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Era um pequeno restaurante à beira da
BR 101, entre Guarapari e Cariacica, daqueles que prometem comida caseira feita
num fogão a lenha e onde os próprios proprietários preparam o alimento e
gerenciam o atendimento. Dependendo do horário, eles também se sentam à mesa junto
com a família.
Numa dessas vezes, duas meninas, provavelmente
na faixa de uns 5 a 7 anos de idade, comiam sozinhas. Pareciam ser filhas dos
donos. Entre uma garfada e outra, uma delas, afastou o prato e disse:
- Está tudo muito gostoso, mas não
aguento mais.
E rindo, acrescentou: “É assim que as mulheres
ricas falam”.
A menor, como se tivesse feito o curso
da Socila, corrigiu:
- Não. Elas dizem: Estou satisfeita.
E cruzando os talheres sobre uns restos
de arroz, feijão e carne deu por encerrado o assunto.
Dádiva
marítima
Segunda metade dos anos 70, tempos em
que o espírito hippie ainda permeava mentes e corações de muitos jovens aventureiros
que percorriam o mundo em busca não se sabe exatamente de qual objetivo, sem
muito medos ou preocupações. Afinal, a revolução estava a caminho.
Numa pequena enseada escondida do mar
Vermelho, próxima à localidade de Eliat, em Israel, um jovem casal – ele,
brasileiro; ela, holandesa – acampavam já tinha uns trinta dias, inaugurando o
que talvez tenha sido a primeira praia de nudismo daquela região fronteiriça
com o Egito e a Arábia Saudita, bem perto do Canal de Suez.
A água cristalina e num tom constante
de verde esmeralda fazia as delícias da dupla multinacional. Os dias passavam
sem que houvesse qualquer preocupação, a não ser uma que apareceu quando o estoque
de suprimentos que tinham levado começou a escassear.
Determinada noite foram dormir preocupados,
pois não tinham mais com o que se alimentar no dia seguinte, significando,
assim, que precisariam abandonar aquele lugar paradisíaco. A volta ao centro
urbano mais próximo não parecia a melhor opção.
Manhã seguinte, ao saíram da barraca, tiveram
uma grande surpresa. O mar tinha despejado na areia inúmeras caixas,
provavelmente caídas de alguma embarcação que navegava por aquele movimentado
curso marítimo. Abriram. Uma delas tinha grandes tangerinas de casca amarelada.
A outra estava repleta de latas de sardinha.
Entre agradecimentos a Netuno e à
providência divina, ficaram mais uns dias aproveitando o abençoado laissez-faire, laissez-passer, le monde va de lui-même, não
no sentido do liberalismo econômico, mas na concepção hedonista horaciana do carpe
diem, na paz indescritível do dolce far niente.