Continuo aqui a série de crônicas sobre
acontecimentos surreais, fantásticos e que fogem à compreensão comum, apesar de
que, atualmente, com a física quântica e suas infinitas possibilidades, o
limite entre o real e o imaginário ficou mais tênue. Mas deixa isso para lá.
Vejamos, pois, o relato de hoje.
A
faca amolecida
O carteado estava animado, e José não
queria sair enquanto a sorte insistia em ficar do seu lado. Tinha combinado com
Belisca Lua e Durvalina, ambos seus conterrâneos nordestinos, que iriam juntos
a uma festa que seria realizada num barracão nas proximidades do rio que margeava
aquela estação ferroviária.
Na hora aprazada, pediu que o casal de
amigos fosse na frente. Logo, logo iria ao encontro deles. Era uma caminhada
tranquila naquela noite de temperatura aprazível por uma picada limpa e relativamente
larga para os padrões daquela região, onde, não raras vezes, só os mais
experientes conseguiam entrar e sair da floresta em segurança.
Andando sem pressa, Belisca Lua e
Durvalina iam conversando, até que, num determinado ponto da estrada, avistaram
a silhueta de um homem encostado no tronco de uma árvore alguns metros à
frente. Sob o brilho prateado da lua cheia, Durvalina ariscou dizer que era
José quem estava ali, mas como era possível se ele tinha ficado na taberna
jogando cartas?
Entretanto, para a surpresa de ambos,
era mesmo o companheiro.
- Rapaz – indagou Belisca Lua – como você
chegou aqui antes da gente?
- Eu vim andando – explicou José -, e
passei do lado de vocês, que nem me viram.
Os três, entre uma risada e outra,
continuaram o trajeto e já chegaram ao destino com a festa em andamento. Num
canto, próximo de onde estavam, observando a diversão, dois rapazes, já
entorpecidos pelo álcool ingerido, discutiam acirradamente, por conta de uma
moça que ambos cortejavam. Um deles, após levar um soco, puxou uma faca e
partiu para cima do adversário. José, então, interveio.
- Pera aí, pera aí. Para que isso? O que
você – indagou dirigindo-se ao que estava armado – pretende fazer com esta faca?
- Vou matar esse cabra da peste –
garantiu num esturro de raiva.
Calmamente, como se fosse a coisa mais
natural do mundo, José, sabe-se lá com que tipo de domínio, aproximou-se e
pegou a faca da mão do incrédulo atacador.
Segurando a arma branca pelo cabo,
começou a rodá-la em torno de seus dedos, como se estivesse brincando, e disse:
- Com isso aqui você pretende matar
alguém? Mas como? Isso aqui não mata ninguém.
Para espanto dos que assistiam à
contenda, a lâmina da faca começou a minar água e foi ficando mole até que,
completamente retorcida, se mostrou inútil para o fim inicialmente pretendido.
Os brigões, de olhos arregalados, fitaram-se
mutuamente e saíram para lados diferentes, esquecidos da desavença. Foi demais
para eles.
Durvalina, tão estupefata quanto todos os
presentes, sem conseguir entender, somente retrucou:
- José, você tem pauta com o diabo!