terça-feira, 31 de maio de 2011

Aventura nos Andes - II

Conhecer a região andina e o Oceano Pacífico foi uma experiência fascinante, não só pelo aspecto profissional (fiz uma reportagem que rendeu um caderno especial de oito páginas, com fotos de minha autoria), mas também no lado pessoal, de cidadão do mundo, conforme me considero. Sou daqueles que acredita num planeta sem fronteiras. Quem viver, verá.
Os habitantes do Peru e da Bolívia não têm, ou pelo menos não percebi naquela época, a miscigenação existente no Brasil. Pejorativamente às vezes chamamo-os de índios, mas isso, para eles, acredito, deve ser até um elogio, pois mantêm uma unidade cultural e linguística muito interessante. Me perdoem os sociólogos e antropólogos por ousar ingressar nessas áreas científicas, mas a minha impressão é que eles possuem uma noção de povo que talvez ainda falte no Brasil.
Afinal, quando os espanhóis chegaram lá e fizeram aquela devastação toda, os habitantes dos Andes já tinham culturas milenares com conhecimentos avançados, conforme as descobertas arqueológicas vêm demonstrando, enquanto os nativos brasileiros viviam de uma maneira bem rudimentar. Nenhum menosprezo quanto a isto, posto que, a meu ver, toda civilização tem seu momento histórico próprio, em face de circunstâncias ambientais e geográficas.
Andar pelas ruas e praças de Cuzco me causou uma sensação tão agradável que eu me senti como se estivesse em casa. Todas aquelas construções, o semblante das pessoas, os monumentos me deixaram fascinado. Poderia ficar horas simplesmente apreciando tudo aquilo, como num transe espiritual de volta ao passado.
A ida a Machu Picchu, de trem, foi algo inesquecível. A paisagem da janela me era estranhamente familiar. Tivemos o privilégio de visitar a antiga cidade perdida dos incas sem a presença de nenhum turista (além da gente mesmo, é claro), pois a caravana da qual fazia parte (vide texto anterior) tinha cunho oficial e diplomático. Foi uma maravilha simplesmente sentar à sombra de uma árvore e respirar o ar puro daquelas velhas montanhas. 
Outro momento especial aconteceu na fronteira peruana/boliviana, às margens do lago Titicaca, considerado o mais alto do mundo. Em suas águas nasce um junco chamado tótora, que é usado para construir barcos e pequenas ilhas flutuantes, onde moram quatro ou cinco famílias. As raízes servem de base e os caules de solo. De tempos em tempos, novas camadas são adicionadas. Estive numa delas. A planta parece que tem a propriedade de reter calor, porque a mais de 3.800 metros acima do nível do mar tive que tirar os casacos tamanha a quentura.
La Paz, sede do governo da Bolívia, é a capital sul-americana de maior altitude (3.640 metros). O nome completo é Nuestra Señora de La Paz. É outro sítio urbano andino cheio de atrações, fundado em 1548 e que também marca as retinas e memórias dos visitantes. E entre uma cidade maior e outra, as pequenas vilas não escondem seus atrativos, tanto na parte amazônica daqueles países, quanto no planalto andino.
No meio florestal, existe bastante semelhança com os cablocos nortistas de Rondônia, Acre e Amazonas, seja no modo de viver, seja no aproveitamento dos recursos naturais da floresta. Já nas regiões mais altas, muitas casas são de pedras, cobertas de madeira. Outras, como não poderia deixar de ser no terceiro mundo, de barro e palha. As vestimentas são coloridas e alegres, talvez para contrastar com a aridez da região.
No porto de Ilo, em pleno Oceano Pacífico, o litoral é muito cheio de pedras e não foi possível tomar banho, mesmo porque a temperatura não estava das mais altas, principalmente para os padrões de quem vive em Porto Velho. Só molhei as mãos na água.
Espero ter a oportunidade de voltar um dia àqueles locais, principalmente Cuzco e Machu Picchu, e, naturalmente, não só lá, mas em outros países, porque viajar é bom demais. Antes que alguém faça algum comentário, cumpre esclarecer que conheço quase todos os estados brasileiros, o que me dá algum crédito para almejar a América do Sul, Europa, Ásia, Oceânia e adjacências.
Em tempo: minha assessoria está selecionando algumas fotos relativas a estas duas postagens mais recentes para publicação brevemente. Aguardem, ok?


