domingo, 13 de setembro de 2020

Cenas cotidianas

 

 

          Aquele trio não era fácil na hora de se alimentar. Podia ficar conhecido como “Trio Parada Dura”, se já não existisse um grupo musical com esse nome. Eles só batiam colocado. Verdadeira lenda urbana.

 

          Gostavam de assombrar nas lanchonetes da vida, principalmente naquelas mais, digamos, simplesinhas, para não falar aqueles ambientes que nem a Vigilância Sanitária frequenta. Do tipo que o salgadinho tinha o apelido de “morte lenta”, ou que o incauto consumidor olhasse na estufa, pedisse um quibe e o balconista, espantando as moscas, informava que, na verdade, era um croquete. Nas pizzarias, em dia de rodízio, detonavam.

 

          Certa noite estavam num desses locais altamente higienizados (fico imaginando a situação nesses tempos atuais de pandemia) e pediram um sanduíche, daquele que mistura hambúrguer com salsinha e bacon, um monte de queijo, presunto, alface, tomate e batata palha. Maionese, mostarda e ketchup à gosto do freguês. Mais ou menos meio quilo de gordura e colesterol para ninguém botar defeito.

 

          Enquanto esperavam que os respectivos lanchinhos fossem preparados, tiveram a oportunidade de apreciarem o incansável trabalho dos homens encarregados da limpeza urbana, já que estavam sentados ao redor de uma mesa colocada na calçada. O caminhão do lixo havia estacionado bem em frente ao estabelecimento, o que carregou o ar daquele futum característico. Não satisfeito, depois que os garis recolheram os sacos espalhados na rua, o motorista do veículo coletor acionou o equipamento e deu uma prensa em todo o material, fazendo escorrer na sarjeta um líquido nauseabundo justamente na hora que os sanduíches chegaram. Uma sincronização perfeita.

 

          Sem titubear, os jovens esfomeados, mesmo achando que até para eles aquela cena dantesca tinha sido um pouco demais, se concentraram na árdua missão que tinham pela frente: dar conta de ingerir toda aquela maçaroca que ocupava o prato. Com a experiência adquirida com a prática deram início à tarefa. Por alguns minutos ficaram em silêncio, pacientemente mastigando cada bocado, até que um deles sentiu um estalo diferente e mais crocante entre os dentes, que lhe chamou a atenção.

 

          Cuidadosamente, retirou aquele pedaço da boca e viu que tinha puxado pela perna a metade da carcaça de uma barata, pois a outra parte ainda estava dentro do pão, misturada entre os ingredientes. Para manter a fama, colocou de lado o inseto frito (afinal, na China trata-se de uma iguaria, comentou, mesmo sem ter certeza), acrescentou a informação de que era proteína pura e mandou ver, enquanto seus dois amigos aproveitavam para dar uma geral nos seus próprios sandubas, a fim de evitar alguma surpresa desagradável do mesmo tipo.

 

          Dali em diante, aquela lanchonete, que permaneceram frequentando, passou a ser conhecida como “A Baratinha”. Nada mais justo.

2 comentários:

  1. Acho que conheço o rapaz ousado. Dizem as boas línguas que já foram espulsos de churrascaria e pizzaria. Sem contar o subway, onde realizaram uma inusitada visita, pro lanche da madrugada.

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  2. Mantive o anonimato por uma questão de respeito.

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