sexta-feira, 27 de maio de 2011

Um jornal quase centenário


Logo quando cheguei em Porto Velho, no final de 1985, fiquei aquele restante de ano sem trabalhar. Aproveitei para viajar um pouco. Fui ao interior do Estado, numa região de floresta ainda intocada (Ariquemes/Campo Novo), pelo menos na época, e estive em Manaus/AM. Na ocasião, inclusive, a BR 319 estava aberta e havia ônibus diários fazendo a viagem entre as duas cidades nortistas. Hoje, só de barco (fui uma vez, mas isto é outra história) ou avião.
Em fevereiro de 1986 comecei a trabalhar no jornal Alto Madeira, um dos mais antigos do Brasil e que fez parte dos Diários Associados, rede construída por Assis Chateaubriand. Diz Fernando Morais, no livro Chatô, que algumas vezes o polêmico jornalista brasileiro assinava seus artigos como "repórter do Alto Madeira". Atualmente, o matutino, salvo engano, está com 94 anos de existência. Desde a década de 70 pertence aos irmãos Euro e Luiz Tourinho.
A redação, administração e oficinas funcionavam na Rua Barão de Rio Branco, no região central, mas logo em seguida mudaram para um prédio maior na antiga Avenida Presidente Kennedy, depois Avenida Governador Jorge Teixeira. No comando, o falecido jornalista Ivan Marrocos Filho, que tinha vindo de A Crítica, da capital manauara. Minha primeira missão foi fazer a cobertura da invasão de uma área de terra urbana, que estava sendo ocupada sob o incentivo da vereadora e, posteriormente, deputada federal Raquel Cândido.
Até aí nada demais. Reportagem é reportagem em qualquer lugar. Comecei a perceber, entretanto, que profissionalmente eu tinha retroagido um pouco no tempo, em relação a Vitória, quando me mandaram participar de uma entrevista coletiva com o governador Ângelo Angelim, ex-deputado estadual que havia assumido o cargo com o advento da Nova República (Tancredo Neves, José Sarney, Ulysses Guimarães e aquela coisa toda) e o fim do regime militar.
Eu estava acostumado, em coletivas, a ouvir a personalidade que a havia convocado expor seu assunto e, na sequência, fazer, junto com os colegas, as perguntas que julgasse pertinentes. Quando o chefe do Executivo concluiu sua fala (era algo a respeito da escolha dos candidatos do PMDB) ficou aquele silêncio e resolvi questionar alguma coisa. Todo mundo ficou me olhando, inclusive o próprio governador, como se aquilo fosse a coisa mais estranha que já tivessem visto. Notei que não era uma coletiva de verdade, mas o discurso de uma voz só. O constrangimento foi tanto que até esqueci minha pochete em cima da mesa. Coisas de costumes locais.
Bom, continuei escrevendo. No início do ano 1990 o jornal passou por uma expansão, diversos outros profissionais foram contratados e a estrutura organizacional modificada. Eu já auxiliava o Ivan na edição e fui colocado na condição de editor-chefe, enquanto ele passava a ser Diretor de Redação. Tínhamos serviços noticiosos. Aumentamos o número de páginas. Fomos o primeiro, em Rondônia, a ter um espaço diário com notícias internacionais.
Quando o senador Olavo Pires foi metralhado em frente à sede de sua empresa de venda de tratores, no início da noite de 16 de outubro de 1990, após ganhar o primeiro turno da eleição para governador, o jornal já estava fechado. Muitos de nós, inclusive eu, estávamos em casa. Entretanto, corremos para a redação, mudamos quase toda a edição e fomos o único na cidade a noticiar o assassinato de uma maneira ampla e completa, com fotos exclusivas.
Aquela turma podia não ter todos os meios necessários para fazer do Alto Madeira o maior jornal do Estado, ou pelo menos de Porto Velho, mas tinha um pique que me fazia sentir um novato novamente. Fazíamos o nosso melhor. O pessoal gostava do trabalho, e acabamos nos tornando bastante amigos uns dos outros. E o "velho Euro", como carinhosamente chamávamos o diretor responsável, nos dava o maior apoio. Como se diz: ganhava-se pouco, mas era divertido.
Infelizmente, a outra banda da família proprietária (pai e filhos) transformou o periódico num mero instrumento de poder político e a coisa foi ficando sem graça. Circulação em queda livre (bastava, segundo me foi dito, que chegasse no gabinete do governador, do prefeito e do presidente da Assembléia), defasagem tecnológica (não havia computadores) e quase todo mundo procurando coisa melhor e mais rentável para fazer. Resolvi, também, "tirar o time" e saí, em 1994, após oito anos. Foi a última redação que frequentei profissionalmente, desde então.
Saudades, meus amigos, muitas saudades. Mas é a vida, né mesmo?


Redação do ALTO MADEIRA numa manhã de sábado. Estou à esquerda. À direita, o jornalista José Carlos de Sá. Ao lado dele, repare no detalhe: uma botija de gás, que era usada para acender um lampião no caso de faltar energia elétrica, coisa muito comum na cidade naqueles tempos de usinas termoelétricas antigas e poluidoras


Nenhum comentário:

Postar um comentário