sábado, 28 de maio de 2011

Aventura nos Andes

Na época eu trabalhava no jornal Alto Madeira, com a grande equipe (Lúcio Albuquerque, Carlos Neves, Nonato Cruz, Paulo Correia, Marcos Antero, Zezinho, seu Cruz, entre outros) capitaneada pelo falecido Ivan Marrocos, jornalista manauara radicado em Porto Velho e que hoje, já falecido, dá nome à Casa de Cultura de Porto Velho. Surgiu, então, a notícia de que o saudoso Paulinho Correia iria fazer a cobertura da "Caravana da Integração – a saída para o Pacífico", num percurso entre Brasil, Peru e Bolívia.
Tratava-se de um projeto idealizado pela Federação das Indústrias do Estado de Rondônia, então presidida pelo engenheiro e político Miguel de Souza, oriundo de um seminário realizado em setembro de 90, em Porto Velho, e intitulado “A saída do Brasil para o Pacífico”, que visava instituir um caminho rodoviário até os portos peruanos de Ilo e Matarani, e, naturalmente, vice-e-versa, tendo, do lado brasileiro, início em Porto Velho e passando por Rio Branco, Brasiléia e Assis Brasil, na fronteira com o Peru.
Não sei bem o motivo, mas Paulo Correia desistiu da viagem e a missão caiu, como um presente surpresa, no meu colo. Tive pouco mais de 48 horas para conseguir um novo passaporte e comparecer, às 9 horas do dia 17 de agosto de 1992, na Avenida 7 de Setembro, em frente à sede da Fiero, e me agregar ao grupo de mais 24 caravaneiros (empresários, técnicos de apoio, seguranças e políticos, como, por exemplo, o então deputado federal pelo PTB Antônio Morimoto) que seguiu, dividido em sete veículos (cinco Toyotas, uma D20 e uma F-1000) por mais de 3.500 quilômetros durante 21 dias.
O primeiro trecho foi até Brasiléia, 760 quilômetros após a capital rondoniense. Pernoite no Hotel Júnior, com vista para o rio Acre, com direito a passeio em Cobija (Bolívia). No dia seguinte, mais 86 quilômetros até Assis Brasil. Hoje está tudo asfaltado, mas dezenove anos atrás era uma poeirada só. A chegada ocorreu na noite do dia 18 de agosto. Como ainda não existia a ponte internacional sobre o rio Acre, a caravana passa literalmente por dentro d’água e entra no Peru.
A primeira cidade peruana nesse lado da fronteira é Inhapari, com pouco mais de 200 habitantes. Após um breve contato com as autoridades locais, mais estrada de chão até Ibéria, sempre bordeando a floresta amazônica. A localidade, também pequena (2.600 pessoas), é banhada pelo rio Tauamano. Ali foi necessário esperar a temperatura subir para secar a estrada em frente até as próximas vilas: San Lorenzo, Alerta e Mavila. No trajeto, mais de 20 pinguelas são ultrapassadas.
