segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Leituras (atualizações)

 


        Enquanto políticos de todos os naipes e matizes, tanto do Executivo quando do Legislativo, e alguns vagalumes e mariposas do Judiciário (aqueles que gostam dos holofotes midiáticos) não decidem se a pandemia acabou ou não, continuo com minha saga literária, procurando manter a média mensal de ler dois livros.

 

          Destaco, atualmente, os seguintes volumes que estão empilhados na mesinha ao lado da minha cama:

 

Quincas Borba – clássico de Machado de Assis numa edição escolar da Editora Ática. A obra foi publicada inicialmente na revista “A Estação”, entre 15 de junho de 1886 e 15 de setembro de 1891, quando apareceu em forma de livro através da Editora Garnier. Integra a chamada segunda fase da ficção machadiana. Recomendo.

 

DMT – A molécula do espírito – publicação da Editora Pedra Nova, trata-se de uma pesquisa do médico Rick Strassman na qual é abordada a biologia de quase-morte e as experiências místicas daí decorrentes. Não é uma obra difícil de ler, apesar da explicação técnica, exposta, porém, num linguajar acessível a todos. O DMT é uma substância química derivada de plantas, mas que também é produzida no cérebro humano, usada pelos índios da Amazônia. Seriedade e conteúdo do início ao fim.

 

O livro aberto (leituras da Bíblia) – autoria de Frederico Lourenço, publicação da Oficina. O autor é português, doutor em Literatura e professor da Universidade de Coimbra. Fininho, este trabalho, nas palavras prefaciais do próprio escritor, procura apresentar uma visão diferenciada das Escrituras Sagradas, “um texto que, no seu melhor, é de riqueza inesgotável, de ímpar magnificência expressiva, e onde encontramos do mais arrebatador e do mais comovente que a mente humana alguma vez terá conseguido imaginar”.

 

Strange fruit – mais um livro com poucas páginas, este de autoria do jornalista especialista em música David Margolick, mas de grande significado. Conta como surgiu e o contexto histórico e social da canção que dá título à obra, um dos primeiros grandes sucessos da cantora Billie Holiday. A música foi um marco na luta contra o racismo nos Estados Unidos, pois fala de um linchamento ocorrido no sul daquele país e da “estranha fruta” que ficou balançando no galho da árvore (o corpo da vítima). Doloroso.

 

As cidades invisíveis – em tradução de Diogo Mainardi, a Companhia das Letras lançou este trabalho do filósofo italiano nascido em Cuba, já falecido, Ítalo Calvino. Ele considera o livro como “aquele em que penso haver dito mais coisas”. É uma reflexão em que a cidade deixa de ser um conceito geográfico ou urbanístico para se tornar o símbolo complexo e inesgotável da existência humana. Feito para estimular o pensamento.

 

          Assim, enquanto a vacina (eficaz) não vem, seja ela de qual origem for, aproveitemos o tempo livro para estudar, pois aprimorar o conhecimento nunca é demais.

 

A falta dele é que se torna prejudicial.

 

         

         

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Língua solta

 


          Estava tudo preparado, e não havia margem para erro.

 

          Durante três meses guardaram o dinheiro necessário. A mesada não foi usada para nenhuma outra coisa, a não ser ficar no porquinho especialmente reservado para esta finalidade. Toda semana era feita a contagem. A ansiedade crescia na medida em que as notas acumuladas se aproximavam do valor do qual precisavam.

 

          Para os dois primos seria a maior aventura já realizada naqueles primeiros quinze anos de vida, em pleno anos 90. Nada podia ser comparado. Iriam a uma casa de massagens, eufemismo para designar os modernos pontos de prostituição que, nos grandes centros urbanos, atendiam homens de todas as faixas etárias.

 

          Já tinham feito uma sondagem inicial em relação aos custos, e o porteiro garantiu que mediante um ajuda “para a cervejinha” faria vista grossa ao fato de ambos serem menores de idade. Nem imaginavam como seria lá dentro, mas somente tinham certeza de uma coisa: queriam sentir o calor de um corpo feminino, mesmo tendo que pagar para isso.

