- Casamento não é para mim.
Pela enésima vez ele repetia esse
quase mantra, após, novamente, sua mãe insistir no assunto, um dogma familiar
da qual ela não abria mão, principalmente por um motivo muito específico:
queria ser avó.
- Meu filho – dizia -, você já tem mais
de 30 anos. Precisa de alguém para formar uma família. Não faça como eu, que
depois que separei do teu pai estou vivendo sozinha e chegando à velhice sem
ninguém para me fazer companhia. Não espere muito, senão passa do tempo para
você ter filhos.
Contudo, as duas experiências
anteriores em que namorou “para casar” deixaram marcas profundas em seu ser, a
ponto de ele não admitir sequer pensar na possibilidade, por mais remota que
fosse, de contrair matrimônio. Aliás, essa expressão (“contrair matrimônio”)
lhe dava calafrios, como se o casamento fosse uma doença que alguém “contraísse”.
Na verdade, era difícil não dar razão
ao assustado desafeto de uma vida conjugal. Vejam o que lhe aconteceu.
Tinha recém alcançado a maioridade
quando conheceu Helena, uma linda morena de olhos verdes e longos cabelos pretos. Moça de família,
frequentava a mesma igreja e não vivia em festas e nem gostava de bagunça. Menina
de respeito. O namoro lhe enchia de felicidade, e ela rapidamente conquistou a
mãe, que fazia de tudo para agradar aquela que iria lhe dar muitos netos.
Nada parecia que poderia abalar futuro
tão promissor. Mas o vento do destino soprou de forma inesperada e carregou
para longe todos os projetos. O pobre rapaz ficou na mão. Estavam de noivado
marcado, e dali para os votos de união não ia demorar muito, quando resolveram,
junto com alguns amigos, visitar um moderno parque de diversões que havia se
instalado na cidade.
Havia brinquedos os mais variados,
desde os tradicionais carrosséis para crianças de todas as idades até o trem
fantasma, passando por roda gigante e montanha russa. A novidade, porém, na
época, era um tal de chapéu mexicano, em que numa cadeira individual a pessoa
rodava numa velocidade estonteante e era elevada a uma altura assustadora.
Influenciada pela turma, a futura
noivinha resolveu ir também. Foi só, porque Alfredo (esse era o nome do moço) tinha
enjoos em qualquer coisa que se elevasse mais de três metros do chão. Cinco
minutos de muita adrenalina era a promessa contida nos cartazes. Tudo
aparentemente aconteceu dentro da normalidade, mas somente quando a máquina
parou e os gritos nervosos dos brincantes cessaram foi que perceberam que algo
tinha dado errado.
Não se sabe de que maneira, mas Helena
não aguentou o repuxo, e teve um ataque cardíaco fulminante que a deixou
prostrada na cadeira, com a boca aberta num esgar abafado de quem pediu socorro
e não foi ouvida.
Passados uns anos, com a ferida já cicatrizada
pelo tempo, o grande professor universal, que tudo resolve, a vida seguia seu
curso. Ainda jovem e na força hormonal da idade, Alfredo sentiu, mais uma vez,
atração por uma mulher, essa uma colega de trabalho, que tinha vindo do
interior tentar a sorte na cidade grande. Talvez não fosse tão bonita ou
prendada quanto a primeira, mas era carinhosa e sabia chamegar de um jeito que
não tinha tido oportunidade de vivenciar com a sua primeira escolhida.
A mãe, na constância do sonho de ver
uma nova geração finalmente desabrochar, não se fez de rogada, e aprovou a
escolha. Só pedia para o filho usar algum tipo de prevenção, pois não queria
que a gravidez ocorresse antes do casamento. Meses depois que o relacionamento
estava bem encaminhado, Rosélia (assim se chamava a caboclinha) falou que iria
visitar os pais na cidadezinha onde nascera e voltaria em três dias.
Conforme combinado, passado aquele
período ela retornou. Dois meses depois a grande surpresa: estava grávida.
Alfredo, espantado com a novidade, de pronto disse que o filho, ou filha, não
era seu, pois, fiel seguidor da orientação materna, sempre usou camisinha nas relações
sexuais que tiveram. Rosélia, por sua vez, jurava de pé junto que a criança era
dele. E criou-se um impasse.
A futura vovó não quis nem saber quem
tinha razão. Colocou a nora para dentro de casa, comprou enxoval, pagou médico
e deu toda a assistência necessária até a hora do parto, isso com o auxílio do
filho, que tinha um dinheiro guardado para comprar um carro, mas teve que
investir naquelas despesas não previstas. Nasceu um menino, forte, moreno, com
cabelo enroladinho e que não se parecia nem um pouco com o filho dela. Esse,
cada vez com mais dúvidas, anunciou que iria fazer um teste de DNA. Rosélia, de
maneira desassombrada, concordou. Levou seis meses para juntar os 500 reais
necessários.
Exame feito, o resultado confirmou o
que Alfredo sempre garantiu: não era o genitor. Quando a casa caiu, Rosélia
confessou: na visita aos pais, foi a uma festa e tomou umas cervejas. Sem
costume, rapidamente ficou alcoolizada e foi presa fácil para a conversa de um
malandro, com teve somente uma noite de prazer, cujo resultado surgiu nove
meses depois. Envergonhada, voltou para a roça, levando o bebê, com quem a mãe
de Alfredo já tinha se apegado.
- É por isso, mãe, que eu digo:
casamento não é para mim.
Tenho que admitir: gato escaldado, tem
medo de água fria.
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