domingo, 29 de agosto de 2021

SUS refrigerado

 


Diz o site do Governo Federal que “o Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde pública do mundo, abrangendo desde o simples atendimento para avaliação da pressão arterial, por meio da Atenção Primária, até o transplante de órgãos, garantindo acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país”.

 

Não deixa de ser verdade, mesmo que para ter esse “acesso integral, universal e gratuito” os mais carentes financeiramente tenham que enfrentar filas, chegar de madrugada nas hoje denominadas UPAs para garantir as primeiras senhas e esperar, esperar e esperar, pois nem sempre o especialista necessário está disponível.

 

Por esse viés é crível supor que aqueles que podem pagar um plano de saúde estão no melhor dos mundos. Basta adentrar em qualquer hospital credenciado, apresentar a carteirinha e voilà, enfermeiros e médicos acorrem prontamente, estendendo um tapete vermelho e se colocando à disposição para o que der e vier. Ledo engano.

 

Em determinada unidade hospitalar particular, de uma famosa rede em franca expansão, cheguei com minha mãe, que estava com a perna direita avermelhada, dolorida e inchada. Para começar, tive que assinar umas cinco folhas de papel, em plena era digital, onde tudo está conectado por um clique. Mas isso é o de menos.

 

Aguardamos e fomos encaminhados para uma ortopedista, que requisitou um raio-x. Aí começa a peregrinação. O serviço é prestado por uma empresa terceirizada, instalada dentro do hospital. Lá, entre mais papelada, começa tudo de novo: nome, identidade, número da carteira do plano, esperar a autorização, aguardar ser chamado para o exame, receber o resultado, voltar na primeira médica.

 

Considerando a ausência de fratura, vamos para um clínico geral. Mais uns papeizinhos e de volta à prestadora de serviços, pois foi requisitado um doppler venoso, haja vista a suspeita de trombose. Novas assinaturas e a impactante informação: o médico plantonista não está presente, “e mandou avisar que hoje ele não vem”, me disse cinicamente a atendente.

 

Vejam só, senhoras e senhores, o incrível absurdo: o médico plantonista não foi trabalhar (quer dizer, estava dando plantão fora do seu lugar de plantão) e, fazendo a coisa ficar ainda mais inacreditável, disse que naquele dia não iria atender a escala de serviço. Pasmem! Já é um absurdo o profissional não ficar em seu posto, e sim de sobreaviso, e quando é acionado tem a cara de pau de recusar a tarefa.

 

Que exemplo de ética e senso do dever. Solução: internar minha mãe para que na manhã seguinte o ocupadíssimo endocrinologista (depois reclamam quando se fala da tal “máfia de branco”) cumpra seu encargo. Aliás, o dito cujo só apareceu às 16 horas, e isso depois de muitas reclamações e estresse com ligações telefônicas daquele tipo: “Não é nesse setor, favor ligar para o número tal”. Gente, esses planos de saúde e seus conveniados dão a impressão de que não têm muita diferença para o SUS, no quesito presteza, a não ser as salas com ar refrigerado.

 

A conclusão é a seguinte: cuidem-se, pois. Evitem ficar doentes. A quantidade de nosocômios e dos esculápios que renegam o juramento de Hipócrates é assustadora.

 

Orem, conforme ensinou o poeta romano Juvenal: “Mens sana in corpore sano”.

Em tempo: minha mãe já está em casa. Não era trombose, e sim uma infecção bacteriana, seja ela o que isso pode significar. Tratamento: antibióticos orais.

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Todo cuidado é pouco

 

         As voltas que o mundo dá. Os testes a enfrentar.

 

         Filho idoso cuidando de mãe mais idosa ainda, obviamente.

 

         Sessentão versus nonagenária.

 

         Parada dura, digna de um embate olímpico.

 

         E quando a vetusta senhora leva uma queda, mexendo no que não devia mexer (igual criança), e sofre “fratura do ramo superior do púbis à direita”, aquele ossinho triangular que fica na extremidade inferior do baixo-ventre?

 

         Manos, é osso, se me permitem o trocadilho.

 

         O negócio já começou complicado quando um atendimento médico emergencial diagnosticou, de forma errada, que era uma mera luxação muscular na coxa direita. Dois dias depois, sem sintomas de melhoras, novo raio-x de melhor qualidade e consulta com um ortopedista experiente, que diagnosticou a ruptura óssea.

 

         No meio da parentada alvoroçada surgem inúmeros especialistas: “Repouso absoluto”; “Trinta dias de cama”; “Nada de esforço”; “Mastruz com leite é bom”; “Não pode ficar parada” e por aí vai.