 

          Na hora aprazada se encontraram na portaria do prédio de um deles. Com o coração pulando mais do que cabrito novo iniciaram a caminhada de mais ou menos três quarteirões até a casa de tolerância. Lá, entregaram ao leão-de-chácara uma “garoupa” e tiveram acesso ao interior do bordel, onde luzes coloridas meio que escondiam, meio que revelavam o corpo de uma mulher despida que dançava numa pista de dança improvisada.

 

          Rapidamente, pois tinham sido avisados que, para evitar um possível flagrante policial, não podiam demorar, acertaram o programa com duas entediadas garotas de idade indefinida, por conta da pesada maquiagem, e foram cada um para os seus respectivos quartos, onde, sem muita experiência, mas com o ímpeto natural da juventude carregada de hormônios, passaram a conhecer os ditos prazeres da carne.

 

          Tudo resolvido, pagamento realizado, voltaram à calçada com aquela sensação de que logo iriam querer mais. Antes, porém, precisavam acertar o que diriam aos pais, já que um dos primos iria passar a noite na residência do outro. Ficou decidido, assim, que à pergunta inevitável dos familiares falariam que estavam retornando do cinema.

 

          Quando entraram no apartamento foram surpreendidos pela dona da casa, que, assistindo a um filme na televisão, estava espalhada no sofá da sala como se não tivesse outra coisa a fazer na vida a não ser esperar pela volta dos dois.

 

          - Estão vindo de onde? – foi a pergunta indesejada.

 

          De supetão, num ato falho que acabou com tudo o que tinha sido anteriormente combinado, o filho, para desespero do primo, despejou:

 

          - Mãe, fomos num puteiro!

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Falar e calar

 


          Às vezes as pessoas se consideram sinceras, pois falam o que querem, na hora que querem e do jeito que querem.

 

          Entretanto, em muitas dessas ocasiões trata-se, sem dúvida, apenas de ignorância e falta de educação.

 

          Falar a verdade é bom e importante. Porém, para dizê-la é necessário lugar e hora. Uma verdade dita fora de um contexto adequado é recebida pelo interlocutor como uma agressão e não cumpre seu objetivo maior, de orientar e solucionar problemas e conflitos.

 

          Nessas ocasiões, é melhor calar e esperar a oportunidade em que aquele a quem se destina a mensagem está com ouvidos receptivos a recebê-la. Assim, é grande a possibilidade de que o conteúdo será devidamente processado, entendido e colocado em prática.

 

          Escolas místicas de diversos campos do conhecimento esotérico ensinam que lidar com gente é o trabalho mais difícil que existe. Cada um tem seu próprio entendimento das coisas, e quando a criatura coloca na cabeça que está certo, acima de tudo e de todos, haja paciência, né mesmo?

 

          Alcançar uma consciência comum em benefício da coletividade é o grande objetivo ao qual deveríamos nos dedicar. Se hoje não se vê nos líderes mundiais essa intenção, vamos cuidar de nós mesmos, no varejo dos nossos relacionamentos.

 

          Feliz quem tem amigos que podem nos mostrar nossas falhas, e que aceitam ouvir aconselhamentos sobre seus próprios erros. No dizer de Frejat, em Amor pra recomeçar: “Eu te desejo muitos amigos/Mas que em um você possa confiar”.

 

          Portanto, existe hora para falar e hora para calar. Saber discernir o momento certo de cada um é que o grande aprendizado diário da convivência humana e faz a vida prazerosa. Não esquecendo, é claro, que o tom da voz e a escolha das palavras certas são aspectos também fundamentais nessa equação.

 

          Inexiste um manual com um passo a passo indicando o melhor caminho a proceder. O que vale mesmo é o aprendizado que a experiência traz, entre erros e acertos. Se soubesse disso tempos atrás não teria sido motivo de mágoas de tantos. Por isso que Deus deu ao homem dois ouvidos, dois olhos e uma boca para vermos e ouvirmos duas vezes mais do que falamos.

 

          Brincadeira? Parece, mas não é.

 

         

domingo, 15 de novembro de 2020

Vilarejo

 


          Zapeando sem compromisso os canais da televisão aberta parei um pouco para assistir uma reportagem (desculpe, não prestei atenção em qual emissora ou programa) sobre uma festa tradicional que imigrantes portugueses realizam num determinado local do Brasil lembrando a terra de origem, tudo com muita dança e alimentos típicos.

