No famoso sobrado que meu avô
construiu na Rua Sete de Setembro (o terreno era uma pedreira, que ele mandou
dinamitar e usou as pedras na construção, fazendo a liga com óleo de baleia –
coisa antiga) tinha uma caramboleira, entre outras árvore frutíferas.
Ficava bem no centro do jardim, nas
proximidades da fonte que jorrava água num pequeno lago cheio de peixinhos
coloridos. Não sei dizer, mas acho que ele nunca fez uma poda, porque ela
cresceu com vontade e espalhava sua copa soberana enchendo de sombra o quintal.
Quando frutificava, era carambola para
todo o lado. Por causa da altura, os frágeis frutos caíam no chão e se espatifavam
em pedaços imprestáveis. Engenhoso como era, vovô arrumou um bambu bem comprido
e prendeu na ponta um saco de pano (acho até que era um coador de café usado).
Assim, ele alcançava os galhos mais altos e trazia carambolas perfeitas, sem
nenhum machucado, gostosas como nunca vi igual.
Aquelas mais verdosas comiam-se com sal,
enquanto as amarelas e maduras eram saboreadas de três a quatro por vez.
Gostava de cortá-las em pedaços, só para ver os cinco gomos em formato de
estrela. Para mim, quanto mais azedinhas, melhor. De todas, era a minha árvore
preferida naquele canto idílico daquela parte do centro da cidade, ao qual eu
tinha acesso total.
Tempos atrás – antes desses momentos
pandêmicos – comprei num supermercado uma bandeja com quatro carambolas,
naquele tom verde amarelado ou amarelo esverdeado, como queiram. Para minha
decepção, nem de longe me lembraram aquelas da minha infância/juventude. Parece
que tem coisas que são apreciadas num momento, em determinada época. Depois,
perdem a graça.
Assim é a vida da gente. Nascemos, crescemos,
ficamos adultos. A vivência que o mundo nos traz, ou que buscamos, modifica
nosso entendimento, traz novas compreensões, aponta rumos. Entre tristezas e
alegrias, fracassos e vitórias construímos nossas convicções e nossa visão do
que é errado ou certo. As conclusões a que chegamos são decorrência de tudo
isso. A formação de um caráter depende bastante disso.
Tal qual uma velha e sábia
caramboleira, que cumpre sua missão sem reclamar, florando e frutificando na
época certa, possamos nós atravessar os anos enfrentando ventos e tempestades, mas
também com calmarias e momentos de paz e tranquilidade, forjando nossa têmpera
para o que der e vier.
Ser um sobrevivente que
possa olhar o espelho e não ter mágoas e nem rancores, e sim vitórias e alegrias para
contar. Como se fosse uma carambola escorrendo suco nos lábios de um menino feliz.
Feliz de quem tem o que recordar.
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