 

         Nesse interim, busca-se uma segunda opinião profissional, que confirma a primeira. Receitada a medicação adequada e estabelecidas diretrizes para atividades específicas com os membros inferiores, objetivando evitar trombose e atrofiamento, orientadas por fisioterapeuta ou educador físico.

 

         E a madame? Até então ainda não tinha caído a ficha. Exasperada, imagina que nada aconteceu. Recusa ficar quieta, insiste que lhe devolvam a bengala (no primeiro teste, tenta se levantar sozinha e quase cai novamente) e pretende que a vida siga normalmente num passe de mágica. Haja paciência!

 

         Difícil era alternar, conforme recomendado, um período com ela sentada e outros horários na horizontal em uma cama. Gente acostumada a mandar não aguenta receber ordens. Lavar a velhinha é outra situação, até pelo risco de acidente. Tudo bem, tem uma cadeira de banho. Mas chegar até lá, já que a porta estreita do banheiro não dá passagem à cadeira de rodas, é uma peleja, que um observador desinteressado poderia considerar engraçada.

 

         Mas é dito que Deus dá o frio de acordo com o tamanho do cobertor. Então, nada a reclamar, pois estamos amparados por plano de saúde e em condições de buscar o melhor atendimento possível, inclusive agora com o apoio técnico de uma enfermeira qualificada e com autoridade para botar ordem na casa. No mais, tudo vai virar motivo de brincadeiras, com o passar do tempo, nosso imensurável professor.

 

         Enquanto isso, clamemos por Jó, personagem bíblico considerado exemplo de resiliência, de paciência e capacidade de vencer obstáculos, pois provações são feitas para superação. Assim seja.

 

         Dias melhores estão presentes!

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Vida vegana

 


         Nada tenho contra o estilo de vida das pessoas, pois sou totalmente favorável à liberdade individual. Cada um faz o que quiser, respeitado o meu direito de escolha também.

 

         Na parte alimentar, por exemplo, teve uma época em que fui adepto da dieta naturalista, sem nenhum tipo de proteína animal no cardápio. Rapidinho emagreci uns 10 quilos. O impacto foi acentuado na minha aparência, ao ponto de a vizinha perguntar à minha mulher: “Seu marido está com Aids”?

 

         Hoje em dia não como carne bovina e nem tomo refrigerantes ou sucos industrializados. Mas ainda não resisto a um docinho, principalmente chocolate, ou a uma suculenta pizza e até mesmo a um crocante pernil assado. Fraquezas, ou não, dependendo do ponto de vista, da natureza humana.

 

         Mas essa pequena introdução é tão somente para contextualizar uma experiência relatada por um amigo meu.

 

         Recentemente, ele viajou para o Nordeste, onde iria participar de um encontro religioso, e foi hospedado pela organização do evento na residência de um irmão de fé. No caminho do aeroporto até a casa dos anfitriões ficou sabendo que o casal era adepto do veganismo, aquela prática de se abster do uso de produtos de origem animal, inclusive ovos, leite ou mel.

 

         Consumidor contumaz de gordurosos sanduíches e frituras de todas as espécies, o meu camarada sentiu um arrepio na espinha e ficou imaginando o que lhe esperaria. Na sala da casa teve a impressão de estar na Índia, tal a profusão de enfeites com elefantes, desenhos hindus e cheirinho de incensos diversos, conforme é tradição da cultura ayurveda.

 

Sentiu-se mais animado quando foi informado que, em consideração à pessoa dele, seria aberta uma exceção e, junto com a moqueca de banana e o risoto de alho-poró, teria direito a um frango grelhado, quer dizer, não UM frango, mas um pequeno pedaço de peito. Para beber, já que os veganos não ingerem líquidos durante a refeição, foi presenteado com meio copo de suco de uva diluído em água.

 

Estava presente à ocasião a sogra do rapaz, que já algum tempo morava na casa da filha. Conversa vai, conversa vem, ficou sabendo que a senhorinha tinha sido compelida a aderir também ao estilo alimentar dos dois, e até gostava, mas sentia falta de uma pequena coisa: Leite Ninho. Ela tinha o costume de diariamente se deliciar com uma colher de sopa daquele produto lácteo, abominado pelos veganistas.

 

Num impulso de quem quebra os grilhões da opressão, meu amigo iniciou um discurso sobre a liberdade de escolha, a felicidade que vem das pequenas coisas e o direito inalienável de os idosos manterem, na medida do possível, seu próprio jeito de ser. E proclamou que a partir daquele momento estava restaurado o consumo diário de uma colher de sopa de leite Ninho a favor da velhinha, cujo olhos brilhavam de tanta emoção. Ainda incrédula, quis confirmar: “Vou poder, então, comer meu leite Ninho novamente”? “Pode, sua filha vai, com esse singelo gesto, mostrar o amor que sente pela senhora”. E a moça, sorrindo, aquiesceu.