No dia 20 a caravana chega a Porto Maldonado, às margens do rio Madre de Dios, um dos formadores do rio Madeira. Devido à chuva, ninguém pode descer a rampa para a balsa que fazia a travessia de um lado para o outro. Dois dias depois conseguimos prosseguir, no rumo de Cuzco. Antes, porém, é preciso enfrentar o pior trecho da aventura, com muita lama, buracos e início das íngremes subidas dos Andes. Para se ter uma idéia, 173 quilômetros até Mazuko foram percorridos em 18 horas. Em Marcapata, já a 3 mil metros de altitude, o frio é uma novidade para todos.
Nesse ponto a paisagem não é mais tropical. As casas, antes de madeira, agora são feitas de pedra e a população não nega sua origem inca, até mesmo no uso do idioma quéchua. A vegetação fica escassa, aparecem gelo e neve. Entre os animais, destacam-se lhamas e alpacas. O ponto mais alto alcançado foi a 5,4 mil metros. Começa, então, a descida rumo ao Pacífico. Dia 27 estamos em Cuzco, aproveitando para ida a Machu Picchu, a Cidade Imperial, nesse caso no trem turístico.
Dia 28 de agosto, saída para Santa Rosa, o maior centro peruano de pecuária, e Sicuani, num trecho que era palco de atuação do grupo terrorista Sendero Luminoso. Preocupado, o governo peruano destacou 30 soldados para segurança da caravana. À noite, chegada em Juliaca. Dia 29, Puno, fonte do folclore do vizinho país, onde ocorreu uma das recepções mais apoteóticas de toda a viagem. A cidade fica próxima do lago Titicaca, na fronteira com a Bolívia.
Na manhã do dia 30, Puno fica para trás e iniciamos a viagem para Moquegua, via Laragueri. Dia 31, finalmente, de uma elevação próxima a Ilo, é possível avistar o Oceano Pacífico, com destaque para o porto natural, onde é grande a expectativa de ver, um dia, aportarem navios graneleiros de até 200 mil toneladas. Dia 1º de setembro saída para Arequipa, segunda maior cidade peruana, com 1 milhão de habitantes, com sua famosa indústria de couro. Nas proximidades, fica o porto de Matarani e o balneário de Mollendo.
Nesse ponto, a Caravana da Integração deu por encerrada a parte oficial do projeto. Dia 3 de setembro começa o retorno ao Brasil, com a volta a Puno e Juliaca para entrar na Bolívia e amanhecer o dia 4 em Desaguadero. Passamos também por Kasani, Copacabana, San Pablo de Tiquina até La Paz, a capital boliviana, de onde saímos no dia 5. De Yucumo chega-se a Sapeco, no rio Beni, outro formador do rio Madeira. Manhã do dia 6 passamos por Santa Rosa, Rosário de Iata e Guayaramerin.
Pernoite no lado brasileiro – Guajará-Mirim – e chegada em Porto Velho no dia 7 de setembro de 1992, às 11 horas, com carreata e buzinaço pelas ruas da cidade. No dia da Independência do Brasil, foi concluída mais uma vitoriosa aventura de libertação sul-americana. Que venha a Rodovia do Pacífico.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Um jornal quase centenário


