domingo, 25 de outubro de 2020

Indignação

 

Chegou ao meu conhecimento, via WhatsApp, a notícia de que tramitou (não sei o ano) na 1ª Vara Cível e Criminal de Tobias Barreto, município do interior sergipano, uma ação em que um estudante, representado por sua mãe, pleiteava indenização porque um professor tomou-lhe, durante a aula, o celular.

 

Consta no processo que o aluno estava ouvindo música com fones de ouvido enquanto o educador discorria sobre o conteúdo da disciplina que estava sendo ministrada. O jovem pleiteou indenização por danos morais aduzindo que a atitude do mestre lhe causou “sentimento de impotência, revolta, além de um enorme desgaste físico e emocional”.

 

O juiz Eliezer Siqueira de Sousa Júnior, ao prolatar a sentença, indeferiu o pleito autoral, considerando que “não houve abalo moral, já que o estudante não usa o celular para trabalhar, estudar ou qualquer outra atividade edificante”. Entendeu ainda o sensato magistrado: “Julgar procedente esta demanda, é desferir uma bofetada na reserva moral e educacional deste país, privilegiando a alienação e a contra educação, as novelas, os realitys shows, a ostentação, o bullying intelectivo, o ócio improdutivo, enfim, toda a massa intelectivamente improdutiva que vem assolando os lares do país, fazendo às vezes de educadores, ensinando falsos valores e implodindo a educação brasileira”.

 

E disse mais o nobre julgador: “Ensinar era um sacerdócio e uma recompensa. Hoje, parece um carma. No país que virou as costas para a Educação e que faz apologia ao hedonismo inconsequente, através de tantos expedientes alienantes, reverencio o verdadeiro herói nacional, que enfrenta todas as intempéries para exercer seu múnus com altivez de caráter e senso profissional: o Professor”.

 

Tem coisas que são tão sem nexo que parecem até inacreditáveis. O mais alarmante nisso tudo, a meu ver, não é o aluno dar as costas à aula para ouvir música. O que impressiona é uma mãe entender que o filho, nesse caso, tem razão e mobilizar o sistema judicial para defender a tese absurda de que o monstrinho que ela está criando possuía direito a indenização.

 

Fosse esse um país sério, essa criatura desnaturada seria repreendida severamente quando chegasse em casa contando a sua façanha, e não amparada. Ainda bem que o caso caiu nas mãos de um juiz com a cabeça no lugar. Que Brasil é esse que estamos entregando aos nossos filhos e netos? O que esperar de uma geração que ameaça professores, agride-os e passa pelas escolas sem nenhuma preocupação em adquirir o que há de mais importante: estudo?

 

Sim, existem colégios excelentes, com alunos dedicados e focados no aprendizado. Mas é uma minoria. Estou falando dos milhões de jovens entregues à própria sorte por um sistema desumanizado e no qual o elo mais importante – o profissional do Magistério – está ao Deus dará. Homens e mulheres abnegados que diuturnamente dão o melhor de si em aulas a rapazes e moças tristemente desinteressados, porque não conhecem a importância do ensino que desprezam.

 

É sabido que em muitos países os professores são extremamente respeitados e valorizados, e têm autoridade máxima dentro da sala de aula, a ponto de, no Japão, ser dito de que são as únicas pessoas que não precisam se curvar diante do imperador (na verdade, eles são os únicos a quem o imperador retribui a saudação). Não há nação que tenha crescido e garantido melhor condição de vida a seu povo sem amplo investimento educacional, cujos resultados demoravam, no mínimo, 25 anos, ou seja, o tempo de uma geração.

 

Atualmente fala-se que existe um geração tecnológica, cuja distância de uma para a outra é de apenas 10 anos, tendo entre suas principais características: a consideração da aprendizagem formal e informal por meio de dispositivos analógicos e digitais; o ensino em espaços físicos diferentes e a transparência na forma de ensinar por meio de múltiplas tarefas (www.revistaeducacao.com.br).

 

Talvez por isso a historiadora e escritora Jill Lepore, professora da Universidade de Harvard, em Cambridge (EUA), em seu livro mais recente intitulado Estas verdades – História da formação dos Estados Unidos, esclarece: “Uma nação não pode escolher o seu passado, só pode escolher seu futuro”.

 

Que futuro estamos escolhendo, na medida em que, no dizer do juiz Eliezer Siqueira de Sousa Júnior, estamos virando as costas para a Educação? Que líderes surgirão sem a lapidação iluminada do conhecimento?

 

Sinais obscurantistas já estão no ar. Abramos, pois, portas e janelas para que a luz possa afastar as trevas do mofo da ignorância e fazer brotar o sadio saber que orienta e conduz ao porvir virtuoso.

 

 

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