 

          Uma simpática lusitana entrevistada, com mais de 40 anos vivendo neste paraíso tropical, em resposta à pergunta sobre o que mais tinha saudades de Portugal, falou que era o povoado onde havia nascido e passado a infância e parte da adolescência, em que todos se conheciam e o sentimento de comunidade era latente.

 

          Continuei a girar os canais, mas fiquei pensando no assunto, como as nossas raízes são importantes, pois, na maioria das vezes, lastreiam toda uma vida futura, por conta de vivências, sentimentos e amizades que perduram por anos.

 

          Fala-se, por exemplo, que, na realidade, a essência de todas as coisas é una, o micro representa, em escala proporcional, é claro, o que está contido no macro. No dizer da escola atribuída a Hermes Trismegisto, o Três Vezes Grande, sábio egípcio reverenciado por muitos alquimistas, neoplatônicos e místicos, “o que está em cima é como o que está embaixo” (Lei da Correspondência – uma das setes que teriam sido fixadas pelo filósofo no livro Caibalion).

 

          Tudo isso talvez seja muito papo cabeça, mas exprime, salvo melhor juízo, a relatividade das coisas. Afinal, o ser humano pode fazer de seu vilarejo – seja o de nascimento, seja o de residência – o centro de universo. Um amigo mudou-se recentemente para outra cidade, em outro Estado. Passou a considerar o novo domicílio “o melhor lugar do mundo”. Por quê? “Ora, porque é lá que estou morando”.

 

          Neste planeta tão grande e com tantos lugares incríveis, viver numa metrópole de milhões de habitantes ou numa remota localidade do Círculo Ártico, até mesmo numa pequena ilha escondida no meio do oceano, talvez nem faça diferença para um homem ou uma mulher obter felicidade, ter paz interior e entender que fios invisíveis nos mantêm conectados de forma imperceptível porém permanente.

 

          A dura realidade cotidiana não favorece muito compreender essa conectividade. Mas a gente querendo ou não, sabendo ou não, as coisas se movimentam conforme uma organização além da nossa compreensão. Afinal, o universo não quer saber de nenhuma mazela material, simplesmente cumpre o seu destino inexoravelmente.

 

          Enquanto isso, tal e qual a saudosa patrícia, a vida segue, entre uma lembrança e outra, mas sempre em frente, para que, ao final, tudo se conclua do jeito que é para ser.

 

          Mas que vontade de voltar à terrinha.

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Viver a vida

 

          Um amigo meu, já acima dos 65 anos, começou a falar sobre o que deixar para filhos, netos e bisnetos. Não bens materiais, pois ele, espírita que é, sabe que esses não são perenes e pouco representam ao longo dos tempos.

 

          Sua preocupação é com seu nome, sua imagem e lembranças que a família e aqueles que o conhecem poderão ter quando a morte tomar conta do corpo material. A construção de uma história de vida exige muito esforço e determinação. Poucos são aqueles, homens e mulheres, que envelhecem sem arrependimentos, que podem dizer que nunca magoaram ninguém ou mesmo que foram 100% corretos em todas as suas atitudes.

 

          A coisa mais difícil que existe é o relacionamento humano. Viver em comunidade, mesmo que esse convívio seja restrito apenas às pessoas que habitam a mesma casa, demanda esforços diuturnos e esmeros imensuráveis com o que se diz e o que se faz. Quebrar uma harmonia aparente é mais rápido do que estalar os dedos. Basta uma palavra dita fora do contexto. Basta um gesto impensado. Basta um olhar descuidado.

 

          Ninguém passa por este planeta impune. Qualquer ação tem suas consequências. Por isso, já diz o ditado popular de grande sabedoria: Todo cuidado é pouco. Atualmente, é sabido que impera na humanidade, de uma maneira geral, a regra de se procurar levar vantagem em tudo, onde os mais fortes política e economicamente oprimem os mais fracos. Esquece-se a ética para dar-se vazão aos conceitos resumidos em outro dito também muito conhecido: Farinha pouca, meu pirão primeiro.

