quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Nada mudou?

 

        A primavera começou com chuva e uma frente fria que atrasou a devolução aos armários dos casacos e cobertores. Ruas alagadas, neste velho problema esquecido por inúmeras administrações, trânsito caótico (por que os motoristas têm tanta pressa nos engarrafamentos?) e dias cinzentos de mar agitado marcaram a despedida do inverno.

 

          Aquecido no fundo do sofá, folheava desinteressadamente uma velha publicação com alguns textos do jurista, escritor e político brasileiro Rui Barbosa e me deparei com um discurso proferido no Senado da República, em 11 de novembro de 1914, a respeito da liberdade de imprensa, ameaçada por conta da divulgação de uma notícia, à época, sobre a compra irregular de suprimentos para as Forças Armadas, entre outros assuntos.

 

          Na ocasião, em determinado trecho de sua oratória, assim se pronunciou o afamado Águia de Haia: “De todos estes elementos reunidos e combinados é que emana a corrupção do poder público entre nós, em todos os seus ramos, assim como, em boa parte, a da própria sociedade, a de todo o ambiente nacional. E, dissolvida, como se acha, de todo, no Governo, a disciplina moral, não admira que, por sua vez, nas classes armadas expire a disciplina militar. Graças a este.....é que o Exército está sendo convertido em baralho de cartas nas mãos poderosas deste reinado.....Em fazer do Exército instrumento de suas ambições políticas useiro e vezeiro é o Governo de agora.....”

 

          Assim, quase 106 anos depois seria o caso de se dizer que “está tudo como dantes no quartel de Abrantes”?

 

          Um dito dos antigos garante que religião, política e futebol não se discutem. Neste meu espaço pretensamente literário poucas vezes cuidei desses temas, mas tem momento em que há necessidade de desabafar, registrar alguma indignação com o cenário nacional da atualidade, complicado pela pandemia do novo coronavírus e a recessão econômica, anterior à COVID-19, que, mais uma vez, golpeia os menos favorecidos.

 

          As queimadas, por exemplo. Já falei sobre isso, porque conheço alguma coisa após morar 34 anos em Porto Velho, capital rondoniense. Quando lá cheguei, em 1985, da porta da minha casa avistava, no limiar do horizonte, uma linha de árvores de variados tamanhos. Ao sair de lá, em 2019, viam-se, tão somente, telhados de residências. Às margens da BR-364, que faz a ligação com Cuiabá/MT, a floresta nativa foi substituída em centenas de quilômetros por pasto ou plantações.

 

          É sabido que os índios e agricultores familiares usavam o fogo, desde tempos imemoriais, como instrumento rudimentar para limpar áreas para plantio. Entretanto, com a ocupação de imensas glebas pelo agronegócio, esse sistema tradicional tomou proporções que ainda não se pode dimensionar, pois um pequeno incêndio controlado para cultivo de mandioca, milho ou feijão de subsistência agora ocorre em milhares de hectares, muitas vezes sem fiscalização e com consequências danosas à flora e à fauna, tendo à frente o interesse econômico de alguns em detrimento da sociedade como um todo, com o aval e omissão das autoridades do setor ambiental.

 

          Lamentável que o Brasil esteja, no plano internacional, com a credibilidade abaixo do nível do chão. As nações ditas de Primeiro Mundo querem ter o controle da Amazônia, defendem-se os mandatários de plantão. Por ser. Já queimaram tudo na Europa. E daí? Isso não justifica permitir que a região ainda praticamente desconhecida seja destruída para atender objetivos não muitos claros dos que permitem tais descalabros.

 

          A falácia ainda é pior quando informações sem conteúdo probatório são difundidas por autoridades a quem se gostaria de dar o crédito da veracidade e confiabilidade inerente aos cargos maiores que ocupam. Num jogo de cartas marcadas, onde a coisa pública fica em segundo plano, cuida-se do país de uma forma tal que interesses particulares se sobrepõem e são apresentados como se efetivamente representassem a função maior do Estado, que, no dizer de Thomas Hobbes, matemático, teórico político e filósofo inglês do século XVII, tem a finalidade precípua de manter a paz entre os cidadãos.

 

          Quinhentos e vinte anos de história e Pindorama ainda patina no atraso. Que sina é esta? Resta a esperança, oriunda de um crescente trabalho de consciência, de dias melhores, já que, conforme explicou Abraham Lincoln, apontado quase à unanimidade como um dos maiores presidentes norte-americanos, “pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos todo o tempo”.

 

          Perseveremos, pois!

         

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