segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Barra pesada

 

          O Rio de Janeiro continua lindo, e perigoso, pensava o experiente policial quando arrumava as suas gavetas ao final do expediente naquela Delegacia que frequentava por mais de 20 anos e a qual voltava após mais de um ano de licença médica. Já havia passado por situações difíceis, mas nenhuma igual àquela que o levou a um leito hospitalar e, posteriormente, a um longo e penoso tratamento fisioterápico de recuperação.

 

          Tudo tinha acontecido num domingo tranquilo em que havia saído para passear com os dois filhos e os estava levando de volta à casa da ex-mulher naquele finalzinho de tarde amena de inverno carioca. Depois que deixou as crianças na segurança do lar, voltava despreocupado para o carro quando foi surpreendido por três homens armados, que vinham em outro automóvel.

 

          Sob a mira de revólveres levou um baculejo, mas sua carteira e o celular estavam dentro do veículo, onde já estava outro assaltante, que, rapidamente, localizou a sua arma no porta-luvas e gritou: “Cuidado, é polícia”.

 

          Ora, no Rio de Janeiro um policial cair nas mãos de bandidos é praticamente uma sentença de morte. Sem titubear, se atracou com o meliante que o havia revistado e usando a arma dele disparou sem direção, com o intuito tão somente de dar o alarme.

 

          Sua ex-mulher e o atual marido dela, ambos também policiais, saíram correndo de dento da casa de revólveres em punho, e ao presenciaram a cena passaram a atirar na direção dos facínoras, que fugiram o mais rápido que puderam, não sem antes acertar-lhe sete tiros em diversas partes do corpo. Imediatamente socorrido, ficou em coma numa UTI por vários dias até que, por uma dessas coisas que não se sabe explicar (milagre?), melhorou, foi melhorando devagar, foi transferido para um quarto e conseguiu sobreviver.

 

          Incrivelmente inexistiram sequelas, além das cicatrizes, pois as balas não atingiram nem o rosto e nem alguma função vital. Assim, após uma série de exames clínicos, radiológicos e psicológicos, e meses de exercícios de reabilitação, foi considerado apto e retornou ao serviço ativo. Era seu primeiro dia de trabalho nessa nova fase.

 

          Acabou se entretendo com os colegas e deixou o prédio da DP além do horário em que gostaria de voltar para casa. Evitou as ruas menos movimentadas e mais escuras, mas percebeu, depois de alguns minutos de viagem, que estava sendo seguido por dois motoqueiros. Um arrepio lhe percorreu a espinha dorsal, e sua intuição indicava, sem sombra de dúvida, que ia ser atacado novamente.

 

          Porém, não estava disposto a passar tudo aquilo novamente. Desta vez, não iria ser surpreendido. Manteve o ritmo normal de velocidade e à medida que a dupla se aproximava para emparelhar, percebeu que um deles, exatamente o que ia se postar ao seu lado, havia sacado uma arma. Ele também não se fez de rogado: abaixou o vidro, pegou seu revólver de serviço, deixou-o engatilhado e quando as motos já estavam cada uma em um lado do seu carro não esperou a ordem de parar: atirou no motociclista armado, sem se preocupar em mirar, viu quando a moto rodopiou e perdeu a direção no asfalto escuro e o segundo bandido parava para socorrer o cúmplice.

 

          Acelerou e seguiu em frente, sem nem olhar no retrovisor. O suor frio que lhe molhava a camisa foi substituído por uma sensação de alívio, daquela que se sente quando se escapa de um grande perigo e se tem a percepção de que fez o que devia ter feito, sem nenhum arrependimento. Avisou a primeira viatura da PM que encontrou, mas a dupla deletéria já tinha sumido, com motos e tudo.

 

          Mais tarde, no aconchego da sua cama, repassando o ocorrido, ficou uma certeza: precisava se aposentar.

 

            

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