 

          Dizem que a atual situação pandêmica ocasionada pelo novo coronavírus tornou as pessoas mais solidárias. Pensava dessa maneira. Agora, tenho minhas dúvidas. Basta ver a recente polêmica sobre a vacina que servirá para imunizar a todos – adultos, jovens e crianças, pobres e ricos, pretos e brancos. Políticos preocupados somente com o próprio ego digladiam em detrimento do bem-estar comum.

 

          Mas, voltando à vaca fria. Sem dúvida, uma existência digna e honrada, mesmo que anônima, é o melhor legado que se pode deixar aos descendentes. Viver é bom, mas saber viver é melhor ainda.

 

Meu amigo, acredito, é um digno exemplo disso, pois mesmo os tropeços juvenis não impediram que chegasse à terceira idade, ou como queiram chamá-la, ciente de que contribuiu para tornar o mundo melhor e pode dormir toda noite tranquilamente.

 

Eu também quero fazer a minha parte, e merecer, quando chegar a minha hora de partir, uma palavra amiga, amorosa e sincera dos que ficarem, pois “quando a saudade for por mim a preferida/não há remorsos a cruzar os passos meus” (Bendito seja, composição de Alba e imortalizada na voz marcante de Marinês).

 

Que Deus permita!

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Terapias

 

          Desde que me entendo por gente gosto de coisas naturais e terapias alternativas para prevenção e tratamento da minha saúde, sem desmerecer o conhecimento científico inerente à Medicina tradicional, até porque muitos desses métodos antigamente tidos como falsos já foram incorporados à prática profissional e ao estudo acadêmico dos médicos, como homeopatia e acupuntura, por exemplo.

 

          Homeopatia, medicina tradicional chinesa, florais, acupuntura, musicoterapia, naturopatia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki, yoga, barra de access, cromoterapia, fitoterapia, do-in, shiatsu e reflexologia, entre outras, são algumas das opções disponíveis atualmente. Muitas dessas já experimentei, com resultados, na maioria das vezes, satisfatórios.

 

          Até o Ministério da Saúde abriu as portas para esses procedimentos, pois desde 2018 o Sistema Único de Saúde - SUS atende pacientes usando dez terapias alternativas. São elas: apiterapia, aromaterapia, bioenergética, constelação familiar, cromoterapia, geoterapia, hipnoterapia, imposição de mãos, ozonioterapia e terapia de florais.

 

          Conheci uma esses dias que, para mim, foi novidade. Trata-se da terapia craniossacral, também chamada TCS ou Terapia CranioSacral usada por fisioterapeutas, massoterapeutas, naturopatas, quiropatas e osteopatas. É uma terapia manual dedicada ao diagnóstico e tratamento por meio de toques suaves e precisos nos ossos da cabeça, coluna vertebral e sacro, melhorando o funcionamento do sistema nervoso central, e consequentemente, ativando a capacidade de auto cura do corpo.

 

          Tudo começou no século passado, quando o dr. William Sutherland, médico nascido nos Estados Unidos, observou que os ossos do crânio têm movimentos, desenvolvendo, assim, um sistema de avaliação e tratamento conhecido por Osteopatia Craniana. Posteriormente, o dr. John Upledger, também clínico norte-americano, aprofundou e ampliou as ideias do seu conterrâneo provando cientificamente a existência do sistema craniossacral e institucionalizando a Terapia CranioSacral, explicada em muitos livros que escreveu (o mais conhecido é Seu médico interno e você) e formalizando o método no Instituto Upledger, que funciona desde 1985 e tem representantes no mundo todo, inclusive no Brasil, mais precisamente em Teresópolis/RJ.

 

          Pois bem. Indicado por um amigo fui lá. O atendimento dura quase uma hora (não marquei o tempo exato). A pessoa fica deitada numa maca e o(a) profissional dá algumas explicações iniciais e começa o trabalho, passando a pressionar suavemente partes do corpo do paciente desde a cabeça até a sola dos pés, algumas vezes voltando ao mesmo ponto anteriormente trabalhado. No ambiente, ouve-se música instrumental.    

 

          De olhos fechados, visualizei muitas cores, em diversos tons e matizes. Em determinado momento, tive a impressão de ver, ao longe, uma rosa. Não senti dor. Somente um pequeno desconforto porque achei a maca muito estreita. Concluído o trabalho, vim andando para casa (o consultório fica perto) me sentindo um pouco diferente, como se estivesse meio aéreo ou mesmo flutuando. As pernas pareciam bambas.

