Nos grotões perdidos deste mundo de
Deus, até hoje em dia, nem sempre as coisas são como a gente está acostumado
nas áreas mais urbanizadas. Avaliem, então, no início do século passado, quando
mesmo nas cidades a crendice e a fé podiam sobrepujar qualquer outro
entendimento científico.
Assim era, mais ou menos em 1920,
naquele vilarejo das Alterosas, sem energia elétrica, rádio ou novidades. O povo
vivia como dava, transmitindo conhecimento empírico de geração a geração. Um ou
outro mais inteligente assumia naturalmente um papel de liderança da
comunidade, suprindo, principalmente, suas necessidades nas horas amargas da
doença.
“Seu” Zequinha, proprietário de algumas
terras, com umas vaquinhas, uns cavalos e burrinhos e que tinha aprendido umas
coisinhas a mais do que os outros, inclusive sabia ler e escrever, ocupava este
papel naquela localidade onde o vento fazia a curva. Era o curador da região, atendia
as parturientes e aconselhava o que plantar, o que colher. Brincalhão, tinha a
consideração de todos.
Sem muitos recursos, além de algumas
erva medicinais e rezas tradicionais, às vezes improvisava para atender alguém
que lhe procurava pedindo auxílio numa dor de barriga, numa febre terçã ou
casos mais simples que não exigiam remoção para um centro mais desenvolvido. Tinha
sempre em estoque um “remédio” de sua invenção que ficou famoso por seu efeitos
poderosos.
Era uma bolinha branca, que ele prescrevia,
conforme o caso, para o paciente tomar duas ou três em intervalos regulares.
Muita gente se curava e lhe procurava para agradecer o benefício recebido. Não
sabiam eles, revelação que o rezador somente fez já no final da vida, que era um
simples placebo, composto de cocô de cabrito envolvido em polvilho azedo.
Muito usado também era um patuá que ele
indicava para as grávidas do local pendurarem no pescoço. Diversas gestantes
usufruíram da certeza de que nada lhes aconteceria nos nove meses de gestação
enquanto portassem tal amuleto. Determinada vez, porém, uma mais curiosa
resolveu descobrir o que tinha dentro daquele pedaço de tecido costurado. Abriu-o
e encontrou um pequeno papel dobrado onde estava escrita a seguinte frase: “Quem
pariu, pariu. Quem não pariu, vá pra puta que o pariu”.
Finalmente, chegou o momento em que “seu”
Zequinha passou dessa para uma melhor. Morreu, como se diz, vitimado por um mal
súbito. Gaiato como era, a família e os amigos, na dúvida, resolveram esperar
algumas horas (o desencarnamento havia sido de manhã cedo) antes de providenciarem
o sepultamento. Afinal, era um 1º de abril. E se fosse mais uma das inúmeras brincadeiras
do afamado “doutor”? Melhor prevenir do que remediar.
Mas era mesmo verdade, e assim se foi
para o além o homem que cuidava do povo com inteligência e com o que tinha na mão.
Deus o tenha!