quarta-feira, 20 de maio de 2020

O cordão de ouro


O cordão de ouro

          Foi bem ali na calçada em frente às Casas Pernambucanas, naquele local em que os camelôs colocavam as suas bancas.

          Eu tinha ido com meu atual marido comprar um travesseiro. Na saída da loja, deu vontade de olhar as banquinhas, aquelas que vendem produtos vindos de Manaus, tipo relógios, lanternas, carregadores de celular e outras bugigangas.

          Numa fração de segundos, a gente se reconheceu. O rapaz que vendia as coisas era meu menino, que tinha saído de casa uns cinco anos atrás, mal fizera 18 anos. Ele não se dava com o padrasto, com quem tinha me juntado depois que o pai desse meu filho único morreu assassinado numa currutela de garimpo. Nós tínhamos uma vida boa, não faltava nada, escola, comida, tudo direitinho, mas o menino não aceitava a morte do pai, e muito menos que eu tivesse arrumado outro homem.

          A gente ficou se olhando, sem saber o que dizer. Mas o padrasto, que era meio ignorante, foi logo perguntando pelo cordão de ouro que ele tinha levado quando saiu de casa. Tinha sido um presente do meu falecido marido. Um cordão grande, de ouro do rio Madeira, que eu nem usava. Achava muito pesado, e feio. Mas acho que valia algum dinheiro, porque meu filho levou com ele quando fugiu, da noite pro dia, sem aviso.

          O garoto era daqueles que não admitia desaforo, e respondeu que não tinha satisfação para dar. Mas o padrasto insistiu, queria que meu filho pagasse pelo cordão, nem que fosse com o valor de alguma mercadoria. Eu dizia: “Deixa pra lá, vamos embora”. O garoto respondia que não ia pagar nada, que o cordão era dele, tinha sido comprado pelo pai legítimo. Os dois ficaram se encarando, naquela discussão, um teimando com o outro, meu filho sendo chamado de “ladrão”. Então, eles começaram a se empurrar, as pessoas olhando, alguém gritou “chame a Polícia”, a banquinha foi derrubada e as mercadorias ficaram espalhadas no chão.

          Não sei como começou, quem agrediu quem primeiro. Foi tudo muito rápido. De repente, um puxou uma faca, mas o outro tinha um revólver. Quando me dei conta, meu menino, que eu não via há tanto tempo, estava caído, na sarjeta, ensanguentado, olhando para o infinito com os olhos arregalados, como se visse tudo e ao mesmo tempo não visse nada.

No peito, entre os botões da camisa rasgada, além de uma enorme mancha vermelha, estava lá o cordão de ouro da discórdia. Ele tinha roubado, mas não vendeu. Guardou, esse tempo todo.

          Foi assim, “seu” Delegado, que tudo aconteceu.

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