sábado, 29 de fevereiro de 2020

Beijo turbinado




          Vivia-se a década de 70 quando a Organização dos Países Exportadores de Petróleo pegou o mundo de surpresa ao anunciar um aumento de aproximadamente 400% no preço do barril do combustível fóssil mais utilizado no planeta.

          Naquela época, 68% do óleo consumido no Brasil era importado. Sem outra alternativa, o presidente Ernesto Geisel assinou um decreto proibindo o funcionamento dos postos de abastecimento das 23h às 6h, de segunda a sexta-feira, e o fechamento total aos sábados, domingos e feriados nacionais (leia mais: https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/filas-em-postos-de-gasolina-do-pais-se-tornaram-frequentes-nos-anos-70-22725432#ixzz6FLk9K6FI).

          Era janeiro de 1977, no auge do verão.

          Praias lotadas, barzinhos cheios e o povo procurando se adaptar à novidade, entre uma paquera e outra. E aí é que estava o problema.

          Todo mundo da turma na faixa dos vinte anos com níveis de testosterona altíssimos. A maioria morando com os pais, e a opção para encontros mais calientes eram os motéis, que ficavam afastados da área urbana, ou seja, dependia-se de gasolina nos carros para dar vazão aos anseios juvenis.

          A situação ocasionou o seguinte acontecimento:

          Depois de alguns meses de idas e vindas, o mancebo conseguiu convencer a donzela de que estava apenas cheio de boas intenções e a jovem aceitou o convite para uma tarde a sós. Combinado dia e hora, surgiu a questão de como chegar ao local onde tudo seria “só love”, pois não tinha abastecido seu veículo e, por ser final de semana, as bombas estavam fechadas.

          Numa situação de total emergência não se podia vacilar. Afinal, não havia como desperdiçar a chance, que talvez fosse única. Lembrou-se de que o pai havia colocado gasolina no carro dele. Munido de uma mangueira e um vasilhame de cinco litros “puxou” do tanque a quantidade que julgou necessária para o trajeto de ida e volta ao motel. Na ânsia de resolver a situação, acabou engolindo alguns goles do líquido precioso.

          Sem se preocupar com mais nada, foi buscar a moça e rumou em direção ao paraíso. Chegando lá, após alguns momentos iniciais, digamos, preparatórios, resolveu dar nela um beijo ardente que demonstrasse, sem sombra de dúvidas, toda a paixão que lhe consumia. E mandou ver.

          Para sua surpresa, foi imediatamente empurrado e quase caiu da cama. A garota, após cuspir duas ou três vezes, exclamou:

          - É pura gasolina!

          E quase que foi viagem perdida.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Muvuca. De novo




        E eis que os ventos carnavalescos trouxeram novamente a horda de invasores.

       Praias lotadas, trânsito insuportável, ruas interditadas para a folia de Momo e sujeira para todo lado. Quem anda de manhã cedinho no calçadão (conforme é meu caso, às vezes) se depara com a prova da incivilidade desse povo: garrafas espalhadas (algumas até quebradas), copos descartáveis, sacos plásticos e outros tipos de lixo. Tudo jogado no chão. Os garis da Prefeitura têm trabalho dobrado.

     Mineiros, cariocas e paulistas, além dos próprios capixabas, contribuem para a bagunça. As placas dos carros (a não ser aquelas novas, do Mercosul) indicam a origem dos baderneiros (não todos os visitantes, é claro): Muriaé/MG, Campos dos Goytacazes/RJ, Barueri/SP, Belo Horizonte/MG, Itabapoana/RJ e outras inúmeras localidades, sem contar as próprias cidades do Espírito Santo, tipo Serra, Viana, Cariacica, Linhares, Colatina, etc.

        Porém, as campeãs de distância foram duas urbes de pontos extremos do Brasil: Alta Floresta do Oeste/RO e São Francisco do Sul/SC, que também tem praia. Da primeira até Guarapari são exatos 3.267 quilômetros rodoviários, numa viagem com duração média de 45 horas. Do balneário catarinense são necessárias 19 horas, aproximadamente, para percorrer a distância de 1.468 km.

          É muita vontade de pular o Carnaval fora de casa.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Vida que segue




          Vinha eu trotando numa manhã dessas pelo calçadão da orla central de Guarapari. Era cedo ainda.

          Quando consigo madrugar, vejo sempre na praça do antigo Radium Hotel um grupo de jovens mais antigos (para não dizer idosos ou terceira idade ou melhor idade) fazendo ginástica. Eles formam um círculo – são, calculei, umas 20 pessoas, entre homens e mulheres – em torno do instrutor e mandam ver em exercícios leves e ritmados.

