segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

UTI

 


        Através dos vidros sujos da janela do quarto a linha do horizonte começa a se delinear quando os primeiros raios de sol rompem a madrugada e desenham as silhuetas dos prédios em suas diversas alturas, bem como do casario popular que cerca o maciço rochoso que se ergue em destaque. As luzes elétricas noturnas, agora ofuscadas pela aurora, parecem pequenos vagalumes incapazes de voar.

 

        Naquela cama de UTI, com os olhos ainda ardendo pela noite de sono constantemente interrompida, no entra e sai de enfermeiros e técnicos de Enfermagem, verificando uma coisa ou outra, fazendo uma medicação ou só anotando números, minha mãe batalha pela vida. Perdi a conta se são dez dias ou mais, pois o tempo dentro daquelas paredes fechadas parece não ter horas ou datas, no mundo gelado onde equipamentos sonoros em constante alarme (ventiladores pulmonares, monitores cardíacos e outros) controlam o que se passa nos organismos dos sofredores que ali se encontram.

 

        Conforme o que se encontra em toda atividade humana, onde uns são menos displicentes do que outros, existem também ali técnicos(as) de Enfermagem e enfermeiros(as) diligentes, que demonstram amor pelo paciente, apesar do curto espaço de tempo de que dispõem para cuidar de todos, mas se esmeram num jeito agradável de colocarem o cobertor, ou de mudarem a posição da pessoa na cama e até mesmo ao procurarem cuidadosamente uma veia onde colher material para exames.

 

        Outros e outras são menos tarimbados(as), e com a mão pesada apertam onde deveriam somente apalpar. Deixam o doente desconfortável e nem se preocupam em guardar o esfigmomanômetro bem arrumadinho no seu local apropriado.

 

Médicos e médicas também mostram o que são, pois enquanto uns e umas entram no quarto, examinam o enfermo(a), respondem às perguntas dos familiares, por mais leigas que estas sejam, e prestam esclarecimentos, outros e outras não passam da porta e naquela empáfia de quem acha que sabe de tudo se limitam a alguns dados técnicos incompreensíveis.

 

        Pensava eu que num ambiente daquele a sisudez fosse marca registrada e apenas sussurros fossem ouvidos na transmissão de uma ordem ou outra. Engano. Os profissionais que ali labutam também são seres humanos, e como tal conversam entre si à vontade, das coisas da vida e das coisas da morte que combatem. Uns são mais comedidos, outros nem tanto, e espalham suas vozes em alto e bom som, talvez porque muitas das pessoas ali internadas estejam inconscientes.

 

        Esquecida num canto escondido ao pé de uma parede, uma placa parece lamentar que seu dizeres sejam meras palavras soltas ao vento: “O silêncio combate o estresse. Estamos numa UTI”. Ali não se dorme, desmaia-se, ao menos por alguns instantes.

 

        Saúde a todos e que Deus permita que minha mãe possa voltar para casa melhor do que quando foi internada.

 

        Amém.