terça-feira, 24 de maio de 2011

Pé na estrada

"Do mar os capixabas caminham para Rondônia,
atravessar os Andes será um passo a mais."
Cantos de Fernão Ferreiro e outros poemas heterônimos, de Renato Pacheco, Editora da Universidade Federal do Espírito Santo, 1985.


Pois é, meu pai, no livro escrito entre fevereiro e março de 1984 e publicado no ano seguinte, fez um registro que, não sabia ele, acredito, teria reflexos na própria família. A forte migração estimulada pelo Governo Federal para o recém criado (1981) Estado de Rondônia também me atingiu e em meados de novembro de 1985 deixei Vitória e vim para Porto Velho. De uma capital para outra. Do Sudeste para o Norte. Da cidade natal para outra desconhecida.
Conforme já relatei neste blog, a atividade sindical da qual participei me deixou sem espaço no mercado de trabalho jornalístico capixaba. Motivado por algumas pessoas que tinha conhecido em Brasília, onde passara alguns dias, decidi, de uma hora para outra, que ia me mudar. Hoje em dia imagino o choque que foi para meu pai e minha mãe - e para a minha sogra, também - saber num sábado à tarde que no domingo pela manhã estaria iniciando uma viagem de exatos 3.672 quilômetros (pelo trajeto que escolhi).
Fui na frente, de carro (uma Brasília de dupla carburação) até a Capital Federal. Lá fiquei uns dias esperando Jussara e minhas duas filhas, Raissa e Tais, na época com três e dois anos, respectivamente, que vinham posteriormente de ônibus. Quando elas chegaram, começamos, acompanhados por dois outros casais, em seus respectivos carros, nossa aventura para a Amazônia, via BR 364 (foi asfaltada em 83/84), passando por Cuiabá.
Cumpre explicar que até os anos 1960 não havia ligação rodoviária com Porto Velho vindo do Sul. As opções eram aéreas, fluviais (via Manaus) ou ferroviária (a famosa Estrada de Ferro Madeira-Mamoré) para quem estivesse em Guajará-Mirim. O presidente Juscelino Kubistchek, em fevereiro de 1960, foi quem ordenou a abertura da rodovia (inicialmente BR 29), incentivado pelo governador Paulo Leal, e inaugurou a obra, que consumiu investimentos enormes, desmatamentos gigantescos e uma logística inédita, no janeiro seguinte, numa solenidade realizada em Mato Grosso.
Portanto, passamos pela estrada com uma pavimentação, por assim dizer, novinha, já que anteriormente, antes da cobertura asfáltica, no período do inverno (chuvas), na forma do dizer regional, muitos trechos ficavam interditados. Nunca tinha dirigido por retas tão extensas na minha vida, algumas com mais de 15 quilômetros, e nem visto tantas árvores às margens da pista (atualmente se vê muito pasto e bois).
Não lembro a data exata da nossa saída de Brasília, mas no dia 23 de novembro de 1985 estávamos em Vilhena, a chamada Portal da Amazônia, por ser a primeira cidade rondoniense na divisa com o cerrado matogrossense. Tive que fazer um conserto no carro (trocar a bobina) e o comércio estava fechado porque era feriado municipal (aniversário de criação do município), daí a precisão na data de nossa passagem por lá. Ali fomos imunizados contra febre amarela (ô vacinazinha dolorida). Na sequência, dormimos em Ariquemes (na época, o local com o maior índice de malária do mundo), em redes atadas num posto de gasolina, a exemplo do que vínhamos fazendo para pernoitar em todo o percurso. Calculo, então, que no dia 25 de novembro de 1985 chegamos em Porto Velho, onde residimos até hoje.
Inicialmente fomos abrigados por um casal amigo numa residência no bairro das Pedrinhas. Em fevereiro de 1986 adquirimos uma casa própria no Conjunto Marechal Rondon. Aliás, na época, a maioria das residências da cidade era de madeira, com banheiro externo, no fundo do quintal. Casa de alvenaria, em padrões parecidos com o do local de onde tínhamos vindo, somente em alguns poucos bairros.
A cidade tinha muito esgoto a céu aberto, quase nenhuma rua asfaltada e praticamente nada em termos de opção de lazer. Era o auge do garimpo de ouro no rio Madeira, e o custo de vida, em função disso, extrapolava qualquer previsão econômica. Inúmeros assassinatos eram cometidos por causa do metal precioso, que enricava num dia e empobrecia no outro. O clima completamente diferente: durante seis meses, chuvas torrenciais diariamente (e lama pelas ruas). Na outra parte do ano, seca feroz (e poeira à vontade). Malária (tive três) em todo canto.
Cheguei a pensar em desistir, mas aí a gente vai aguentando mais um pouquinho, se acostumando com isso e aquilo, apreciando a culinária (costela de tambaqui, tapioca, creme de cupuaçu) e outras coisas boas. Assim, fui ficando, fui ficando e estou até hoje - junto com minha família. Quase 26 anos já se passaram. Vim para Rondônia com 28 anos de idade e, em breve, tudo indica, terei mais tempo de vida aqui do que no Espírito Santo.
Como disse o famoso cantor Lindolfo Barbosa, o popular Lindú, do Trio Nordestino, na refrão da música Porto Velho, bom lugar, "...quem quiser viver bem, que vá para lá, conhecer Porto Velho, que bom lugar". E aqui estou, até quando Deus quiser.


Na foto, pouco tempo após nossa chegada, Jussara (E) segura, ao lado de amigos, nossa filha Raissa

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