quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Gato escaldado...

 


        - Casamento não é para mim.

 

          Pela enésima vez ele repetia esse quase mantra, após, novamente, sua mãe insistir no assunto, um dogma familiar da qual ela não abria mão, principalmente por um motivo muito específico: queria ser avó.

 

          - Meu filho – dizia -, você já tem mais de 30 anos. Precisa de alguém para formar uma família. Não faça como eu, que depois que separei do teu pai estou vivendo sozinha e chegando à velhice sem ninguém para me fazer companhia. Não espere muito, senão passa do tempo para você ter filhos.

 

          Contudo, as duas experiências anteriores em que namorou “para casar” deixaram marcas profundas em seu ser, a ponto de ele não admitir sequer pensar na possibilidade, por mais remota que fosse, de contrair matrimônio. Aliás, essa expressão (“contrair matrimônio”) lhe dava calafrios, como se o casamento fosse uma doença que alguém “contraísse”.

 

          Na verdade, era difícil não dar razão ao assustado desafeto de uma vida conjugal. Vejam o que lhe aconteceu.  

 

          Tinha recém alcançado a maioridade quando conheceu Helena, uma linda morena de olhos verdes e longos cabelos pretos. Moça de família, frequentava a mesma igreja e não vivia em festas e nem gostava de bagunça. Menina de respeito. O namoro lhe enchia de felicidade, e ela rapidamente conquistou a mãe, que fazia de tudo para agradar aquela que iria lhe dar muitos netos.

 

          Nada parecia que poderia abalar futuro tão promissor. Mas o vento do destino soprou de forma inesperada e carregou para longe todos os projetos. O pobre rapaz ficou na mão. Estavam de noivado marcado, e dali para os votos de união não ia demorar muito, quando resolveram, junto com alguns amigos, visitar um moderno parque de diversões que havia se instalado na cidade.

 

          Havia brinquedos os mais variados, desde os tradicionais carrosséis para crianças de todas as idades até o trem fantasma, passando por roda gigante e montanha russa. A novidade, porém, na época, era um tal de chapéu mexicano, em que numa cadeira individual a pessoa rodava numa velocidade estonteante e era elevada a uma altura assustadora.

 

          Influenciada pela turma, a futura noivinha resolveu ir também. Foi só, porque Alfredo (esse era o nome do moço) tinha enjoos em qualquer coisa que se elevasse mais de três metros do chão. Cinco minutos de muita adrenalina era a promessa contida nos cartazes. Tudo aparentemente aconteceu dentro da normalidade, mas somente quando a máquina parou e os gritos nervosos dos brincantes cessaram foi que perceberam que algo tinha dado errado.

 

          Não se sabe de que maneira, mas Helena não aguentou o repuxo, e teve um ataque cardíaco fulminante que a deixou prostrada na cadeira, com a boca aberta num esgar abafado de quem pediu socorro e não foi ouvida.

 

          Passados uns anos, com a ferida já cicatrizada pelo tempo, o grande professor universal, que tudo resolve, a vida seguia seu curso. Ainda jovem e na força hormonal da idade, Alfredo sentiu, mais uma vez, atração por uma mulher, essa uma colega de trabalho, que tinha vindo do interior tentar a sorte na cidade grande. Talvez não fosse tão bonita ou prendada quanto a primeira, mas era carinhosa e sabia chamegar de um jeito que não tinha tido oportunidade de vivenciar com a sua primeira escolhida.

 

          A mãe, na constância do sonho de ver uma nova geração finalmente desabrochar, não se fez de rogada, e aprovou a escolha. Só pedia para o filho usar algum tipo de prevenção, pois não queria que a gravidez ocorresse antes do casamento. Meses depois que o relacionamento estava bem encaminhado, Rosélia (assim se chamava a caboclinha) falou que iria visitar os pais na cidadezinha onde nascera e voltaria em três dias.

 

          Conforme combinado, passado aquele período ela retornou. Dois meses depois a grande surpresa: estava grávida. Alfredo, espantado com a novidade, de pronto disse que o filho, ou filha, não era seu, pois, fiel seguidor da orientação materna, sempre usou camisinha nas relações sexuais que tiveram. Rosélia, por sua vez, jurava de pé junto que a criança era dele. E criou-se um impasse.

 

          A futura vovó não quis nem saber quem tinha razão. Colocou a nora para dentro de casa, comprou enxoval, pagou médico e deu toda a assistência necessária até a hora do parto, isso com o auxílio do filho, que tinha um dinheiro guardado para comprar um carro, mas teve que investir naquelas despesas não previstas. Nasceu um menino, forte, moreno, com cabelo enroladinho e que não se parecia nem um pouco com o filho dela. Esse, cada vez com mais dúvidas, anunciou que iria fazer um teste de DNA. Rosélia, de maneira desassombrada, concordou. Levou seis meses para juntar os 500 reais necessários.

 

          Exame feito, o resultado confirmou o que Alfredo sempre garantiu: não era o genitor. Quando a casa caiu, Rosélia confessou: na visita aos pais, foi a uma festa e tomou umas cervejas. Sem costume, rapidamente ficou alcoolizada e foi presa fácil para a conversa de um malandro, com teve somente uma noite de prazer, cujo resultado surgiu nove meses depois. Envergonhada, voltou para a roça, levando o bebê, com quem a mãe de Alfredo já tinha se apegado.

 

          - É por isso, mãe, que eu digo: casamento não é para mim.

 

          Tenho que admitir: gato escaldado, tem medo de água fria.

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