terça-feira, 28 de junho de 2022

Em terra de cego...

 


        Nos grotões perdidos deste mundo de Deus, até hoje em dia, nem sempre as coisas são como a gente está acostumado nas áreas mais urbanizadas. Avaliem, então, no início do século passado, quando mesmo nas cidades a crendice e a fé podiam sobrepujar qualquer outro entendimento científico.

 

        Assim era, mais ou menos em 1920, naquele vilarejo das Alterosas, sem energia elétrica, rádio ou novidades. O povo vivia como dava, transmitindo conhecimento empírico de geração a geração. Um ou outro mais inteligente assumia naturalmente um papel de liderança da comunidade, suprindo, principalmente, suas necessidades nas horas amargas da doença.

 

        “Seu” Zequinha, proprietário de algumas terras, com umas vaquinhas, uns cavalos e burrinhos e que tinha aprendido umas coisinhas a mais do que os outros, inclusive sabia ler e escrever, ocupava este papel naquela localidade onde o vento fazia a curva. Era o curador da região, atendia as parturientes e aconselhava o que plantar, o que colher. Brincalhão, tinha a consideração de todos.

 

        Sem muitos recursos, além de algumas erva medicinais e rezas tradicionais, às vezes improvisava para atender alguém que lhe procurava pedindo auxílio numa dor de barriga, numa febre terçã ou casos mais simples que não exigiam remoção para um centro mais desenvolvido. Tinha sempre em estoque um “remédio” de sua invenção que ficou famoso por seu efeitos poderosos.

 

        Era uma bolinha branca, que ele prescrevia, conforme o caso, para o paciente tomar duas ou três em intervalos regulares. Muita gente se curava e lhe procurava para agradecer o benefício recebido. Não sabiam eles, revelação que o rezador somente fez já no final da vida, que era um simples placebo, composto de cocô de cabrito envolvido em polvilho azedo.

 

        Muito usado também era um patuá que ele indicava para as grávidas do local pendurarem no pescoço. Diversas gestantes usufruíram da certeza de que nada lhes aconteceria nos nove meses de gestação enquanto portassem tal amuleto. Determinada vez, porém, uma mais curiosa resolveu descobrir o que tinha dentro daquele pedaço de tecido costurado. Abriu-o e encontrou um pequeno papel dobrado onde estava escrita a seguinte frase: “Quem pariu, pariu. Quem não pariu, vá pra puta que o pariu”.

 

        Finalmente, chegou o momento em que “seu” Zequinha passou dessa para uma melhor. Morreu, como se diz, vitimado por um mal súbito. Gaiato como era, a família e os amigos, na dúvida, resolveram esperar algumas horas (o desencarnamento havia sido de manhã cedo) antes de providenciarem o sepultamento. Afinal, era um 1º de abril. E se fosse mais uma das inúmeras brincadeiras do afamado “doutor”? Melhor prevenir do que remediar.    

 

        Mas era mesmo verdade, e assim se foi para o além o homem que cuidava do povo com inteligência e com o que tinha na mão. Deus o tenha!

segunda-feira, 20 de junho de 2022

Compreensões

 


        Estava eu placidamente obedecendo uma ordem superior de ir ao supermercado comprar tomate quando uma funcionária do estabelecimento comercial se aproximou para fazer a reposição de mercadorias.

 

        Distraidamente reparei que a jovem tinha uma tatuagem no braço direito, um pouco acima do cotovelo, com a seguinte frase: “Sou feita de cicatriz e gratidão”.

 

        Pesquisei na net e encontrei um texto de Fabíola Simões tendo por título a expressão acima descrita, bem como diversas fotos de pessoas que fizeram também o mesmo registro, na própria pele, em pontos diversos, como pescoço, pernas e costas. Parece coisa de alguma tribo urbana.

 

        Não tinha ainda parado para pensar sobre esse ponto de vista, mas me pareceu uma reflexão interessante. Afinal, quem nunca sofreu dores diversas, físicas ou emocionais? E qual de nós já se sentiu grato ou gratificado por alguém? Todos, imagino.

