quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Volta

 


         Após pouco mais de dois anos desde que passei a residir em Guarapari, retornei a Porto Velho, atendendo a  um convite de amigos para participar de um encontro regional de lideranças da religião que frequento, a União do Vegetal.

 

         Os dias que antecederam a viagem foram de intensa expectativa. A única certeza do que iria encontrar seria aquela sensação térmica tradicional de calor abafado e úmido, já manifestado quando a porta do avião foi aberta e um bafo quente tomou conta da aeronave, e isso por volta da 1h30min da madrugada do dia 24 de setembro de 2021.

 

         Meu grande amigo Raimundo Ramos me hospedou no apartamento onde mora com a Neide, sempre atenciosa, e o pequeno Théo, num prédio sem elevador no qual me esperavam 58 degraus para subir e descer. Acha fôlego.

 

         Andar por aquela cidade em que criei minhas três filhas ao longo de 34 anos não me pareceu estranho, talvez porque dois anos nem sejam tanto tempo assim. Nas ruas, poucas modificações, a não ser uma ou outra loja diferente, especialmente os novos supermercados manauaras que abriram filiais por lá.

 

         Procurei antigos e antigas amigos e amigas e foi como se estivéssemos nos vistos “ontem”, o que muito me alegrou. O sorriso estampado em cada rosto me trouxe a certeza de que alguma coisa boa ficou plantada no coração deles e delas, da mesma forma que em mim mantém-se inalterado o sentimento fraterno que me une a todos e a todas.

 

          Nos restaurantes, o sabor do delicioso tambaqui assado foi revivido no meu paladar, assim como o pirão com farinha d’água e o inesquecível creme de cupuaçu. Dias intensos e maravilhosos, que nem mesmo o clima tropical, do qual parece que me desacostumei, conseguiu embaçar.

 

         Só não estive na rua Mercúrio, número 3465, endereço da casa que ainda tenho em Rondônia e atualmente alugada a um bom inquilino. Achei desnecessário, até porque não tinha nada para fazer lá. Meu único vínculo material ainda existente por ali.

 

         Foi bom ter ido, mas está sendo bom também ter voltado. Afinal, se construí alguma coisa antes, tenho possibilidades de construir outras tantas aqui onde estou atualmente. Novas oportunidades de reencontros, tenho certeza, acontecerão. Afinal, “saudade é coisa que a gente só sente estando a distância presente”, porque “peregrino também é um ser, que andando procura o saber, girar mundo também é viver” (Peregrino, Banda Temucorda).

 

         Grato, Porto Velho/Rondônia. Viva, Guarapari/Espírito Santo.

terça-feira, 21 de setembro de 2021

Uma década

 

        Hoje caiu a ficha que iniciei esse blog há mais de dez anos. A primeira crônica, intitulada Entrando em campo, foi postada no dia 11 de abril de 2011, uma segunda-feira. Poucos meses depois quebrei o úmero e fiquei mais de 60 dias sem escrever, e aí esmoreci. Me espantei ao ver aqui nos arquivos que só retomei regularmente a publicar em 2019, ou seja, oito anos depois da primeira vez. Que qualidade de escritor é esse, né mesmo?

 

         De lá para cá foram 182 textos, que resultaram num livro – Crônicas soltas no ar, editado pela Chiado Books. Quer me parecer muito pouco para tantos dias. Mas, cada um faz de acordo com a sua capacidade. Espero que consiga, pela próxima década, no mínimo, manter (e melhorar) o atual ritmo, que ainda não é o ideal, pois tenho brindado meus leitores com apenas algumas linhas a cada semana, em média.

 

          Conforme afirmei naquela primeira vez “estou um pouco enferrujado, mas nada como um bom exercício mental para que a nunca esquecida emoção de "juntar" palavras flua novamente como uma extensão dos meus dedos, expondo sentimentos e informações”. Para um simples mortal não é muito fácil. Somente afortunados têm o dom escrever de maneira tão natural como se estivessem simplesmente respirando.

 

         Os demais, eu incluso, precisam ralar bastante, dedilhando o teclado incessantemente, com muita transpiração para que a inspiração possa ser alcançada. Entendo, daí o motivo do título do meu livro acima referido, que nossos pensamentos são ondas que vagam pelo espaço e se conectam com energia semelhante daquilo que faz parte da nossa busca. Acredito que os grandes mestres das letras e outras manifestações artísticas possuem essa capacidade: trazer do etéreo o que está solto no ar.

 

           Mesmo eles, porém, não podem ficar sentados esperando cair do céu alguma ideia brilhante. A prática, já dizem os antigos, é o caminho da perfeição, ou seja, é possível unir capacidade inata com aperfeiçoamento técnico e fazer com que tudo fique fácil. Por isso canta Zé Ramalho: “É praticando na vida que muito vai se aprender”.

 

         Por isso que estou aqui, praticando e praticando, para melhorar e melhorar. Eu chego lá!