Logo quando cheguei em Porto Velho, no final de 1985, fiquei aquele restante de ano sem trabalhar. Aproveitei para viajar um pouco. Fui ao interior do Estado, numa região de floresta ainda intocada (Ariquemes/Campo Novo), pelo menos na época, e estive em Manaus/AM. Na ocasião, inclusive, a BR 319 estava aberta e havia ônibus diários fazendo a viagem entre as duas cidades nortistas. Hoje, só de barco (fui uma vez, mas isto é outra história) ou avião.
Em fevereiro de 1986 comecei a trabalhar no jornal Alto Madeira, um dos mais antigos do Brasil e que fez parte dos Diários Associados, rede construída por Assis Chateaubriand. Diz Fernando Morais, no livro Chatô, que algumas vezes o polêmico jornalista brasileiro assinava seus artigos como "repórter do Alto Madeira". Atualmente, o matutino, salvo engano, está com 94 anos de existência. Desde a década de 70 pertence aos irmãos Euro e Luiz Tourinho.
A redação, administração e oficinas funcionavam na Rua Barão de Rio Branco, no região central, mas logo em seguida mudaram para um prédio maior na antiga Avenida Presidente Kennedy, depois Avenida Governador Jorge Teixeira. No comando, o falecido jornalista Ivan Marrocos Filho, que tinha vindo de A Crítica, da capital manauara. Minha primeira missão foi fazer a cobertura da invasão de uma área de terra urbana, que estava sendo ocupada sob o incentivo da vereadora e, posteriormente, deputada federal Raquel Cândido.
Até aí nada demais. Reportagem é reportagem em qualquer lugar. Comecei a perceber, entretanto, que profissionalmente eu tinha retroagido um pouco no tempo, em relação a Vitória, quando me mandaram participar de uma entrevista coletiva com o governador Ângelo Angelim, ex-deputado estadual que havia assumido o cargo com o advento da Nova República (Tancredo Neves, José Sarney, Ulysses Guimarães e aquela coisa toda) e o fim do regime militar.
Eu estava acostumado, em coletivas, a ouvir a personalidade que a havia convocado expor seu assunto e, na sequência, fazer, junto com os colegas, as perguntas que julgasse pertinentes. Quando o chefe do Executivo concluiu sua fala (era algo a respeito da escolha dos candidatos do PMDB) ficou aquele silêncio e resolvi questionar alguma coisa. Todo mundo ficou me olhando, inclusive o próprio governador, como se aquilo fosse a coisa mais estranha que já tivessem visto. Notei que não era uma coletiva de verdade, mas o discurso de uma voz só. O constrangimento foi tanto que até esqueci minha pochete em cima da mesa. Coisas de costumes locais.
Bom, continuei escrevendo. No início do ano 1990 o jornal passou por uma expansão, diversos outros profissionais foram contratados e a estrutura organizacional modificada. Eu já auxiliava o Ivan na edição e fui colocado na condição de editor-chefe, enquanto ele passava a ser Diretor de Redação. Tínhamos serviços noticiosos. Aumentamos o número de páginas. Fomos o primeiro, em Rondônia, a ter um espaço diário com notícias internacionais.
Quando o senador Olavo Pires foi metralhado em frente à sede de sua empresa de venda de tratores, no início da noite de 16 de outubro de 1990, após ganhar o primeiro turno da eleição para governador, o jornal já estava fechado. Muitos de nós, inclusive eu, estávamos em casa. Entretanto, corremos para a redação, mudamos quase toda a edição e fomos o único na cidade a noticiar o assassinato de uma maneira ampla e completa, com fotos exclusivas.
Aquela turma podia não ter todos os meios necessários para fazer do Alto Madeira o maior jornal do Estado, ou pelo menos de Porto Velho, mas tinha um pique que me fazia sentir um novato novamente. Fazíamos o nosso melhor. O pessoal gostava do trabalho, e acabamos nos tornando bastante amigos uns dos outros. E o "velho Euro", como carinhosamente chamávamos o diretor responsável, nos dava o maior apoio. Como se diz: ganhava-se pouco, mas era divertido.
Infelizmente, a outra banda da família proprietária (pai e filhos) transformou o periódico num mero instrumento de poder político e a coisa foi ficando sem graça. Circulação em queda livre (bastava, segundo me foi dito, que chegasse no gabinete do governador, do prefeito e do presidente da Assembléia), defasagem tecnológica (não havia computadores) e quase todo mundo procurando coisa melhor e mais rentável para fazer. Resolvi, também, "tirar o time" e saí, em 1994, após oito anos. Foi a última redação que frequentei profissionalmente, desde então.
Saudades, meus amigos, muitas saudades. Mas é a vida, né mesmo?


