú, Milson Henriques, Atílio Gomes, Crisógono Teixeira da Cruz, Fernando Achiamé, Miriam Leitão, Marcelo Neto, Pedro Maia, Romero Mendonça, Renato Paolielo e Ronald Rangel.

 

O capítulo 7, entretanto, foi uma surpresa total. O autor relata o caso de uma costureira, Sara, que tinha três filhos – Renato, Jussara e Renah. Sara, determinada ocasião, recebeu o aviso de um general parente do marido para que mandasse o então estudante de Psicologia para fora do país, porque ele estava sendo procurado pelos órgãos de repressão política. Conseguiu embarcar o filho num navio que ia para a Europa, de onde só voltou 25 anos depois.

 

Bom, somente a título de correção histórica, cumpre anotar que Sara Segovia Poncio trata-se de minha falecida sogra, pois sou casado com a filha dela, Jussara. Por óbvio, Renato e Renah são meus cunhados. O acontecimento ocorreu, mas, na época, o pai deles, o médico Perly Lacerda Poncio, já havia falecido, e a família tinha saído da casa da rua Eugênio Neto, na Praia do Canto, para um apartamento próximo. E Renato embarcou num navio carregado de minério de ferro que zarpou do Porto de Tubarão. Todos nós moramos atualmente em Guarapari.

 

Isso, porém, não afasta a importância do registro daqueles tempos sombrios, em que muitos morreram na luta por ideais que foram sufocados por mentes doentias e interesses escusos. A Praia Comprida não existe mais, o Cine Juparanã fechou as portas e Vitória não é mais uma província, se é que chegou a ser algum dia. Mas a vida continua e precisamos aprender com a nossa própria história para construirmos um futuro melhor. De que maneira, não sei, mas, com certeza, não é com violência de extremos.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Coisas do mundo

 


Meu velho amigo Montezuma Cruz, jornalista daquelas antigas cepas, no sentido espiritual de uma linhagem nobre, me mandou, via WhatsApp, um texto intitulado Celular na mão não é jornalismo, publicado na Folha de São Paulo e assinado por Lygia Maria, que é mestre em Jornalismo e doutora em Comunicação e Semiótica.

 

A articulista discorre em relação aos novos tempos da profissão, em que tecnologias modernas estão servindo de pretexto para desprezar a checagem dos fatos, “pilar da imprensa profissional”, explica. Para ela, “o recente fenômeno de apresentadores de telejornais que repassam em tempo real informações recebidas pelo celular, por exemplo, é um acinte ao método de checagem. Tal prática prejudica não apenas o público e o alvo das inverdades, como o próprio jornalismo, que recebe a pecha de fake news”.

 

No entender da colunista, “profissionais e veículos não podem ser ingênuos e embarcar cegamente na onde sedutora de novas tecnologias. A boa e velha checagem ainda é o pilar fundamental dessa atividade essencial à democracia”.

 

Jornalista que também sou, formado no tempo das entrevistas olho no olho e quando todas as partes envolvidas eram ouvidas antes de qualquer divulgação, concordo plenamente com os termos acima expostos.

 

E além disso tudo, muito me surpreende como o conceito de “notícia” está deturpado. Os assuntos mais banais ocupam espaços enormes e são alvos de análises e interpretações por “especialistas”, a começar pelos tais reality shows, um negócio (e bota negócio nisso) tão sem pé e cabeça que é quase inacreditável que tenha tanta audiência.

 

Faz tempo, confesso, que não compro jornal impresso, até porque estão cada vez mais raros. E nem tenho assistido telejornais, pois desacredito que esses veículos estejam a serviço da informação verdadeira, considerando tantos interesses econômicos e políticos envolvidos nos bastidores das grandes corporações e nos gabinetes oficiais.

 

Por comodidade, acesso site de notícias, mas nem esses me satisfazem mais. As telas são preenchidas por aniversários de celebridades ou de seus filhos menores. Ganha repercussão o procedimento estético feito por determinada atriz ou ator. Influenciadores (até hoje me pergunto exatamente o que é isso) expõem os carros novos que compraram – e até ocupam espaço quando cometem barbeiragem no trânsito.

 

Dicas de maquiagem merecem ampla divulgação, inclusive os cuidados para se deixar lábios volumosos. Enfim, são tantos os exemplos de futilidades que fica até chato falar disso aqui. É a vida moderna e seus inúmeros atrativos de consumo rápido, tal qual um sanduíche de fast food. Parece improvável que isso mude tão cedo, principalmente em Pindorama, onde o circo e o pão estão presentes no dia a dia dos milhões que lutam pela sobrevivência com um mínimo de dignidade.

 

Quem tem por prioridade comer aceita “engolir”, sem questionar, qualquer besteirol. Faço minhas, porém, as seguintes palavras do inesquecível escritor Ariano Suassuna: “Sonho com o dia em que o sol de Deus vai espalhar justiça pelo mundo todo”.