 

Em tempo: meu amigo, na primeira oportunidade, numa ida a um shopping da cidade, passou para dentro um balde de frango frito do KFC.

 

Ninguém é de ferro.

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Olimpíadas

 

         Depois do adiamento do ano passado, por conta da “gripezinha”, os Jogos Olímpicos de Tóquio (não sei por que denominam uma cidade se as competições acontecem por toda a parte do Japão) estão em plena efervescência. O fuso horário não favorece acompanhar as disputas, mas, mesmo assim, considerando meu já conhecido interesse por esportes (mais ver do que fazer), tenho passado solitárias madrugadas em frente à televisão.

 

         Apesar de já ter falado em algumas ocasiões que sou, a exemplo de Fernando Luna, “cidadão do mundo”, difícil não torcer pelos atletas brasileiros nas diversas modalidades em disputa. Achei até interessante (não o motivo, é claro) a Rússia competir com a bandeira do Comitê Olímpico Russo. Parece mais próximo dos ideais que nortearam os primeiros jogos da era moderna, em 1896, de povos irmanados e sem fronteiras. Sonhemos, sonhemos.

 

         Hoje em dia, todos sabem, os Jogos Olímpicos envolvem interesses outros, da geopolítica mundial. China e Estados Unidos, os poderosos da atualidade, se engalfinham para ver quem é o campeão geral. O Comitê Olímpico Internacional, por exemplo, adota o sistema de considerar à frente o país com mais medalhas de ouro. Nossos irmãos do norte, segundo critério do jornal New York Times, entendem que é preciso considerar quem tem mais pódios, independentemente da cor do metal que o atleta carrega no peito. No critério do COI, a China está à frente; na conta da imprensa norte-americana, os EUA ganham. Ai, ai!

 

O Brasil, de mais de 200 milhões de habitantes, poderia também ser uma potência olímpica. Poderia. Os mesmos problemas estruturais, sociais e políticos que afetam outros setores da vida nacional atingem também aqueles que se dedicam anos e anos na busca de uma medalha. Muitos resultados positivos acontecem em face do esforço individual de uns poucos que alcançam níveis de excelência entre milhares potencialmente capacitados, mas sem apoio para brilharem. Esportes coletivos, com patrocínios melhores nos clubes, tipo futebol e vôlei, têm mais sucesso.

 

O que vemos, então, é aqueles(as) solitários(as) gatos(as) pingados(as) que emergem do meio da multidão colocados, pelos nossos entusiasmados locutores patriotas, no panteão dos heróis nacionais. De uma hora para outra, quem fica até o terceiro lugar tem a adesão de muitos e muitos seguidores às respectivas redes sociais, que passam a acompanhar suas mensagens com avidez, como se fossem seres abençoados e suas postagens trouxessem respostas para todas as nossas mazelas. Que época esquisita.

 

 E vi uma notícia, para minha surpresa, que diversos países, o Brasil, inclusive, pagam polpudos prêmios àqueles que sobem ao pódio. Singapura, nesse quesito, é medalha de ouro, pois concede a bagatela de R$ 3,8 milhões para cada campeão nacional. Pindorama, sempre com generosidade quando se trata de esbanjar, oferece 250 mil pelo primeiro lugar, à frente dos pobrezinhos Estados Unidos, Austrália, Japão e Canadá.

         Tudo bem, atletas também precisam comer, mas o Barão de Coubertin deve ter se remexido na tumba.

         Bom, apesar dos pesares, as Olimpíadas mexem. As imagens captadas são de incrível beleza plástica e algumas atitudes demonstram que o espírito olímpico, no estilo “o importante não é vencer, mas competir com dignidade”, permanece no ar. O skate foi incluído pela primeira vez nessa trigésima segunda edição, e suas atletas crianças/adolescentes chamam a atenção. Nós temos uma Fadinha de 13 anos, e o Japão tem Kokona Hikari, de 12 anos de idade, ambas medalhistas.

         Mas me saltou aos olhos um episódio acontecido com Misugu Okamoto, 15. A japonesa levou uma queda na sua apresentação, mas quando chegou ao local onde estavam as demais skatistas, foi abraçada e carregada pelas competidoras dos outros países. A confraternização dessas meninas é como estivessem brincando numa praça qualquer, sem preocupações em saber quem é a melhor. Gostei. Espero que os XXXII Jogos Olímpicos terminem nessa vibe.

         E que venha Paris/2024.