Redação do ALTO MADEIRA numa manhã de sábado. Estou à esquerda. À direita, o jornalista José Carlos de Sá. Ao lado dele, repare no detalhe: uma botija de gás, que era usada para acender um lampião no caso de faltar energia elétrica, coisa muito comum na cidade naqueles tempos de usinas termoelétricas antigas e poluidoras


terça-feira, 24 de maio de 2011

Pé na estrada

"Do mar os capixabas caminham para Rondônia,
atravessar os Andes será um passo a mais."
Cantos de Fernão Ferreiro e outros poemas heterônimos, de Renato Pacheco, Editora da Universidade Federal do Espírito Santo, 1985.


Pois é, meu pai, no livro escrito entre fevereiro e março de 1984 e publicado no ano seguinte, fez um registro que, não sabia ele, acredito, teria reflexos na própria família. A forte migração estimulada pelo Governo Federal para o recém criado (1981) Estado de Rondônia também me atingiu e em meados de novembro de 1985 deixei Vitória e vim para Porto Velho. De uma capital para outra. Do Sudeste para o Norte. Da cidade natal para outra desconhecida.
Conforme já relatei neste blog, a atividade sindical da qual participei me deixou sem espaço no mercado de trabalho jornalístico capixaba. Motivado por algumas pessoas que tinha conhecido em Brasília, onde passara alguns dias, decidi, de uma hora para outra, que ia me mudar. Hoje em dia imagino o choque que foi para meu pai e minha mãe - e para a minha sogra, também - saber num sábado à tarde que no domingo pela manhã estaria iniciando uma viagem de exatos 3.672 quilômetros (pelo trajeto que escolhi).
Fui na frente, de carro (uma Brasília de dupla carburação) até a Capital Federal. Lá fiquei uns dias esperando Jussara e minhas duas filhas, Raissa e Tais, na época com três e dois anos, respectivamente, que vinham posteriormente de ônibus. Quando elas chegaram, começamos, acompanhados por dois outros casais, em seus respectivos carros, nossa aventura para a Amazônia, via BR 364 (foi asfaltada em 83/84), passando por Cuiabá.
Cumpre explicar que até os anos 1960 não havia ligação rodoviária com Porto Velho vindo do Sul. As opções eram aéreas, fluviais (via Manaus) ou ferroviária (a famosa Estrada de Ferro Madeira-Mamoré) para quem estivesse em Guajará-Mirim. O presidente Juscelino Kubistchek, em fevereiro de 1960, foi quem ordenou a abertura da rodovia (inicialmente BR 29), incentivado pelo governador Paulo Leal, e inaugurou a obra, que consumiu investimentos enormes, desmatamentos gigantescos e uma logística inédita, no janeiro seguinte, numa solenidade realizada em Mato Grosso.
Portanto, passamos pela estrada com uma pavimentação, por assim dizer, novinha, já que anteriormente, antes da cobertura asfáltica, no período do inverno (chuvas), na forma do dizer regional, muitos trechos ficavam interditados. Nunca tinha dirigido por retas tão extensas na minha vida, algumas com mais de 15 quilômetros, e nem visto tantas árvores às margens da pista (atualmente se vê muito pasto e bois).
Não lembro a data exata da nossa saída de Brasília, mas no dia 23 de novembro de 1985 estávamos em Vilhena, a chamada Portal da Amazônia, por ser a primeira cidade rondoniense na divisa com o cerrado matogrossense. Tive que fazer um conserto no carro (trocar a bobina) e o comércio estava fechado porque era feriado municipal (aniversário de criação do município), daí a precisão na data de nossa passagem por lá. Ali fomos imunizados contra febre amarela (ô vacinazinha dolorida). Na sequência, dormimos em Ariquemes (na época, o local com o maior índice de malária do mundo), em redes atadas num posto de gasolina, a exemplo do que vínhamos fazendo para pernoitar em todo o percurso. Calculo, então, que no dia 25 de novembro de 1985 chegamos em Porto Velho, onde residimos até hoje.
Inicialmente fomos abrigados por um casal amigo numa residência no bairro das Pedrinhas. Em fevereiro de 1986 adquirimos uma casa própria no Conjunto Marechal Rondon. Aliás, na época, a maioria das residências da cidade era de madeira, com banheiro externo, no fundo do quintal. Casa de alvenaria, em padrões parecidos com o do local de onde tínhamos vindo, somente em alguns poucos bairros.
A cidade tinha muito esgoto a céu aberto, quase nenhuma rua asfaltada e praticamente nada em termos de opção de lazer. Era o auge do garimpo de ouro no rio Madeira, e o custo de vida, em função disso, extrapolava qualquer previsão econômica. Inúmeros assassinatos eram cometidos por causa do metal precioso, que enricava num dia e empobrecia no outro. O clima completamente diferente: durante seis meses, chuvas torrenciais diariamente (e lama pelas ruas). Na outra parte do ano, seca feroz (e poeira à vontade). Malária (tive três) em todo canto.
Cheguei a pensar em desistir, mas aí a gente vai aguentando mais um pouquinho, se acostumando com isso e aquilo, apreciando a culinária (costela de tambaqui, tapioca, creme de cupuaçu) e outras coisas boas. Assim, fui ficando, fui ficando e estou até hoje - junto com minha família. Quase 26 anos já se passaram. Vim para Rondônia com 28 anos de idade e, em breve, tudo indica, terei mais tempo de vida aqui do que no Espírito Santo.
Como disse o famoso cantor Lindolfo Barbosa, o popular Lindú, do Trio Nordestino, na refrão da música Porto Velho, bom lugar, "...quem quiser viver bem, que vá para lá, conhecer Porto Velho, que bom lugar". E aqui estou, até quando Deus quiser.


Na foto, pouco tempo após nossa chegada, Jussara (E) segura, ao lado de amigos, nossa filha Raissa

