domingo, 28 de novembro de 2021

Romantismo

 


         Estive participando de um encontro de casais, a convite de um grupo de amigos, lastreado pelos 43 anos de vida em comum que tenho com minha cara-metade.

 

         Quando cheguei na área rural onde o evento aconteceria, percebi que no ambiente as lâmpadas estavam desligadas e o local iluminado à luz de velas. Na minha santa ignorância perguntei se estava faltando energia elétrica, e me foi dito que não, apenas objetivava-se criar um clima romântico para os participantes.

 

         E me perguntaram se eu acreditava no romantismo. Inicialmente, pensei, rapidamente, em dar uma resposta meramente social, mas num daqueles momentos sinceridade dos quais sou acometido com alguma frequência, respondi:

 

         - Não. Ficou perdido ao longo da estrada.

 

         Obviamente, me referia ao percurso de minha vida, e também ao tempo de convivência familiar, e não aos quilômetros esburacados que tive que transpor para chegar até ao bucólico sítio onde homens e mulheres de todas as idades, com mais ou menos tempo de casados, mesmo sem papel passado, trocavam experiências e buscavam/recebiam orientações para a difícil, e nem sempre prazerosa, arte do bem viver.

 

         Voltemos ao romantismo. Segundo o site www.mundoeducação.uol.com.br, “os românticos apresentam descrições idealizadas do amor, do herói e da mulher, exagerando suas características. A mulher é tida como símbolo de pureza, o amor é retratado como o ideal maior e única possibilidade de realização do sujeito”.

 

         Já para a Wikipédia “o romantismo foi um movimento artístico, político e filosófico surgido nas últimas décadas do século XVIII na Europa que durou por grande parte do século XIX.....O termo romântico refere-se ao movimento estético, ou seja, à tendência idealista ou poética de alguém que carece de sentido objetivo”.

 

         Por sua vez www.todamateria.com.br entende que “o romantismo é um movimento artístico e cultural que privilegia as emoções, a subjetividade e o individualismo. Contrário ao objetivismo e as tradições clássicas de perfeição, ele apresenta uma visão de mundo centrada no ser humano com destaque para as sensações humanas e a liberdade de pensamento”.

 

         Conforme se vê, pode-se entender que o romântico é aquele que vive no mundo da Lua, tapando o Sol com uma peneira, suspirando por uma coisa que não existe, ou melhor, uma utopia ainda inacessível para a humanidade em seu atual estágio evolutivo.

 

Contudo, não se pode olvidar que no tema específico da vida a dois o romantismo pode ter papel importante na construção, tijolinho a tijolinho, do amor que deve unir seres tão diferentes mas que se propõem a ter uma história conjunta. Pelo menos no início, naquela fase de paixões e arroubos que antecede a constância mais equilibrada que somente a experiência proporciona.

 

Nada contra os românticos, mas, da maneira já dito alhures, é melhor, para mim, não perder tempo com esses arrodeios sentimentalistas e ir direto ao assunto, de forma clara e direta.

 

Por isso, conclamo românticos e não românticos: Uni-vos em torno do amor, a força mais poderosa do Universo.

 

 

  

 

        

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

O sino da discórdia

 


         A calmaria dominical foi interrompida por um carro de som. Um estridente locutor conclamava a população a comparecer a um ato público em defesa da liberdade religiosa, contra o comunismo e a favor do direito constitucional de os sinos badalarem.

 

         Explico: um morador da cidade questionou junto à Prefeitura e ao Ministério Público se a Igreja Nossa Senhora da Conceição atendia à legislação pertinente à matéria quanto ao volume e à duração do toque do sino, que acontece diariamente às 6, 9, 12, 15 e 18 horas.

 

         A denúncia tramita nos escaninhos burocráticos, mas já gerou a criação, nas redes sociais, dos movimentos #EuSouAFavorDosSinos e #OSinoNaoPodeParar. Dizem os defensores do badalo de bronze que trata-se de uma ameaça, porque, na sequência, haverá também solicitação para que a própria celebração religiosa seja proibida.

 

         Que tempos vivemos!

 

         A ilação feita em relação ao questionamento do cidadão beira as raias do ridículo, mas nada mais é do que um reflexo do discurso de ódio que permeia a sociedade, como se Maniqueu tivesse novamente ressurgido da Pérsia para implantar a sua doutrina em solos tropicais.

 

         Até me considero um soldado do exército do bem na batalha contra o mal (como diria Zé Ramalho, A peleja do Diabo contra o dono do céu), mas é demais dizer que querer saber se o toque do sino está dentro dos limites de decibéis suportáveis pelo ouvido humano é uma demonstração de que os ateus estão se organizando para fechar as igrejas. Fala sério.

