quinta-feira, 21 de abril de 2011

As cidades da minha infância

Antes de falar da nossa (minha e de minha família) vinda para Rondônia, vou escrever alguma coisa sobre as cidades onde morei quando garoto. Meu pai era juiz de Direito e, nesta condição, tinha que iniciar a carreira (chamada primeira entrância) nas localidades de menor expressão do interior até chegar à Capital (terceira entrância ou, como dizem atualmente em alguns estados, entrância especial).
Não morei em todas as comarcas onde ele trabalhou, mas na maioria eu, minha mãe e meus irmãos residimos. Antes de minhas duas irmãs e meu irmão nascerem (sou o mais velho), fomos para Conceição da Barra e São Mateus, cidades litorâneas do norte capixaba, na divisa com a Bahia. Tinha uns dois anos de idade e só sei do que aconteceu por lá através das fotos e do que os parentes contam. Nada de especial.
De Santa Leopoldina, porém, me lembro bem da casa. É uma região serrana, de forte colonização italiana e alemã. A construção era térrea, bem ampla, num terreno de grande extensão, em cuja lateral passava o Rio Santa Maria. Vale lembrar que, em 1860, a cidade recebeu a visita de Dom Pedro II, acompanhado de grande comitiva, da qual fazia parte, entre outros, o Marquês de Tamandaré. Afinal, era a terceira colônia mais populosa do império.
O quintal tinha muitas fruteiras e uma vez os galhos amanheceram cheios de cobras verdes que, segundo ouvi os adultos dizerem, não eram venenosas. Foram mortas e jogadas no rio. Eu ainda não estava em idade escolar. Ficamos pouco tempo ali.
Em seguida fomos para Guaçuí, no sul do estado, lugar friorento (determinada ocasião fez 5 graus). O acesso (estávamos em 64/65) era precário. As estradas tinham extensos trechos com lama e uma viagem de Vitória para lá, pouco mais de 200 quilômetros, demorava quase um dia todo. Nos alojamos numa casa que meu tio Rogério já havia ocupado, de propriedade do sogro dele, o fazendeiro Agenor Thomé. Tinha dois pisos e um vasto quintal.
Iniciei minha vida de estudante no Grupo Escolar Zélia Viana de Aguiar, nome da mulher do governador Chiquinho Aguiar, que era da região. Fiz os quatros anos primários e depois uma prova de admissão para ir para o ginásio ou fazer o 5º ano primário. Consegui o acesso e fui para o ginásio. Foi no tempo ginasiano que minha miopia apareceu e comecei a usar óculos. Influenciado por um professor da matéria Técnicas Agrícolas, resolvi fazer uma criação de coelhos. Com pouco tempo já tinha uma dezena, pois eles procriavam velozmente. Não dei conta e me desfiz dos bichos, aproveitando a oportunidade para degustar alguns (são muitos saborosos).
Um dos grandes prazeres que eu tinha, naquela época, era ir na Fazenda São Domingos, da familia Thomé. Ali dei meus primeiros tiros com espingarda de chumbinho (era ruim de mira que só). Mas fiquei bem prático em andar a cavalo, com sela ou sem. Foi lá, também, que vivi uma experiência inusitada: olhávamos uns trabalhadores queimarem uma casa de abelhas, mas a coisa desandou e os insetos nos atacaram. Corremos no rumo da casa e os que chegaram na frente fecharam as portas. Ficamos do lado de fora eu e minha mãe, que me cobriu com o corpo dela e levou a maior parte das ferroadas. Na retirada dos ferrões, se contaram centenas deles.
Em seguida, descemos para Alegre, município vizinho. Fomos morar numa casa que ficava em frente da praça onde estava sediada a Prefeitura. Em 1970 assisti à primeira transmissão de uma Copa do Mundo pela televisão, e me deliciei com o show de Pelé, Gerson, Jairzinho, Tostão, Rivelino e companhia. Afinal, futebol era, e é, meu esporte favorito. Toda dia tinha um racha com a garotada da vizinhança. Outra brincadeira era correr por cima dos galhos das árvores, que estavam tão entrelaçados que dava para passar de uma para a outra, numa sequência de umas dez, mais ou menos. Tinha, então, 13 anos. Criava coleiros, uns passarinhos pretos com um círculo branco ao redor do pescoço, e canários. Quando nos mudamos, soltei-os.
Dali fomos para Colatina, mais ao norte, às margens do Rio Doce. Ainda estava no ginásio e fui matriculado no Colégio Maristas. Aderi ao escotismo. A cidade, no período chuvoso, tinha muitos problemas de alagações e desabamentos e os escoteiros eram convocados para auxiliar. Um drama que vivenciei, em função disso, foi dar banho e vestir um bebê que tinha morrido afogado. A composição de minério de ferro que vinha (ainda vem) de Minas Gerais para o Espírito Santo passava (atualmente existe um anel ferroviário fora da cidade) bem no meio das ruas centrais. Nós morávamos numa ladeira próxima, e achava interessante como as coisas tremiam (vidros, por exemplo) enquanto aquelas centenas de vagões corriam sobre os trilhos.
E aí, no final de 1971, chegamos, finalmente, na capital, Vitória, onde meu pai concluiu sua carreira na Magistratura e eu comecei a dar meus primeiros passos por conta própria, conforme relatos neste blog.

2 comentários:

  1. Gostei dessa retrospectiva pelas cidades onde vocês moraram. Acho que Vovó ia gostar de ler esse texto.
    beijos

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  2. É, vou imprimir e mandar para ela. Bjs.

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