sábado, 27 de fevereiro de 2021

Cenas cotidianas II

 


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         Era um pequeno restaurante à beira da BR 101, entre Guarapari e Cariacica, daqueles que prometem comida caseira feita num fogão a lenha e onde os próprios proprietários preparam o alimento e gerenciam o atendimento. Dependendo do horário, eles também se sentam à mesa junto com a família.

 

         Numa dessas vezes, duas meninas, provavelmente na faixa de uns 5 a 7 anos de idade, comiam sozinhas. Pareciam ser filhas dos donos. Entre uma garfada e outra, uma delas, afastou o prato e disse:

 

         - Está tudo muito gostoso, mas não aguento mais.

 

         E rindo, acrescentou: “É assim que as mulheres ricas falam”.

 

         A menor, como se tivesse feito o curso da Socila, corrigiu:

 

         - Não. Elas dizem: Estou satisfeita.

 

         E cruzando os talheres sobre uns restos de arroz, feijão e carne deu por encerrado o assunto.

 

Dádiva marítima


         Segunda metade dos anos 70, tempos em que o espírito hippie ainda permeava mentes e corações de muitos jovens aventureiros que percorriam o mundo em busca não se sabe exatamente de qual objetivo, sem muito medos ou preocupações. Afinal, a revolução estava a caminho.

 

         Numa pequena enseada escondida do mar Vermelho, próxima à localidade de Eliat, em Israel, um jovem casal – ele, brasileiro; ela, holandesa – acampavam já tinha uns trinta dias, inaugurando o que talvez tenha sido a primeira praia de nudismo daquela região fronteiriça com o Egito e a Arábia Saudita, bem perto do Canal de Suez.

 

         A água cristalina e num tom constante de verde esmeralda fazia as delícias da dupla multinacional. Os dias passavam sem que houvesse qualquer preocupação, a não ser uma que apareceu quando o estoque de suprimentos que tinham levado começou a escassear.

 

         Determinada noite foram dormir preocupados, pois não tinham mais com o que se alimentar no dia seguinte, significando, assim, que precisariam abandonar aquele lugar paradisíaco. A volta ao centro urbano mais próximo não parecia a melhor opção.

 

         Manhã seguinte, ao saíram da barraca, tiveram uma grande surpresa. O mar tinha despejado na areia inúmeras caixas, provavelmente caídas de alguma embarcação que navegava por aquele movimentado curso marítimo. Abriram. Uma delas tinha grandes tangerinas de casca amarelada. A outra estava repleta de latas de sardinha.

 

         Entre agradecimentos a Netuno e à providência divina, ficaram mais uns dias aproveitando o abençoado laissez-faire, laissez-passer, le monde va de lui-même, não no sentido do liberalismo econômico, mas na concepção hedonista horaciana do carpe diem, na paz indescritível do dolce far niente.

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