terça-feira, 15 de agosto de 2023

Conformação

 


A existência humana é tão cheia de possibilidades que a gente nem consegue imaginar uma parcela mínima delas, principalmente as ruins. O imponderável parece circular todos os dias ao redor das pessoas, com acontecimentos tão imprevistos que fica difícil entender. Afinal, se o acaso não existe como explicar tudo o que acontece?

 

Me comove e entristece até hoje lembrar da família de um querido amigo, cuja filha é minha afilhada, que sofreu recentemente a perda de um de seus integrantes, um jovem de apenas 14 anos de idade, cuja vida foi ceifada num acidente horrível.

 

Como diria Gilberto Gil, “mães zelosas, pais corujas/vejam como as águas de repente ficam sujas/não se iludam, não me iludo/tudo agora mesmo pode estar por um segundo” (Tempo Rei).

 

Um ditado popular diz que Deus escreve certo por linhas tortas, o que, para os estudiosos dos temas religiosos, quer dizer que mesmo quando as coisas não saem exatamente como esperávamos, Ele tem um plano maior para todos.

 

Pode ser, e deve ser. Entretanto, situações adversas que causam tanta dor e sofrimento, abrindo cicatrizes que demoram a fechar e que deixam marcas para sempre, geram tamanha perplexidade que somente os mais fortes e imbuídos de uma fé verdadeira conseguem suportar. Deus me livre e guarde daquelas coisas, pois sou frágil demais.

 

Apenas a crença na vida espiritual e na reencarnação consegue amainar tamanha mazela e aquietar corações e mentes abalados. Carregar tal fardo, imagino, fica próximo do insuportável, pois os que ficam precisam continuar seguindo em frente, mas nunca mais será igual era antes.

 

Por isso, “o correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais alegre ainda no meio da tristeza!” (Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa).

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Meritocracia

 


 

Um amigo de longas e antigas jornadas esses dias chorou as pitangas comigo reclamando da vida, particularmente da situação financeira apertada, quase no ponto de ter que vender o almoço para comprar o jantar. Não é fácil, principalmente para uma pessoa que já fez a curva no Cabo da Boa Esperança.

 

Queixou-se ainda o cidadão que nem seus cabelos brancos estão mais sendo respeitados, pois no emprego (sim, o reclamante permanece na labuta, pois a aposentadoria causaria mais desconforto monetário. Coisas do Brasil) perdeu uma gratificação que recebia por mais de 20 anos para uma colega com menos de dois meses de casa, sob a alegação de uma suposta “meritocracia”.

 

Coincidência ou não, explicou-me, numa equipe com aproximadamente 15 integrantes fixos, somente os dois mais antigos, para não dizer velhos, estão atualmente sem nenhum tipo de remuneração extra. É certo que nosso personagem poderia ter lido com mais atenção a fábula “A Cigarra e a Formiga”, de Esopo, e se preparado com elevada prudência para os dias de inverno, ou seja, do ocaso da vida.

 

Entretanto, há de se convir que ao usar tão somente a dita meritocracia como sistema de gestão, considerando-a como o melhor mecanismo de avaliação profissional, o detentor do poder incorre em uma possibilidade de erro que assume grandes proporções. Sem nenhum critério objetivo, o chefe escolhe, a seu bel-prazer, quem alcançou ou não a pontuação por ele mesmo estabelecida.

 

Segundo o IBGE (dados de 2019), mais de 7,5 milhões de idosos permanecem ativos no mercado de trabalho, mas o desemprego na faixa etária entre 60 e 69 anos de idade aumentou, no mesmo período, passando a 40,3% em 2018, contra 18,5% anotados em 2013. Nossos vovós e vovôs querem continuar contribuindo, porém a cultura de que velho não serve para nada parece muito entranhada nesse mundo corporativo e tecnológico.

 

Pediu-me o sofrido camarada um conselho, e também envolto nas minhas próprias preocupações nada pude dizer além de um velho clichê, que tem força e funciona para quem acredita: Vai na fé, que Deus proverá!