 

          O interessante é que olhava as pessoas como se as conhecesse, como se todas fossem minhas amigas, a quem poderia parar e conversar. O bem-estar generalizado me surpreendeu. Era horário de almoço, mas não sentia fome. Aliás, nem comi nada depois, parecendo saciado física e emocionalmente.

 

Gostei. Vou voltar. Nesse ritmo, acho que depois de umas três ou quatro vezes, é capaz até de que consiga, finalmente, emagrecer, além, é óbvio, brincadeiras à parte, de outros benefícios mais nobres.

 

Pode não ser uma panaceia, mas recomendo. O trem é bom, sô!

 

 


domingo, 1 de novembro de 2020

Novembro

 

E 2020 caminha célere para o seu final.

 

Quase 365 dias já se passaram, dos quais mais da metade limitados pela quarentena por conta do novo coronavírus.

 

Um período histórico inédito para toda a humanidade. Na vontade de muita gente, um ano para ser esquecido.

 

        Contudo, vejo diferente.

 

          Quanto mais lembrarmos da Covid-19 mais poderemos aprender (e praticar) as lições que a pandemia nos trouxe, até porque não existe ainda certeza de que o perigo acabou.

 

          Neste sentido, faço minhas as sábias palavras da magistral escritora chilena Isabel Allende, em recente entrevista, que vive nos Estados Unidos há três décadas. Com 78 anos, ela garante que não tem medo da morte, que considera “uma transição, um limiar, que olho com curiosidade”.

 

          A autora de A Casa dos Espíritos, entre outras obras, acredita que “nunca foi tão claro para mim que preciso de muito pouco para viver. Não preciso comprar, não preciso de mais roupas, não preciso de ir a lugar nenhum, nem viajar, agora vejo que tenho coisas a mais. Não preciso de mais de dois pratos”.

 

          Verdadeira cidadã do mundo (nasceu no Peru e, também, tem nacionalidade norte-americana), quando questionada sobe o ensinamento do momento atual para as pessoas de um modo em geral, afirma: “Ensina-nos a fazer a triagem das prioridades e mostra-nos a realidade. Sublinha a desigualdade de oportunidades e recursos em que vive a sociedade globalmente. Alguns passam a pandemia num iate nas Caraíbas, e outros passam fome, nas ruas ou em casas fechadas”.

 

          Considerada a escritora viva de língua espanhola mais lida do mundo (seus 22 livros já foram traduzidos para 35 idiomas), Isabel Allende entende que “somos uma grande família. O que acontece em Wuhan tem reflexo no planeta inteiro. Não existem muralhas ou paredes que possam separar as pessoas. O vírus convidou-nos a desenhar um novo futuro. Estamos todos ligados”.

 

          Lúcida, acrescenta: “Percebi que viemos ao mundo para perder tudo. Quanto mais vives, mais perdes. Primeiro perdes os teus pais ou pessoas muito queridas, os teus animais de estimação, alguns lugares e depois lentamente vais perdendo as tuas próprias faculdades físicas e mentais. Não podemos viver com medo. O medo estimula um futuro negro para ser vivido no presente. É necessário relaxar e apreciar o que temos e viver no presente”.

 

          E finaliza: “O que essa pandemia tem me ensinado é me libertar das coisas. Nunca foi tão claro para mim que preciso de muito pouco para viver. Começo a perceber quem são os verdadeiros amigos, as pessoas com quem eu quero estar”.

 

          O óbvio revelado, mas que estava oculto para muitos. Foi preciso uma situação extremada para que os povos de todos os cantos do mundo procurassem uma conexão maior com algo superior, indefinido, mas que é sentido, como se palpitasse junto a nós. A certeza de nossa pequenez desvendada por uma patologia surpreendente, que não discrimina ricos ou pobres, brancos ou negros, ateus ou crentes.

 

          Ao final de tudo (quando será, pois já se fala numa segunda onda?) o que emergirá do que sobrar? Coisa melhor, espero ver e poder contar.

 

          Felicidades para todos.