terça-feira, 17 de maio de 2011

Minha vida de gringo





Estive nos Estados Unidos da América por duas vezes. A primeira foi numa excursão à Disney World, na cidade de Orlando, na Flórida. É aquele parque infantil do Mickey, Pato Donald, Cinderela, Branca de Neve e outros personagens de lendas e contos de fadas. Eu era criança. Confesso que não tenho muitas lembranças do passeio, a não ser do monte de cachorro quente que comi.
A segunda vez tinha acabado de passar no vestibular (17 para 18 anos) da Universidade Federal do Espírito Santo. Fiquei em quinto lugar nas vagas destinadas ao curso de Comunicação Social. Resolvi, e muito me arrependo, pois, hoje, me parece que foi uma perda de tempo, participar de um intercâmbio estudantil e viver seis meses nos States. Tranquei a matrícula, para iniciar a faculdade no segundo semestre, e fiquei naquele país de janeiro a julho de 1975, sendo presidente Gerald Ford.
Pedi para ir para um local que tivesse neve e me mandaram para a cidade de Davenport, no estado de Iowa, no meio-oeste norte-americano, área rural (muita plantação de milho, o chamado corn belt) e um frio de lascar. Cheguei lá num vôo doméstico, após uma passagem pelo Canadá. A temperatura era de muitos graus abaixo de zero e me impressionou o chão todo branco (mais de 30 centímetros de neve), o céu azul sem nuvens e um sol brilhando intensamente.
Fiquei hospedado na casa da família Glover (pai, mãe, três filhos e uma filha), num típico bairro, sem muros, com gramados e duas praças esportivas. A residência tinha sala, cozinha, três quartos, garagem para dois carros e um porão com o quarto do casal e área de serviço. Os rapazes eram estudantes. Os adultos trabalhavam numa metalurgia. Lá dentro era bermuda e mangas de camisa, por conta da central de aquecimento. Ao sair, entretanto, vestia um monte de coisas, entre meias, camisas, calça, luvas, cachecol e casaco.
Fui matriculado na Central High School (acima), para fazer o equivalente ao último ano do antigo Científico, ex-2º Grau e atual Ensino Médio, que já tinha concluído no Brasil. A escola é aquela coisa. Imensa, equipadérrima, com piscinas aquecidas, locais para esportes, laboratório (tinha até uma mini estação de rádio e tv), restaurante (horário integral). Ia de manhã, naqueles famosos ônibus amarelos, e voltava à tarde.
Não tinha fluência no inglês, quando chequei, mas com pouco mais de dois meses, talvez menos, conseguia entender e me fazer entender. Algum conhecimento que ainda tenho daquela língua fica por conta dos meses passados nos States, em que pese a falta de prática. Davenport está quase na fronteira com o estado do Illinois, e tive oportunidade de ir até Chicago assistir um jogo de beisebol.
Aliás, pratiquei este esporte com a turma da rua, e consegui fazer um home-run (aquela tacada que vai para fora do estádio). Comprei uma luva, específica para primeira base, que trouxe comigo no retorno. Basquete nunca foi minha praia. Futebol o pessoal praticamente desconhecia naquela região. Os Glovers me receberam muito bem, e houve, inclusive, alguma emoção na despedida, mas em pouco tempo perdemos contato e não tenho a mínima ideia do que pode ter acontecido com eles. Engordei alguns quilos, porque a alimentação é realmente bem gordurosa, em qualquer horário do dia.
Nas proximidades havia outros brasileiros e um pessoal da Argentina, mas só nos víamos na escola, que era onde passava a maior parte do tempo. Ao final do semestre me deram um diploma (abaixo), obviamente simbólico. A grade curricular tinha algumas disciplinas básicas (Inglês, História etc) e outras opcionais. Não estou me lembrando quais escolhi, mas havia uma variedade bem grande de matérias disponíveis. Ninguém, porém, sabia nada do Brasil, tipo localização geográfica, nome do presidente, população, nadinha. Eles só pensam neles mesmos.
Fui alvo de algumas perguntas básicas, tais como: Nas ruas passam cobras? Ou: Você já tinha usado sapato antes? Como em Vitória era verão (muita praia) estava bronzeado e até pensaram que eu era da raça negra (os Glovers são brancos quase transparentes), mas não senti nenhum tipo de preconceito por causa disso, somente por ser de um país abaixo da linha do Equador.
Tive oportunidade de ir a Washington, e fiz aquele roteiro básico (junto com uma colombiana), desde o Memorial de Lincoln até a Casa Branca, passando pelo Congresso e o Museu de História Natural do Instituto Smithsonian, com seus famosos esqueletos de dinossauros. Depois de curtir o frio e a neve, de um inverno como nunca tinha visto igual, a primavera e o verão foram mais parecidos com o que estava acostumado, mas bom mesmo foi voltar para casa.
Não sei o que diria atualmente se passasse seis meses no estrangeiro, mas aquela máxima de que o Brasil é o melhor país do mundo não saía do meu pensamento. Os caras podem ter tecnologia, dinheiro, tudo limpo e organizado (o que é bom, sem dúvida), mas o american way of life não é para mim, não.


quarta-feira, 11 de maio de 2011

Criança diz cada uma!

