domingo, 17 de abril de 2011

Minha vida de "artista"

Eu também trabalhei na Globo. Brincadeirinha. Fui funcionário da TV Gazeta, que é afiliada da Rede Globo. Entrei lá em 1979 e fiquei até 1985, quando vim para Rondônia. Confesso que foi difícil minha adaptação à mídia eletrônica, porque minha praia, até então, tinha sido o jornal impresso. A emissora ainda funcionava nos últimos andares do prédio (Edifício Gazeta) da Rua General Osório. Posteriormente foi para a sede nova, onde está até hoje, na Rua Chafic Murad, 902, local mais afastado do centro da cidade, e onde também estão instalados os jornais e as rádios da empresa.
O que pegou, no início, era entender a linguagem e o tempo da televisão. Eu, que sempre fui muito expansivo escrevendo, tinha que fazer textos contados em segundos. A gente marcava 36 toques da máquina de escrever na lauda e cada linha daquele tamanho correspondia, em média, a dois segundos. Somávamos a isso os minutos das reportagens e tínhamos o total do noticioso do dia, que era pré-determinado em função da programação da Globo. Isso até que é fácil, né mesmo?
O negócio é ir para a frente das câmeras. Com um microfone na mão a coisa pega. Tinha entrevistado, por exemplo, que falava que era uma beleza, mas quando começava a gravar, pra valer, se enrolava todinho. Outra coisa que eu não consegui me adaptar era o costume que havia, na época, de querer transformar qualquer notícia num espetáculo. Claro que TV depende de som e imagem, mas "produzir" uma matéria me dava arrepios.
Lembro que quando o Papa João Paulo II esteve aqui no Brasil pela primeira vez, me deram uma pauta da seguinte maneira: ir para um restaurante de beira de estrada, onde os caminhoneiros se reuniam, e quando o líder católico aparecesse na telinha, todos se ajoelhariam para rezar. Naturalmente que isso tudo tinha que ser combinado com os "meninos". Você viu a reportagem? Ninguém viu, porque não fiz.
Mas quando o assunto era notícia de verdade eu tirava de letra. Fiz, por exemplo, a cobertura da primeira eleição direta realizada no país para governador, em 1982, desde o início do regime militar. No Espírito Santo, a coisa foi interessante. O fim do bipartidarismo (Arena e MDB), em 1980, fez surgir novas agremiações política - o Partido dos Trabalhadores, por exemplo - e assistiu ao renascimento de antigas siglas, como o PTB. A Arena virou PDS e o MDB, muito sabidamente, apenas acrescentou a letra P no início da nomenclatura.
Pois bem. Aí, o carimástico líder político Gerson Camata, que tinha sido vereador, deputado estadual e deputado federal pela Arena, optou, com certeza por suas convicções democráticas, em ir para o PMDB, sob protestos dos peemedebistas capixabas históricos, entre eles Max Mauro, que já vinha de longa data combatendo na trincheira oposicionista. Os dois foram para a convenção e quando foi anunciado o resultado, tendo sido escolhido o novo filiado, eu estava do lado de Camata. Os correligionários correram para abraçá-lo e ele pedia, sem ser ouvido: "Abracem o Max, vamos abraçar o Max". Final da história: o homem foi eleito governador.
Fiz o anúncio que o governador Eurico Resende (o último eleito indiretamente) não iria deixar o cargo para disputar a eleição, conforme permitia a legislação vigente naquele período. Já era noite e eu estava na redação quando o diretor responsável, Vladimir Godoy, me mandou ir para o Palácio Anchieta (sede do governo). Saímos, eu, o repórter cinematográfico e o iluminador/técnico de som, meio na carreira que até esqueci de colocar o paletó e a gravata. Chegamos lá, esperamos algum tempo (não tinha mais nenhum jornalista presente) e recebemos a Nota Oficial em que Resende anunciava sua decisão. Gravei meu texto, na ante-sala do gabinete do governador, e corremos para a emissora. O material foi editado e colocado no ar, num dos intervalos comerciais, naquela mesma noite, como notícia urgente.
Durante um período fazia entrevistas no estúdio. Era uma espécie de Jornal da Globo local e num dos blocos alguma personalidade era convidada para falar sobre temas de sua área. Geralmente o material era gravado à tarde. Gostava porque permitia mais liberdade para o debate de ideias, sem muita restrição de espaço. As pessoas podem achar que  30 segundos é pouco tempo, mas dá para falar um bocado de coisa. Experimente para ver. Imagine em cinco minutos, por exemplo.  
Depois que aprendi, fiquei craque em editar as reportagens nas novas ilhas de edição. Modéstia à parte, eu tenho um feeling bom para pegar um material bruto (que o repórter traz da rua) e colocar numa sequência lógica, onde apenas o essencial vai ao ar. Não raras vezes eu juntava o início de uma pergunta com o final de outra, quando havia planos de imagens (mais aberto, mais fechado) diferentes que assim permitissem, dando uma dinâmica que não parecia possível.
Falei em "vida de artista" no título porque na televisão, atualmente, e já naquela época se sentia isso, sem sombra de dúvida, tem uma penetração muito grande em todas as camadas da população. Eu sabia que era conhecido porque aparecia na TV, ouvia as pessoas falarem "olha aquele repórter da TV Gazeta". Com certeza acontecia com os outros jornalistas. Por isso é fácil entender porque alguns se envaidecem com essa aparente fama e querem ser mais importantes do que a notícia em si. Mas é um veículo ágil e que exige bastante desenvoltura do profissional, apesar do nível estressante da rotina.
Não é fácil você ficar naquela expectativa, vendo o locutor dentro do estúdio, o diretor de TV contando os minutos que faltam para o programa entrar no ar e acompanhar o texto de abertura das matérias, rodar os vts com as reportagens, voltar novamente para o locutor, tudo num sincronismo perfeito. Nada pode estar fora do lugar ou dar errado. Acredito que, mais do que na mídia impressa, o jornalismo televisivo é um verdadeiro trabalho de equipe.
Enfim, foi uma boa experiência. Mas até aqui mostrei apenas o que aparecia para o público externo. Tinha a questão interna, o relacionamento patrão-empregado, as reivindicações sindicais, os radicalismos mútuos e outras coisas mais que ficarão para uma próxima postagem. Aguardem.



3 comentários:

  1. Gostei da sua vida de "artista".
    só estou lendo agora esse texto. Interessante saber os bastidores de um jornalista na televisão, mesmo tendo sido há alguns anos atrás.

    ResponderExcluir
  2. Meu pai é global. Uauuu
    Bem legal saber esses detalhes.
    bjusss

    ResponderExcluir