 

         Em tempo: o ícone do jornalismo capixaba, Rubinho Gomes, meu particular amigo, foi quem nomeou este blog – Blogueiro do Velho Porto. Na época eu morava em Porto Velho, Rondônia, e nem me lembro qual nome iria colocar. Falei com ele e, instantaneamente, com a ligeireza de raciocínio que lhe é peculiar, apontou o título, que aceitei sem pestanejar.

 

        Quem sabe, sabe.

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Notícias

 


         Antigamente (essa é uma expressão típica de quem já passou dos 60 anos de idade – “na minha época” é da mesma linhagem), jornalista chegava cedo na redação e ia logo procurar os jornais do dia para ler. Hoje em dia o mundo digital permite acompanhar o noticiário com uma dedada no celular, até porque estão rareando noticiosos impressos.

 

         Peguei essa mania, e faço rotineiramente um tour pelos canais jornalísticos. Na maioria das vezes leio apenas os títulos, e somente quando o assunto carece de maiores esclarecimento clico em cima para ver/ler a matéria completa. Nesses tempos pandêmicos e de radicalismos em todo o espectro político, tem coisas que chamam a atenção.

 

         Título no UOL diz que “Senado aprova em 1º turno PEC que desobriga gasto mínimo com educação por 2 anos”. O texto explica que por conta da pandemia as escolas públicas ficaram fechadas, daí porque não há motivo para cumprir a norma constitucional de despesas obrigatórias no setor nos anos de 2020 e 2021, sendo prevista compensação dos recursos até 2023 (acredite quem quiser).

 

         Numa nação cujo investimento por aluno está abaixo da média dos países desenvolvidos, segundo estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, entidade internacional com 38 governos membros e sediada em Paris, na França, da qual o Brasil é parceiro, é de se estranhar, a meu ver, essa novidade, que põe em risco o já deficitário setor educacional estatal. Dar essa opção aos gestores públicos é abrir espaço para que, no futuro, outros cortes financeiros sejam feitos, resultando em prejuízo às gerações futuras.

 

         Dos Estados Unidos chega a informação de que a Prefeitura de Nova York vai exigir comprovante de vacinação contra a Covid-19 de todos os integrantes das delegações participantes da 76ª Assembleia Geral da ONU, sediada naquela cidade, que começará na próxima terça-feira, dia 21 de setembro. Uma lista provisória indica que 74 chefes de Estado, 33 presidentes, dois vice-primeiros-ministros e 22 chanceleres confirmaram presença.

 

         Aquele-que-não-deve-ser-nomeado anunciou que vai, sem ter sido vacinado. Será que ele vai ser barrado no baile? A conferir.

 

         E nos esportes continua o embate pela presença de público nos estádios. O Flamengo tinha obtido uma liminar autorizando a venda de ingressos, mas o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (acho que não existe no mundo tanto ramos de especialização judicial quanto aqui nesses trópicos) concedeu efeito suspensivo após recurso de 17 outros clubes e mandou que se aguarde a próxima realização do conselho técnico da Série A, com data para 28 de setembro.

 

         Pois é, brigas, briguinhas e brigões fazem o deleite dos leitores. Que pena. Todos se acham certos, nenhum admite a possibilidade de ter errado e assim caminha a humanidade, aos trancos e barrancos, até quando não se sabe.

 

E para terminar num clima lúdico transcrevo uma manchete amena: “Band começa obras do cenário de Faustão”.

 

Ufa, tudo resolvido.

sábado, 11 de setembro de 2021

Que país é esse?

 


         Enquanto nos Estados Unidos registram-se, neste 11 de setembro de 2021, atos em memória ao triste acontecimento, em Nova Iorque, vinte anos atrás, do atentado terrorista contra as Torres Gêmeas, lembrança malfazeja da desunião que ainda permeia países e povos, o Brasil, mais uma vez, é engabelado por aqueles que representam os interesses econômicos escusos dos leviatãs engolidores de gente.

 

         Depois de um 7 de setembro ridículo, em que aquele-que-não-deve-ser-nomeado vociferou, mais uma vez, aquilo do qual o coração dele está cheio, os dois dias seguintes mostraram uma transformação da água para vinho. Do nada, só que não, o dito cujo virou “estadista”, pediu desculpas e vestiu a pele de cordeiro sobre as garras do lobo. Quem não conhece é quem compra.

 

         Gente, não existe transformação de caráter dessa maneira, assim da noite para o dia, como se Jesus em pessoa tivesse colocado Sua mão divina sobre a cabeça cheia de maus pensamentos do cidadão em questão. É tudo uma farsa, uma encenação de baixa qualidade, em que os atores são os mesmos e a plateia comprou ingresso para ver um espetáculo de categoria e está presenciando uma arapuca com ares de tragédia.

 

         Aproveitadores de todas as matizes estão soltos. Por exemplo: na boataria do fechamento das estradas e do consequente desabastecimento, em face da equivocada dependência nacional do transporte terrestre, no dia 9 passado o preço da gasolina, aqui onde resido, era de R$ 5,99 de manhã e à noite estava em R$ 6,17. Na manhã seguinte, chegou a R$ 6,30 o litro. E não vai voltar aos patamares anteriores.

