quarta-feira, 30 de março de 2022

Doença

 

        Doença é um negócio esquisito. Que coisinha incômoda.

 

        A pessoa acamada, mesmo que seja um simples resfriado (aliás, depois da pandemia qualquer gripezinha já causa preocupação), fica chata (ou mais chata ainda), não quer muita conversa (ou menos conversa ainda) e só tem um pensamento: ficar boa.

 

     Quando a enfermidade atinge um ente querido é mais preocupante, principalmente em se tratando de uma criança. Dias desses, meu neto mais novo (por enquanto, segundo reza a lenda), estava com uma morrinha danada. O menino tinha febre alta e só queria ficar deitado, nem parecendo aquela usina de energia turbinada que não para quieto.

 

      Olhar aquela criaturinha inerte doía no coração da gente. Mas esses pequerruchos têm uma imensa capacidade de renovação (afinal, o corpinho está novinho em folha), e logo ele se recuperou, voltando a agir de forma natural, ou seja, mexendo em tudo. Que alegria!

 

         Diz um amigo meu que a doença é a desculpa da morte. Acredito, mesmo considerando aqueles desastres naturais, acidentes e homicídios, pois todos eles têm, em qualquer pessoa, uma causa mortis que pode ser classificada como uma patologia. Se eu estiver errado, que me corrijam os especialistas em medicina legal.

        E o noticiário traz a informação que o ator francês Alain Delon, dos mais queridos nas décadas de 60 e 70, atualmente com 86 anos, vai para a Suíça ingerir uma droga letal (Pentobarbital sódico, potente sedativo, que deprime o sistema nervoso central e provoca morte após alguns minutos), no que a legislação daquele país classifica como “suicídio assistido”, que é diferente da eutanásia, na qual doentes em estado terminal têm a vida abreviada pelos próprios médicos.

        Segundo a organização sem fins lucrativos suíça Dignitas, “em todos os casos, por razões legais, o paciente deve ser capaz de realizar o último ato – ou seja, engolir, administrar por sonda gástrica ou abrir a válvula do tubo de acesso intravenoso – ele mesmo”.

        O ex-galã teve um AVC em 2019, mas está lúcido e manifestou sua vontade de morrer expressamente, inclusive divulgando uma carta de despedida aos fãs. Diz o ditado que cada um sabe onde o sapato aperta, mas sendo a morte inevitável, já que, até onde se sabe, até hoje ninguém conseguiu evitá-la, não sei para que acelerar esse processo, sem adentrar no mérito da situação de cada um. Deixemos o tempo seguir seu curso natural.

        Como diz o bordão do humorista Paulo Cintura, personagem da Escolinha do Professor Raimundo, criação do genial Chico Anysio: “Saúde é o que interessa, o resto não tem pressa”.

        Vivamos, e sejamos felizes.

terça-feira, 22 de março de 2022

Mão fechada

 


Eu estava dias desses numa roda de conversa entre sexagenários quando o filho de um desses idosos resolveu dar um pitaco. O assunto girava em torno do tema “simplicidade”.

O jovem citou o exemplo do pai, também presente, que só comprava um sapato para os herdeiros, e o dito pisante era usado até abrir um rombo na sola. Aí, então, as crianças eram agraciadas com um novo par, mas não tinham direito de escolher, pois o cuidadoso genitor tirava as medidas dos pés deles com um pedaço de barbante ou moldava o formato numa folha de papel, como se fosse uma palmilha, e ia até à sapataria, voltando com o mesmo modelo do ano anterior.

Obviamente, tudo isso foi falado em tom de gozação, como se fosse um grande modelo do jeito simples de ser. Meu amigo, em sua defesa, lembrou que vinha de uma família de cinco irmãos, sendo ele o quarto na linha de nascimento. Na época dele de criança, o mais velho ganhava um sapato novo, que depois, após algum tempo de uso, era repassado para os demais, até chegar no caçula ou se acabar no meio do caminho.

Em tempos bicudos, parece que o pão-durismo tem o seu lugar. Mas para uma criança é difícil entender o raciocínio de um pai de família preocupado em fazer o salário durar até o final do mês. Esse mesmo rapaz lembrou que houve época em que falar o verbo “comprar” na casa deles era quase que um pecado mortal.

Mas existe gente que exagera. Conheço um cidadão amazonense que tinha a mão tão fechada que às vezes dava a impressão de que ele ia quebrar os dedos. Cada um, porém, sabe onde o sapato aperta o calo.

Ser generoso não significa desperdiçar, pois aquele que é previdente sabe que não precisa temer o futuro. Paulo, numa de suas famosas cartas, afirma: “Lembrem-se: aquele que semeia pouco também colherá pouco, e aquele que semeia com fartura também colherá fartamente. Cada um dê conforme determinou em seu coração, não com pesar ou por obrigação, pois Deus ama quem dá com alegria”.´

O próprio Jesus, na doutrina intitulada Sermão da Montanha, ensina:  “Não ajunteis tesouros na Terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam. Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam, nem roubam. Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”.