O título acima é de um livro que fez muito sucesso nos anos 60/70, de autoria do médico Pedro Bloch. Ele deixou mais de 100 obras publicadas, em todos os gêneros (romance, dramaturgia, poesia e outros mais). Teve grande destaque como autor junto ao público infantojuvenil. Nascido na Ucrânia, em 1914, adotou a nacionalidade brasileira. Faleceu no Rio de Janeiro, no início do ano de 2004.
No trabalho supra referido, o escritor fez uma coletânea de palavras e frases que as crianças falam de maneira intuitiva. Coisas engraçadas e espontâneas. Dizem que meninos e meninas, até uma certa idade, não têm os condicionamentos que os mais velhos adquirem com o tempo e soltam a língua inocentemente, sem preocupação nenhuma se as pessoas vão gostar ou não.
São expressões que não obedecem às normas gramaticais, na maioria das vezes, mas que traduzem o universo infantil, o jeito de ver o mundo, de uma forma simples e objetiva. Todas as famílias, por certo, têm exemplos de filhos, primos e netos que se manifestaram de maneira própria, para alegria dos parentes e amigos.
Todo este preâmbulo é tão-somente para tornar público algumas coisitas de minha autoria quando eu também vivia no mundo dos sonhos e brincadeiras, sem as mundanas preocupações dos adultos. Quem me passou as informações foi a minha prima Heloísa Helena, que, por ser um pouco mais velha, acompanhou minha infância de perto.
Ela, por exemplo, considerava minhas orelhas grandes e, sempre que me pegava no colo, gostava, carinhosamente, é óbvio, de me homenagear com o título de "meu Dumbinho", para insatisfação da minha avó materna Carlota. Eu, sem ver nenhuma maldade no comentário, ria e dizia: Lolô é tão engraçada.
Em Santa Leopoldina (vide texto neste blog), vendo um álbum onde havia uma foto minha numa poça de água na praia em São Mateus: Aqui Didigo na pocinha. Ainda naquela cidade litorânea do norte capixaba, toda vez que Heron Domingues, locutor da Rádio Nacional, iniciava o famoso, na época, "Repórter Esso", ficava em pé no berço e anunciava: Alô, alô, póesles, alô.
Limpando a Kombi do meu tio Paulo (pai da minha biógrafa infantil): Estou dando uma limpadura. E procurando o cinto: Cadê minha cintura. Vendo minha tia Nezita (esposa do tio Paulo) costurar: Mamãe também cutula, cutula (segundo Lolô era mentira, porque minha mãe nunca pegou numa agulha).
Após a apresentação de um circo, que tinha passado por Santa Leopoldina, fiquei dias rindo sozinho toda vez que me lembrava do palhaço e do bordão que ele usava: Vou botar meu paletó prá escutar mió. Outra lembrança dela era que eu gostava de escrever na máquina de datilografia do meu pai o meu nome - Rodrigo. Costumava ficar horas datilografando. Quanto papel gasto à toa.
Pois é, como bem registrou Pedro Bloco, criança diz cada uma! Abaixo, a foto do pimpolho e os famosos pavilhões auriculares dumbianos.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O esporte na minha vida