 

         Respeitáveis próceres em diversas instâncias aplaudem a transformação ocorrida no comportamento do instável líder. Será que acreditam? Tenho fundamentadas dúvidas. É aquele negócio (literalmente): ajoelhou, tem que rezar. Já estão com a mão na cumbuca até o cotovelo e está difícil tirar, mas não será surpresa se quebrarem o pote e deixarem o navio do capitão afundar sozinho, conforme já visto anteriormente, mais de uma vez, nestes tristes trópicos.

 

         Quando, em 1978, Renato Russo escreveu a letra da música Que país é esse? ainda nos tempos da banda Abordo Elétrico, sucesso depois com a Legião Urbana, retratou uma situação que, infelizmente, permanece atual. Reparem na primeira estrofe: “Nas favelas, no Senado/ Sujeira pra todo lado/Ninguém respeita a Constituição/Mas todos acreditam no futuro da nação”.

 

         É, a maré não está para peixe, mas já que sou apenas um mero observador nem tão imparcial e sem possibilidade de influenciar nos acontecimentos que determinarão o futuro nacional, fico com o samba do Zeca Pagodinho: “É ser humano, eu tenho esperança e fé no ser humano”. Em alguns, pelo menos.

 

         Sem isso, seria difícil prosseguir.

        

domingo, 5 de setembro de 2021

Perseguição

 


         Sou, pelo lado materno familiar, Bomfim, isso mesmo, com eme de Maria no bom e no fim. É uma turma que veio do sul da Bahia e fixou raízes no Espírito Santo e em Minas Gerais, com inúmeras ramificações posteriores através dos casamentos ocorridos. Italianos nos primórdios, que depois colocaram um pé na cozinha.

 

         No período de chumbo da ditadura militar, do fim de 1968, com a edição do AI-5 em 13 de dezembro daquele ano, até o final do governo Médici, em março de 1974, um primo de minha mãe, advogado de renome em Belo Horizonte, mas que já pertencia ao Partido Comunista desde antes do golpe de 64, passou à clandestinidade.

 

         Ele tinha se mudado para o Rio de Janeiro, onde exercia a Advocacia e mantinha sua militância. Dizem os familiares ainda vivos que depois de Luís Carlos Prestes esse Bomfim era o mais importante na hierarquia do partidão. Quando teve que se esconder, a mulher e os filhos sofreram com a vigilância implacável dos agentes governamentais.

 

         As filhas, por exemplo, ao saírem de casa para a escola ou trabalho, eram seguidas. O medo de um “desaparecimento” era tanto que elas tinham que avisar em que lugar estavam todo o tempo, e isso numa época em que não havia celular, somente telefone fixo. Às vezes, alguém telefonava para a casa deles se dizendo “refugiado” e que tinha uma informação importante para o líder comunista, querendo saber o paradeiro dele. Tudo mentira, óbvio.

 

         Numa ocasião, dois sobrinhos capixabas, que não tinham nada a ver com a situação, indo visitar as primas em Belzonte, foram presos. A tia procurou-os na cadeia da cidade, para levar alimento, e foi ameaçada pelo delegado: “Com um sobrenome desse é muita coragem vir até aqui”.

 

         A mãe desse Bomfim, senhora já com mais de 80 anos, morava com uma filha num sobrado da rua Graciano Neves, em Vitória. Um dia, ela comentou que tinha visto o filho. Um carro preto havia parado em frente à casa, onde ela passava horas na varanda apreciando o movimento, e fora levada até onde o primogênito estava, onde conversaram por aproximadamente duas horas. Ninguém acreditou. Mais à frente, falou que tinha-o encontrado novamente, do mesmo jeito. Acharam que ela estava imaginando coisas. Depois, descobriu-se que era verdade.

 

         Bomfim, contudo, não conseguiu se esconder por muito tempo. Foi encontrado, preso e torturado. Morreu na cadeia. Como era costume dos algozes, não respondeu a nenhum processo, e nem teve direito à defesa. Nenhum comunicado à família. Seu corpo, nunca localizado, foi esquartejado, conforme depoimentos de companheiros de cela que conseguiram sobreviver.

 

         Pois bem. Em pleno século 21, no mundo digital da inclusão e da aceitação das diferenças, Pindorama parece ter saudades de tempos mais duros, onde só um lado era detentor da verdade. Anuncia-se que a partir do próximo 7 de setembro, às vésperas do bicentenário da independência do Brasil, o país voltará aos eixos e todos que forem contrário serão “enquadrados”.

 

         Espero que não. Espero que possamos encontrar um jeito de manter o equilíbrio, e que vidas preciosas sejam preservadas. Bastam as mais de 580 mil levadas pela pandemia do coronavírus. Não sou lulista e nem bolsonarista. Sou apenas um Bomfim preocupado com a (im)provável repetição de erros passados.

 

         Que o ódio destilado por ambos os lados nessa disputa de interesses meramente pessoais e de grupos possa evaporar e sublimar em dias melhores para todos.

 

Ninguém merece uma segunda ditadura na mesma geração. Fala sério!