Desabafo ouvido de uma empregada
doméstica:
“Era para eu estar longe daqui. Fiquei
três anos juntando dinheiro, sem comprar roupa, sem comprar sapato, comendo o
mínimo necessário, nem saía de casa para não gastar. Minha irmã mora nos
Estados Unidos, com o marido e dois filhos. Eles entraram clandestinamente,
pelo México, levaram dez dias na travessia. Deram sorte. Estão lá até hoje. Já
têm casa, carro, estão bem.
Mas eu não queria ir assim não. Queria
entrar pela porta de frente. Fiz tudo direitinho. Ajeitei toda a papelada, preenchi,
com a ajuda de uma pessoa, o pedido de visto. Tirei passaporte. Comprei
passagem até Miami de ida e volta, que não ia usar, é claro. Marquei entrevista
no Consulado. Paguei as taxas. Minha patroa na época disse que me levava lá,
que ela já tinha morado no Rio de Janeiro, conhecia a cidade.
Foi no início do ano passado. Fomos de
ônibus. Paguei tudo. Saímos de noite, chegamos de manhã cedo. Pegamos um Uber,
por minha conta. O café da manhã também fui eu quem pagou. A entrevista demorou.
Fiquei quase a manhã toda na fila. Quando chegou a minha vez, deu ruim. Que
decepção!
A loira de olhos azuis por trás do
vidro do balcão olhou meus documentos e não disse nada. Nem fez nenhuma
pergunta. Só devolveu tudo e disse: ‘Você não vai’. Assim, sem maiores explicações:
‘Você não vai’. Quis saber o motivo. A branquela falou que eu não tinha nenhum
parente nos Estados Unidos, não tinha nada para fazer lá. Se eu quisesse,
poderia tentar novamente depois de seis meses.
A frustração foi tão grande que não
consegui nem chorar. Eu não podia entregar minha irmã, dizendo que ela estava
lá. Seria o mesmo que colocar a Polícia atrás dela. E eles iam mandá-la de
volta. Nunca seria perdoada. Nem quis saber de tentar novamente. Foi discriminação,
racismo. Só porque eu sou negra e pobre. Mas eu tinha, na época, quase 8 mil
dólares. Dinheiro suado, de trabalho honesto e duro.
Mas está bom. Comprei um barraco para
o meu irmão morar e guardei o restante numa poupança. Minha irmã ainda manda
mensagens me chamando para ir escondida, igual ela foi. Tenho medo. Queria ir
do jeito certo. Não deu. Fico aqui mesmo. Pode ter sido melhor, até porque eles
não gostam mesmo de preto. Não está vendo a confusão por causa daquele homem
que um policial matou?
No Brasil, pelo menos, a coisa é mais
disfarçada, a gente ainda consegue viver. É só não se meter em confusão”.
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