Através dos vidros sujos da janela do
quarto a linha do horizonte começa a se delinear quando os primeiros raios de
sol rompem a madrugada e desenham as silhuetas dos prédios em suas diversas
alturas, bem como do casario popular que cerca o maciço rochoso que se ergue em
destaque. As luzes elétricas noturnas, agora ofuscadas pela aurora, parecem
pequenos vagalumes incapazes de voar.
Naquela cama de UTI, com os olhos ainda ardendo
pela noite de sono constantemente interrompida, no entra e sai de enfermeiros e
técnicos de Enfermagem, verificando uma coisa ou outra, fazendo uma medicação
ou só anotando números, minha mãe batalha pela vida. Perdi a conta se são dez
dias ou mais, pois o tempo dentro daquelas paredes fechadas parece não ter horas
ou datas, no mundo gelado onde equipamentos sonoros em constante alarme (ventiladores
pulmonares, monitores cardíacos e outros) controlam o que se passa nos organismos dos
sofredores que ali se encontram.
Conforme o que se encontra em toda
atividade humana, onde uns são menos displicentes do que outros, existem também
ali técnicos(as) de Enfermagem e enfermeiros(as) diligentes, que demonstram amor
pelo paciente, apesar do curto espaço de tempo de que dispõem para cuidar de
todos, mas se esmeram num jeito agradável de colocarem o cobertor, ou de mudarem
a posição da pessoa na cama e até mesmo ao procurarem cuidadosamente uma veia
onde colher material para exames.
Outros e outras são menos tarimbados(as),
e com a mão pesada apertam onde deveriam somente apalpar. Deixam o doente
desconfortável e nem se preocupam em guardar o esfigmomanômetro bem arrumadinho no seu local apropriado.
Médicos e médicas também mostram o que são, pois enquanto uns e umas entram
no quarto, examinam o enfermo(a), respondem às perguntas dos familiares, por
mais leigas que estas sejam, e prestam esclarecimentos, outros e outras não
passam da porta e naquela empáfia de quem acha que sabe de tudo se limitam a
alguns dados técnicos incompreensíveis.
Pensava eu que num ambiente daquele a
sisudez fosse marca registrada e apenas sussurros fossem ouvidos na transmissão
de uma ordem ou outra. Engano. Os profissionais que ali labutam também são
seres humanos, e como tal conversam entre si à vontade, das coisas da vida e
das coisas da morte que combatem. Uns são mais comedidos, outros nem tanto, e
espalham suas vozes em alto e bom som, talvez porque muitas das pessoas ali
internadas estejam inconscientes.
Esquecida num canto escondido ao pé de
uma parede, uma placa parece lamentar que seu dizeres sejam meras palavras
soltas ao vento: “O silêncio combate o estresse. Estamos numa UTI”. Ali não se dorme,
desmaia-se, ao menos por alguns instantes.
Saúde a todos e que Deus permita que
minha mãe possa voltar para casa melhor do que quando foi internada.
Amém.