          Segui em frente no meu trajeto até a praia das Virtudes e mais além. Na volta, pela primeira vez, coincidiu que ao passar novamente em frente ao Radium Hotel aqueles atletas bem dispostos estavam concluindo a jornada matinal de atividade física.

          Tinham se dado as mãos. Parei para ver. E escutar. Contritos, rezavam o Pai Nosso, a belíssima oração que Jesus ensinou a seus discípulos no Sermão da Montanha. Em seguida, entoaram a Ave Maria. Na conclusão, cantaram o Hino de Guarapari (“Quer viver o sonho lindo/Que eu vivi/Vá viver a maravilha/De Guarapari...”). Em seguida, aplaudiram a eles mesmos.

          Enfim, fiquei imaginando. Na realidade, mesmo, todo mundo só quer ser feliz. E a felicidade está nessas coisas simples e diárias, em que as pessoas se encontram, fazem algo juntas, se divertem, têm um momento de religiosidade e vão em busca de seus afazeres (mesmo que não tenham nada para fazer) até o outro dia, quando voltarão e repetirão tudo novamente.

           Muitos se sentem presos na rotina, como se fosse um cárcere do qual precisam se livrar a todo custo. Me parece um engano. A natureza, sempre ensinando, está repleta de atividades rotineiras, a começar pelo Sol, que cumpre seu trajeto celestial da mesma maneira, sem falhar nenhuma vez, por milhares de anos.

          As marés vão e voltam num ritmo constante e ininterrupto. As estações (verão, outono, inverno, primavera) se repetem ano após ano. Os pássaros cantam com as primeiras luzes do dia, e buscam abrigo no anoitecer. Mangueiras sempre dão mangas, e quem plantou laranja não pode colher limão.

          Assim o tempo flui inexoravelmente, queiramos ou não. Sejamos sensatos o suficiente para aceitarmos essa realidade. O Universo segue seu fluxo de forma inabalável, e que cabe a nós entender seu ritmo e compreender seus sinais.

          A fila anda, e vida que segue!

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Amor de mãe





Dizem que nada se compara ao amor de uma mãe por seus filhos.

É dito ainda que não importa a idade da “criança”, que a genitora sempre vai considerar o filho ou filha como aquela pequena criatura que gerou ao longo de nove meses.

Aliás, dentro do mesmo assunto, lembrei do ocorrido com um grande amigo meu que recebeu, ao nascer, o mesmo nome do pai, ficando conhecido por mais de 40 anos como Júnior.

Um belo dia, achando que já tinha idade suficiente para deixar de ser “júnior” – àquela altura do campeonato estava mais para “sênior” – resolveu que doravante somente atenderia a quem lhe chamasse por um dos seus sobrenomes (não vou relevar o nome do santo).

Resolveu telefonar para a sua mãe (o pai já tinha falecido) e comunicar-lhe o que havia resolvido. Ela, logo ao atender o telefone, reconheceu a voz do filho e perguntou:

- Oi, Júnior, tudo bem?

Em resposta, o ex-júnior informou da decisão que havia tomado com tanta convicção.

A matriarca, porém, não se deixou convencer e encerrou a conversa de maneira firme e decidida, dizendo:

- Deixa de besteira, para mim você vai ser sempre Júnior.

Pois é. Amor de mãe é assim.

Mas me veio a ideia de escrever esta crônica por conta de um acontecido que presenciei num domingo ensolarado de praia.

Grupo de amigos reunidos, cada um conversando os papos cabeça de momento e, ao mesmo tempo, de olho na criançada correndo e brincando na areia. Repentinamente, um deles dá por falta da pequena filha de pouco mais de 3 anos de idade, que estava, “naquele instante”, bem ali perto.

A mãe, quando percebeu o movimento, ficou transtornada. Numa fração de segundo, a sua expressão se transformou. Os olhos, arregalados, procuravam com sofreguidão a menina no meio das dezenas de pessoas espalhadas na areia.

Qual fera acuada, buscava dar o bote em quem poderia ter se apoderado da pequerrucha. Porém, para alívio geral, avistou a menina nos ombros de um guarda vidas (a técnica recomenda que criança perdida seja colocada no alto para facilitar a visualização dos pais). Correu em sua direção e voltou aliviada, já mostrando nas feições quase a mesma tranquilidade de antes.

Naturalmente, o maridão não escapou de um puxão de orelhas. Afinal, amor de mãe é uma coisa sublime, mas amor de esposo e esposa é diferente. Aqui e acolá tem seus percalços.

Mas isto é outro assunto.