 

        Acredito que a dor é inerente à condição humana. E todo sofrimento gera marcas, com mais ou menos profundidade no nosso ser. Ninguém escapa de dissabores, seja por incompreensões de terceiros ou por atitudes deletérias de nossa própria parte. O importante, porém, é, como se diz popularmente, dar a volta por cima. Não há mal que sempre dure.

 

        No outro lado da moeda, ações benéficas, palavras amigas, fraternidade distribuída incondicionalmente e tantos outros sentimentos positivos que possamos repartir para receber de volta na espiral cíclica universal enchem nossos corações de alegria e de deleitosa sensação de bem-estar. É o amor, a força mais poderosa que existe.

 

        Por isso que devemos “queimar no fogo a mágoa e o desgosto/dormir na brisa fria da manhã/deixar a chuva me lavar o rosto/fazer da vida um canto de louvor” (Canto de Louvor – Leci Estrada).

 

        Simples, mas não tão fácil. Nem por isso podemos esmorecer, pois o caminho é comprido, mas só termina quando cumprido. Chegaremos lá, com a graça de Deus.

segunda-feira, 13 de junho de 2022

Quase minha vez

 


        Desde março de 2020, quando a pandemia da COVID-19 se instalou oficialmente no Brasil, onde haviam, na época, 21 mil casos confirmados e 1.200 mortes, passei incólume por qualquer tipo de sintoma do novo coronavírus. Se tive alguma coisa, não fiquei sabendo.

 

        Recebi na campanha das duas doses regulares da vacina, em 22/04/21 e 16/07/21, respectivamente, a famosa AstraZeneca, que, dizem, os chineses espalharam pelo mundo como parte de um complô de dominação genética, e aderi ao reforço oferecido. Tomei a terceira dose em 03/12/21, desta vez a Pfizer-Biontech.

 

 Mais recentemente, precisamente em 28/05/22, aceitei uma quarta dose, novamente o imunizante da Fiocruz, combinada com uma agulhada contra a Influenza. Aí o bicho pegou. Os primeiros dias foram tranquilos, mas junho começou com temperaturas mais baixas no ambiente externo, enquanto internamente me sentia moído.

 

Atravessei o decêndio inicial do mês com muita tosse, dor no corpo e catarro como nunca tive na vida, pelo menos que me lembre. Fui aguentando com um xarope caseiro, um chá indicado por alguém e algum antitérmico oferecido por aquele balconista de farmácia conhecido.

 

Fiquei ligeiramente assustado, porém, quando numa dessas manhãs enevoadas neste final de outono, ao fazer o asseio matutino, expeli uma placa de catarro grossa numa mistura de verde escuro e vermelho vivo. Achei necessário, então, procurar auxílio médico.

 

        Nesta aprazível cidade litorânea onde moro atualmente, temos as UPAs – Unidades de Pronto Atendimento, mantidas pelo poder púbico, e um único hospital, que, segundo comentário popular, não é recomendado como padrão. Melhor pagar pedágio e viajar 60 quilômetros até a capital. Mesmo assim, resolvi arriscar.

 

        Com minha carteirinha do convênio enfrentei as três indecisas atendentes (uma empurrando o serviço para outra) e a longa fila de espera, como se estivesse num SUS particular. Mais de uma hora depois fui chamado ao consultório, esperei uns 10 minutos a médica terminar algo parecido com um relatório, fui examinado e encaminhado para o raio-X. Diagnóstico: sinusite.

 

        Entretanto, numa louvável precaução, a profissional achou por bem me encaminhar também para fazer o conhecido (menos para mim) teste rápido de antígeno nasal. A enfermeira, com um longo cotonete um tanto incômodo, colheu secreção do nariz e com outro pegou saliva bucal. Fui para casa naquela ansiedade: sim ou não? Resultado: não detectado.

 

        Dessa maneira, tomei os antibióticos receitados e escapei de fazer parte das sombrias estatísticas de casos confirmados da COVID-19 no país. Foi só uma gripe forte. Menos mal. Acho que hoje, nesse dia consagrado a Santo Antônio, volto à musculação. Preciso dar continuidade ao projeto “tanquinho atlético”.