 

         Isso é falta do que fazer. É não saber discernir o errado do certo. É uma visão de mundo completamente distorcida, como se quem não vê as coisas de maneira idêntica à minha estivesse automaticamente condenado ao fogo infernal.

 

         Que os sinos badalem, principalmente quando se avizinha dezembro, o mês de nascimento de Jesus, o Salvador, mas se volume do som estiver fora dos padrões previstos nas normas de regência que seja feita a correção. E pronto, simples assim.

 

         Cuidemos da vida e de coisas realmente importantes, pois não podemos mais perder tempo com picuinhas inúteis que só afastam as pessoas de uma convivência solidária, pacífica e profícua.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Sonhos e saudades - 2

 


         No mesmo dia (11/11/21) em que postei uma crônica com título idêntico, falando das perdas de pessoas queridas e das lembranças que elas deixam, chegou a notícia de que Tio Rogério, irmão mais velho de meu pai, havia falecido, aos 94 anos de idade, enfrentando corajosamente a doença que lhe afligia e mantendo a serenidade e o controle possíveis numa situação daquela.

 

         Aliás, Tio Rogério dizia, com razão, que nem era o mais velho, porque dos quatro filhos do Seu Filogônio e de Dona Valentina, todos nascidos no histórico casarão da rua 7 de Setembro, 415, em Vitória (ele, Renato e Carlos Augustus, que se foram primeiro), o primogênito era Geraldo, que, contudo, não sobreviveu mais do que alguns meses de vida.

 

         Sinceramente, não lembro nada de ruim dele. Só coisa boa. Claro, não era perfeito (como diria Jesus, quem não tiver pecado que atire a primeira pedra), mas as inúmeras qualidades superavam, em muito, os poucos defeitos e os pequenos deslizes. Era daquelas pessoas que nos fazem acreditar que a humanidade ainda tem jeito, pelo carisma, o bom coração e aquela garra de viver positivamente, com alegria e disposição em auxiliar o próximo.

 

         No leito hospitalar, provavelmente já sabendo que tinha poucas chances de escapar, ainda assim não esmorecia, e fez um convite para toda a equipe profissional que lhe atendia para um almoço na casa dele quando tivesse alta. O cardápio seria macarrão com camarão, regado a um bom vinho, uma de suas paixões. Odontólogo de profissão, sabia de tudo um pouco, nos vários campos do conhecimento, e sua memória incrivelmente afiada lembrava pormenores dos acontecimentos nos ditos mínimos detalhes.

 

         Não quis choro e nem vela. Determinou que fosse cremado e as cinzas lançadas ao mar nas proximidades da ilha Rasa, em Guarapari, um dos seus pesqueiros favoritos (aliás, pescar era outra de suas alegrias), local, dizia, “dos peixes grandes”. A cerimônia fúnebre, apesar da tocante emoção presente no ar, rescendia aos mais nobres sentimentos de amor e de amizade, do jeito que ele desejava. Foi atendido.

 

         O pouco conhecido e talentoso sambista Adeilton Alves canta que “viver é uma ciência, que a gente deve aprender, para não chorar, para não sofrer”, pois “quem não amou, quem não chorou, quem não sofreu, passou pela vida mas a vida não viveu”, uma vez que “nem tudo é espinho, ainda existe o amor”.

 

         Nessa arte, Rogério Costa Pacheco foi professor. E dos bons.

 

         Que os ventos da eternidade lhe sejam favoráveis nos mares infinitos por onde navega agora.

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Sonhos e saudades

 


         Tenho tido sonhos recorrentes com gente morta. Melhor dizendo: com aqueles que não estão mais nesse plano material, que desencarnaram e foram para o além. Meu pai e meus inesquecíveis amigos Ivanzinho e José “Azul” Albuquerque são personagens constantes nos meus devaneios oníricos.

 

         O sempre citado psicanalista austríaco Sigmund Freud, em seu livro mais conhecido A interpretação dos sonhos, publicado em 1899, analisa os processos inconscientes, pré-conscientes e conscientes envolvidos nos sonhos, incluindo sonhar, recordar e relatar o sonho.

 

         Freud acreditava que os sonhos são realizações inconscientes de nossas vontades. Sempre que temos algum desejo ao qual não podemos realizar, o escondemos, a fim de esquecê-lo, o recalcando. Contudo, esse desejo continua a existir em determinado lugar e continua a criar efeitos em nós, como os sonhos.

 

         Entretanto, essa abordagem é muito “papo cabeça” para mim, mero aprendiz de escritor e totalmente leigo nesse ponto em particular: a psicanálise. No mais famoso dos “sábios” da atualidade, o Dr. Google, existem diversos sites que desvendam, sem maiores delongas, e talvez (com certeza) sem tanta profundidade, os mistérios dos sonhos.

