O cordão de ouro
Foi bem ali na calçada em frente às
Casas Pernambucanas, naquele local em que os camelôs colocavam as suas bancas.
Eu tinha ido com meu atual marido comprar
um travesseiro. Na saída da loja, deu vontade de olhar as banquinhas, aquelas
que vendem produtos vindos de Manaus, tipo relógios, lanternas, carregadores de
celular e outras bugigangas.
Numa fração de segundos, a gente se
reconheceu. O rapaz que vendia as coisas era meu menino, que tinha saído de
casa uns cinco anos atrás, mal fizera 18 anos. Ele não se dava com o padrasto,
com quem tinha me juntado depois que o pai desse meu filho único morreu
assassinado numa currutela de garimpo. Nós tínhamos uma vida boa, não faltava nada, escola, comida, tudo direitinho, mas o menino não aceitava a morte do pai, e muito menos que eu tivesse arrumado outro homem.
A gente ficou se olhando, sem saber o
que dizer. Mas o padrasto, que era meio ignorante, foi logo perguntando pelo cordão de ouro que ele
tinha levado quando saiu de casa. Tinha sido um presente do meu falecido
marido. Um cordão grande, de ouro do rio Madeira, que eu nem usava. Achava muito
pesado, e feio. Mas acho que valia algum dinheiro, porque meu filho levou com
ele quando fugiu, da noite pro dia, sem aviso.
O garoto era daqueles que não admitia
desaforo, e respondeu que não tinha satisfação para dar. Mas o padrasto
insistiu, queria que meu filho pagasse pelo cordão, nem que fosse com o valor
de alguma mercadoria. Eu dizia: “Deixa pra lá, vamos embora”. O garoto
respondia que não ia pagar nada, que o cordão era dele, tinha sido comprado
pelo pai legítimo. Os dois ficaram se encarando, naquela discussão, um teimando
com o outro, meu filho sendo chamado de “ladrão”. Então, eles começaram a se
empurrar, as pessoas olhando, alguém gritou “chame a Polícia”, a banquinha foi derrubada
e as mercadorias ficaram espalhadas no chão.
Não sei como começou, quem agrediu
quem primeiro. Foi tudo muito rápido. De repente, um puxou uma faca, mas o
outro tinha um revólver. Quando me dei conta, meu menino, que eu não via há tanto
tempo, estava caído, na sarjeta, ensanguentado, olhando para o infinito com os
olhos arregalados, como se visse tudo e ao mesmo tempo não visse nada.
No peito, entre os botões da camisa rasgada,
além de uma enorme mancha vermelha, estava lá o cordão de ouro da discórdia.
Ele tinha roubado, mas não vendeu. Guardou, esse tempo todo.
Foi assim, “seu” Delegado, que tudo
aconteceu.
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