E retornando ao tema inicial. Aquele meu amigo, depois de 16 anos com dois filhos, se tornou pai de uma menina, um sonho antigo de sua esposa. Dizem que aquela rigidez e controle de gastos foi para o espaço. A donzela faz e ganha o que quer, inclusive, segundo fiquei sabendo, tem uma vasta coleção de sapatos de diferentes tipos e modelos.

São as voltas que o mundo dá.

terça-feira, 8 de março de 2022

Mulher

 


        No tempo em que eu era mais rude do que sou hoje (meia encarnação atrás, ou seja, mais ou menos uns 30 anos) costumava fazer uma piada machista em relação ao Dia Internacional da Mulher, que se comemora nesta data de 08 de março.

 

        Dizia esse pobre ignorante que por ser “internacional” a efeméride somente deveria ser motivo de comemoração da Bolívia para lá, não se prestando para qualquer manifestação em solo nacional. Obviamente, sorrisos amarelos acompanhavam essa estapafúrdia declaração.

 

        Hoje em dia tenho que me curvar perante essas pessoas maravilhosas tão homenageadas em prosas e versos, mas que ainda sofrem o preconceito da desigualdade econômica, da violência doméstica e da discriminação racial.

 

        O saudoso filósofo e artista plástico manauara Roberto Evangelista, com sua acurada sensibilidade, foi um dos que também, inspirado pela inteligência divina, descreveu as belezas do sexo feminino, não físicas, mas espirituais, com rara capacidade, em diversos textos e oratórias.

 

        Dizia ele, por exemplo, que mulher, companheira e mãe são três estados de graça incomparáveis, origem do carinho que, tal como uma sombra benfazeja, traz conforto, esperança e conformação, cujo amor é comparável às emanações da essência divina. Entendia que o corpo feminino é uma representação da Terra e do Mar, pois sua fertilidade simboliza a origem de todos num grande útero universal.

 

        Inevitável, nesta pequena reflexão, lembrar da Santíssima Virgem Maria, mãe do Verbo Encarnado, aquela que concebeu sem mácula, que fez jus ao imensurável merecimento de ter sob seus cuidados o Filho de Deus.

 

        Desejo que as mulheres do mundo inteiro possam concretizar seus anseios e sonhos numa vida mais igualitária, onde caminhem lado a lado com os humanos do gênero masculino na construção da tão sonhada igualdade, da justiça social e da liberdade.

 

        Salve o Dia Internacional da Mulher, aqui e lá!

quarta-feira, 2 de março de 2022

Só rindo

 


         Um amigo mais novo do que eu me contou que revirando velhos guardados numas caixas que a mãe dele ainda tinha escondidas num canto de armário encontrou uma ficha de avaliação estudantil solicitada pela professora do jardim de infância/creche para que fosse preenchida pelos pais.

 

         Eram perguntas tipo “socializa com facilidade?”, “boa locomoção motora?”, “se alimenta bem?” e outras similares. Isso aos três anos de idade. Para responder era só fazer um xis numa das opções: ótimo, bom e regular. Duas questões, porém, lhe chamaram a atenção.

 

         Uma queria saber se “fazia uso correto do sanitário?” Um enorme xis vermelho destacou “ótimo”. Logo abaixo, o questionário indagava: “Tem amizade com Jesus?” A resposta foi “bom”.

 

         Intrigado, ele quis saber da avaliadora qual o critério para tal conclusão, ou seja, porque a amizade com Jesus era menos qualificada que a capacidade que tinha de usar os equipamentos de higiene. Sem titubear, a mãe do meu camarada respondeu enfaticamente:

 

         - Na certa porque você cagava mais do que rezava.

 

         Uma sinceridade materna comovente.

 

         Outro episódio interessante envolvendo esse brother acontecia quando ia comprar alguma coisa a pedido de sua genitora. Naquela época, esses pequenos negócios eram no dinheiro vivo. Indo até ao armazém adquirir, por exemplo, açúcar, ele esquecia o troco. Toda vez que ia comprar alguma coisa, voltava sem o troco.

 

         Um dia, cansado daquela situação, foi andando de casa até o comércio próximo firmando o pensamento de que tinha que trazer o troco, não podia esquecer o troco, lembrar de trazer o troco. Na volta, com a sensação do dever cumprido, despejou as moedas em cima da mesa e exclamou de peito estufado:

 

         - Pronto, mãe, aí está o troco.

 

         Mas o mundo desabou logo em seguida:

 

         - E cadê o feijão que eu mandei comprar?

 

         Não é fácil a vida de uma criança.