sábado, 28 de maio de 2011

Aventura nos Andes

Na época eu trabalhava no jornal Alto Madeira, com a grande equipe (Lúcio Albuquerque, Carlos Neves, Nonato Cruz, Paulo Correia, Marcos Antero, Zezinho, seu Cruz, entre outros) capitaneada pelo falecido Ivan Marrocos, jornalista manauara radicado em Porto Velho e que hoje, já falecido, dá nome à Casa de Cultura de Porto Velho. Surgiu, então, a notícia de que o saudoso Paulinho Correia iria fazer a cobertura da "Caravana da Integração – a saída para o Pacífico", num percurso entre Brasil, Peru e Bolívia.
Tratava-se de um projeto idealizado pela Federação das Indústrias do Estado de Rondônia, então presidida pelo engenheiro e político Miguel de Souza, oriundo de um seminário realizado em setembro de 90, em Porto Velho, e intitulado “A saída do Brasil para o Pacífico”, que visava instituir um caminho rodoviário até os portos peruanos de Ilo e Matarani, e, naturalmente, vice-e-versa, tendo, do lado brasileiro, início em Porto Velho e passando por Rio Branco, Brasiléia e Assis Brasil, na fronteira com o Peru.
Não sei bem o motivo, mas Paulo Correia desistiu da viagem e a missão caiu, como um presente surpresa, no meu colo. Tive pouco mais de 48 horas para conseguir um novo passaporte e comparecer, às 9 horas do dia 17 de agosto de 1992, na Avenida 7 de Setembro, em frente à sede da Fiero, e me agregar ao grupo de mais 24 caravaneiros (empresários, técnicos de apoio, seguranças e políticos, como, por exemplo, o então deputado federal pelo PTB Antônio Morimoto) que seguiu, dividido em sete veículos (cinco Toyotas, uma D20 e uma F-1000) por mais de 3.500 quilômetros durante 21 dias.
O primeiro trecho foi até Brasiléia, 760 quilômetros após a capital rondoniense. Pernoite no Hotel Júnior, com vista para o rio Acre, com direito a passeio em Cobija (Bolívia). No dia seguinte, mais 86 quilômetros até Assis Brasil. Hoje está tudo asfaltado, mas dezenove anos atrás era uma poeirada só. A chegada ocorreu na noite do dia 18 de agosto. Como ainda não existia a ponte internacional sobre o rio Acre, a caravana passa literalmente por dentro d’água e entra no Peru.
A primeira cidade peruana nesse lado da fronteira é Inhapari, com pouco mais de 200 habitantes. Após um breve contato com as autoridades locais, mais estrada de chão até Ibéria, sempre bordeando a floresta amazônica. A localidade, também pequena (2.600 pessoas), é banhada pelo rio Tauamano. Ali foi necessário esperar a temperatura subir para secar a estrada em frente até as próximas vilas: San Lorenzo, Alerta e Mavila. No trajeto, mais de 20 pinguelas são ultrapassadas.
No dia 20 a caravana chega a Porto Maldonado, às margens do rio Madre de Dios, um dos formadores do rio Madeira. Devido à chuva, ninguém pode descer a rampa para a balsa que fazia a travessia de um lado para o outro. Dois dias depois conseguimos prosseguir, no rumo de Cuzco. Antes, porém, é preciso enfrentar o pior trecho da aventura, com muita lama, buracos e início das íngremes subidas dos Andes. Para se ter uma idéia, 173 quilômetros até Mazuko foram percorridos em 18 horas. Em Marcapata, já a 3 mil metros de altitude, o frio é uma novidade para todos.
Nesse ponto a paisagem não é mais tropical. As casas, antes de madeira, agora são feitas de pedra e a população não nega sua origem inca, até mesmo no uso do idioma quéchua. A vegetação fica escassa, aparecem gelo e neve. Entre os animais, destacam-se lhamas e alpacas. O ponto mais alto alcançado foi a 5,4 mil metros. Começa, então, a descida rumo ao Pacífico. Dia 27 estamos em Cuzco, aproveitando para ida a Machu Picchu, a Cidade Imperial, nesse caso no trem turístico.
Dia 28 de agosto, saída para Santa Rosa, o maior centro peruano de pecuária, e Sicuani, num trecho que era palco de atuação do grupo terrorista Sendero Luminoso. Preocupado, o governo peruano destacou 30 soldados para segurança da caravana. À noite, chegada em Juliaca. Dia 29, Puno, fonte do folclore do vizinho país, onde ocorreu uma das recepções mais apoteóticas de toda a viagem. A cidade fica próxima do lago Titicaca, na fronteira com a Bolívia.
Na manhã do dia 30, Puno fica para trás e iniciamos a viagem para Moquegua, via Laragueri. Dia 31, finalmente, de uma elevação próxima a Ilo, é possível avistar o Oceano Pacífico, com destaque para o porto natural, onde é grande a expectativa de ver, um dia, aportarem navios graneleiros de até 200 mil toneladas. Dia 1º de setembro saída para Arequipa, segunda maior cidade peruana, com 1 milhão de habitantes, com sua famosa indústria de couro. Nas proximidades, fica o porto de Matarani e o balneário de Mollendo.
Nesse ponto, a Caravana da Integração deu por encerrada a parte oficial do projeto. Dia 3 de setembro começa o retorno ao Brasil, com a volta a Puno e Juliaca para entrar na Bolívia e amanhecer o dia 4 em Desaguadero. Passamos também por Kasani, Copacabana, San Pablo de Tiquina até La Paz, a capital boliviana, de onde saímos no dia 5. De Yucumo chega-se a Sapeco, no rio Beni, outro formador do rio Madeira. Manhã do dia 6 passamos por Santa Rosa, Rosário de Iata e Guayaramerin.
Pernoite no lado brasileiro – Guajará-Mirim – e chegada em Porto Velho no dia 7 de setembro de 1992, às 11 horas, com carreata e buzinaço pelas ruas da cidade. No dia da Independência do Brasil, foi concluída mais uma vitoriosa aventura de libertação sul-americana. Que venha a Rodovia do Pacífico.

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