 

         Ao pesquisar “significado de sonhar com pessoas que já morreram” encontrei inúmeras respostas, entre elas: problemas e desavenças num futuro próximo; deixar de lado amargura e tristeza; maneira de o falecido se comunicar com você; largar o passado e pensar no futuro; sentimentos de culpa em relação ao de cujus; cuidar melhor das amizades; dificuldade em aceitar uma perda.

 

         Bom, na realidade, não sei dizer ainda quem tem razão, até porque acordo lembrando que sonhava com alguém, A ou B, mas as imagens que vivenciava naqueles momentos somem da memória rapidamente. Algumas vezes lembro do sonho completo, e até do que foi conversado. Talvez seja, nessas ocasiões, o que os estudiosos do tema chamam de “sonho lúcido”, que é um termo criado pelo holandês Frederik Willems van Eeden, no início do século XX, e se refere à percepção consciente de uma pessoa identificar que está em estado de sonho, que está tendo uma experiência no mundo do inconsciente e não na realidade física, resultando em uma recordação nítida/lúcida daquele instante.

 

         Pois é. Tantas coisas para estudar, tantas coisas para aprender. Espero por noites mais tranquilas. Que Hipnos, o deus do sono na mitologia grega, possa me conceder sempre um descanso tranquilo, para que Morfeu, responsável pelos sonhos, conduza a viagem astral sem turbulências, até o dia em que Tânatos, que personifica a morte, venha cumprir sua inevitável missão de libertar os humanos da carne aprisionante.

 

         Assim seja!

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Infância

 


         Quando aquele rapaz latino-americano nascido no Ceará cantava “eu era alegre como um rio/Um bicho, um bando de pardais/Como um galo, quando havia.../Quando havia galos, noites e quintais” (Galos, noites e quintais  - Belchior) os tempos eram mais, digamos, amenos, ou, pelo menos, não havia tanta radicalização solta no ar.

 

         Não é que eu seja saudosista, mas esse mundo tecnológico parece demasiadamente frio para quem teve oportunidade de jogar bola no meio da rua, brincar de pique entre árvores e descer de carrinho de rolimã uma ladeira de paralelepípedos. Acredito que esse jeito mais natural ainda persista em algum rincão, mas não é mais o “novo normal”.

 

         Entretanto, entendo que, ao jeito de cada um, as crianças e jovens contemporâneas também têm uma maneira de ser felizes. Faz parte, a meu ver, do caminho de todas as coisas, no sentido de conduzir a humanidade para seu destino universalmente traçado. Computadores, celulares, tabletes e jogos eletrônicos cumprem seu papel neste avanço inexorável.

 

         Faço essa pequeno arrodeio tão somente para narrar uma lembrança infanto-juvenil que não é minha, mas de uma pessoa querida, na época em que havia “galos, noites e quintais”.

 

         Era uma turma, para não dizer bando, de meninos e meninas que morava na rua Eugênio Neto, na Praia do Canto (antiga Praia Comprida), quando o mar ainda chegava até a beirada da avenida Saturnino de Britto, o engenheiro que deu início à expansão urbana da capital capixaba. O bairro era exclusivamente residencial, com moradias grandes e amplos terrenos, onde as famílias tinham pomares e hortas.

 

         Ali, todos se conheciam e os vizinhos mantinham relacionamentos estreitos, que eram ampliados pela convivência diária dos filhos e filhas. Numa daquelas casas, de migrantes italianos, havia uma nonna ainda bastante ativa e que cultivava uma parreira com especial dedicação. A videira se espalhava, como toda trepadeira, e, por conta dos cuidados que recebia, era abundante em frutos.

 

         Na época da safra, a notícia se espalhava e crianças aos montes acorriam para aproveitar aquela dádiva da Natureza. Contudo, tinha um porém. A vetusta senhora não queria ninguém por perto do seu pé de uva e, por isso, a garotada precisava esperar que ela estivesse ausente ou dormindo para degustar da fruta.

 

         Mesmo assim, aqui e acolá o flagrante acontecia e da forma mais inusitada. Vovó jogava baldes de água fria nos ladrõezinhos e ainda corria atrás deles com uma ameaçadora vassoura nas mãos. Tinha deles que nem faziam questão de comer, gostavam mesmo era da bagunça.

 

         E aqui para nós: acho que todo aquele movimento era uma festa também para a nonna, que se divertia com a adrenalina da vida pulsando nas veias.

 

         Tempos felizes. Aqueles que passaram, os atuais e os futuros.