Uma das minhas leitoras mais assíduas (não estou falando das minhas filhas, tá?) me pediu, desde a semana passada, quando o Flamengo ganhou do Fluminense nos pênaltis, para fazer algum comentário sobre o esporte de uma maneira geral. E com a vitória do rubro-negro sobre o Vasco - também na cobrança de penalidades máximas - achei que podia abordar o tema, motivado, é claro, por mais esta conquista do time do meu coração.
Desde que eu me entendo por gente que o futebol está presente na minha vida. E, nesse esporte, o Mengão sempre foi, para mim, o número um. Não sei nem dizer influenciado por quem. Meu avô era vascaíno, para não negar suas origens portuguesas. Meu tio Paulo gostava do Flu. Meu tio Codé, do Botafogo. É certo que meu pai gostava, e meu tio e padrinho Carlos Augustus ainda gosta, do clube da Gávea. 
Quando garoto, eu era daqueles torcedores fanáticos. Se o Fla ganhava, era só alegria. Se perdia, até chorava. Ainda bem que tive a felicidade de presenciar aquela fase áurea do Mais Querido, quando Zico, Adílio, Júnior, Mozer, Leandro, Andrade, Tita, Raul, Lico, Nunes, Rondinelli e outros artistas da bola davam show no Maracanã todos os domingos. Naquela época a vitória era certeza, a única dúvida dizia respeito de quanto seria o placar.
Acompanhava freneticamente todo o noticiário esportivo (principalmente pelos jornais e pela Rádio Globo, pois a televisão ainda não transmitia as partidas com a frequência atual). José Carlos Araújo e Waldir Amaral eram meus locutores favoritos. E os comentários de Mário Vianna ("com dois enês", conforme ele frisava) eram bem divertidos. E claro, batia minha bolinha.
Em Guaçuí (mais detalhes em As cidades da minha infância) tinha mais facilidade para nadar, e frequentava a piscina da AABB com meu amigo (morava em frente lá de casa) Francelino. Nadávamos, no estilo crawl, ou nado livre, sem muita técnica, cerca de mil metros de cada vez que íamos lá. Gostávamos, também, de correr em volta dos quarteirões que circundavam nossa rua.
Mas foi em Alegre que o futebol passou a ser uma paixão. Tinha uma garotada que se reunia todos os dias na praça municipal, e eu, sempre que podia, estava lá. Cheguei a treinar e a jogar de lateral esquerdo (posição hoje denominada ala) num time infantil da cidade. Era reserva, é bom que se frise. O treinador era conhecido por Marreco, por causa do jeito de ele andar (tinha um defeito num dos pés) que lembrava aquela ave. Ali ganhei minha primeira bola nº. 5 (tamanho oficial), que furou logo na estreia, ao ser chutada por um colega na direção de umas roseiras.
Com o tempo, comecei a acompanhar outros tipos de esportes onde os brasileiros estavam presentes, desde o boxe, com Éder Jofre, e a unificação do título mundial na categoria pesos-galo, passando pelo tênis, com Maria Ester Bueno, e, mais recentemente, basquete, Fórmula 1, vôlei. Olimpíadas, Pan-Americano e Copa do Mundo tinham minha atenção total. Sou capaz, ainda hoje, de descrever todos os gols brasileiros na conquista da Taça Jules Rimet, em 1970, no México. Tive vontade, ao iniciar minha carreira jornalística, em me especializar nessa área, mas acabei enveredando por outras praias. Estive no Maracanã duas vezes: em 1972, na final do Torneio do Sesquicentenário (Brasil 1 x 0 Portugal) e num jogo Flamengo 1 x 0 Portuguesa/SP (Campeonato Brasileiro), alguns anos depois. 
Nos Estados Unidos, no intercâmbio estudantil que descreverei numa próxima oportunidade, brincava de basquete e baseball com o pessoal da vizinhança. Comprei até uma luva usada por quem fica na primeira base. Em Vitória, durante algum tempo, tínhamos, eu e outros jornalistas, um time de futsal, o antigo futebol de salão. Essa modalidade ficou sendo a minha preferida. Jogava toda semana. As regras eram mais rígidas (não valia gol de dentro da área, por exemplo) e, modéstia à parte, consegui, quando estava bem preparado fisicamente, uma boa qualidade técnica e marquei alguns belos gols. Os chutes da minha canhota eram de uma potência surpreendente. Lamentavelmente eles não foram gravados e vocês vão ter que acreditar na minha palavra.
 Hoje em dia levo uma vida sedentária, apesar das muitas recomendações para fazer alguma atividade física. Tenho um joelho (o esquerdo) comprometido pelas pancadas dos zagueiros adversários (risos contidos), mas ainda sonho em entrar numa quadra e balançar a rede novamente (equipe de veteranos, obviamente). Ou então me conformar e jogar peteca com minha neta. Sei que o mundo esportivo agora é um grande negócio, amadorismo é quase uma utopia (amor pela camisa ou por uma bandeira, essas coisas), mas o coração acelera ao ver/ouvir a manifestação de uma torcida num estádio cheio, uma jogada de efeito e a vitória do time preferido. 
Ilusões sem futuro, dirão alguns, mas já estamos prontos para viver sem elas?