Papai
Noel de araque
O cara estava numa pindaíba de dar dó.
Precisava arrumar um troco urgente, aos menos para comer alguma coisa mais
substancial, que esquentasse o estomago e o fizesse esquecer daquela amargura.
Ainda tinha alguns contatos, resquícios
dos tempos das vacas gordas, e um deles, bem relacionado na Prefeitura, arrumou
um bico para ele: ser o Papai Noel na festa de final de ano que estava sendo
organizada para crianças carentes da localidade.
Na magreza que estava não tinha o
perfil ideal para fazer o papel do Bom Velhinho, mas o seu conhecido funcionário bancou a
contratação. No dia combinado, lá estava ele todo fantasiado, com uns três
travesseiros ao redor da barriga para dar aquela aparência de uma pessoa bem
nutrida (ou excessivamente, como queiram).
O cerimonial governamental previa uma
volta de helicóptero por cima da cidade até o campo de futebol onde seria feita
a festa. Tudo transcorria maravilhosamente bem. Ele estava até se sentido uma “otoridade”,
sobrevoando as ruas e acenando para as pessoas.
No gramado do estádio municipal tinham
erguido um tablado, onde centenas de crianças já se aglomeravam. Contudo, uma
mudança repentina da direção dos ventos obrigou o piloto a pousar fora da área
combinada, que era próxima ao palanque, e o helicóptero desceu atrás da
plateia.
Desembarcou, segurando a barba e o
gorro que as hélices em movimento ameaçavam jogar longe, e a aeronave alçou voo
novamente. A garotada ansiosa pegou os seguranças desprevenidos e avançou
célere no rumo do assustado Papai Noel, que tentou correr, mas não conseguiu
com aquela vestimenta inadequada aos trópicos.
Meninos e meninas, aos gritos, queriam
arrancar das mãos dele o enorme saco de presentes que carregava. Bravamente, temendo
pela vida, resistiu aos puxões. Salvo pelos guardas, foi levado, num corredor
polonês, até o palco. Depois, explicou porque opôs tanta resistência: não havia
nada dentro do saco, somente caixas de papelão vazias.
Foi o dinheiro mais suado que já
ganhou.
Fogo
amigo
A igreja precisava angariar recursos para
financiar alguns projetos sociais em benefício da comunidade, e como se
aproximava o mês de junho alguém teve a original ideia de organizar uma festa
em homenagem aos três santos que compõem o calendário católico da época: Santo
Antônio, São João e São Pedro.
Fieis mobilizados pela nobre causa,
foram montadas as barraquinhas no amplo gramado em frente ao templo religioso,
fixadas muitas e coloridas bandeirinhas de papel e estabelecido o cardápio
tradicional, com especial ênfase nos doces: Maçã do amor, Curau, Pé de moleque,
Pamonha doce, Cocada cremosa, Canjica com amendoim, Maria-mole, Pipoca doce,
Paçoca, entre outros.
No dia aprazado e na hora marcada, um
dos paroquianos, com viés de artista, defensor dos ideais de uma alimentação
saudável e cheio de boas intenções, foi autorizado a preparar um pequeno teatro
de fantoches para entreter as crianças, enquanto os pais abriam bolsos e
corações para contribuir para aquela obra de fé e caridade cristã.
O boneco que surgiu em cena tinha o
nome de Dr. Saúde. Com voz de falsete, começou a sua pregação:
- Crianças, vim hoje aqui falar para
vocês sobre os malefícios do açúcar para o corpo humano. Trata-se de um
alimento que faz muito mal..........
Ao perceber o que estava acontecendo, o
padre, em desespero, sentiu imediatamente o prejuízo que aquela cantilena iria
causar aos cofres da Paróquia. Correu, o mais disfarçadamente que pode, até
atrás do tablado e sem nenhuma cerimônia, para espanto dos espectadores
atônitos, puxou o inocente natureba para baixo e vociferou: “Mude esse discurso.
Nós temos um monte de doces para vender”.
Dr. Saúde, ligeiramente amassado, retornou,
empostou a voz e fez o seguinte adendo:
- Mas apesar disso tudo, um pouco de
açúcar, de vez em quando, não tem problema, serve até para adoçar o amargor da vida.
Fecha o pano.