terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Quase estrelato

            

            Ocram desde a tenra idade demonstrava aptidão para o canto. Inicialmente, soltava a voz no banheiro da casa, enquanto atendia às ditas popularmente necessidades fisiológicas, especialmente a conhecida por “número dois”, ou ainda ao banho.

          Com o tempo, mais desinibido, passou a cantar na varanda do sobrado onde morava com a família, atraindo a atenção dos vizinhos. Era a época da Jovem Guarda, e ele tinha predileção por Wanderléa, a Ternurinha, e Wanderley Cardoso, o Bom Rapaz, apesar de incluir no seu repertório outros renomados integrantes da MPB da época como Agnaldo Timóteo e Jerry Adriani.

          Sua voz melodiosa se tornou motivo de comentários em todo o bairro. Aquilo chamou a atenção do pai, que passou a ver naquele dom do filho uma possibilidade de ganhar algum dinheiro, um investimento, por assim dizer. Resolveu, então, levá-lo para fazer um teste de audição visando participação no programa do Chacrinha, como era conhecido o popular apresentador de televisão Abelardo Barbosa. Tinha por volta de 11 anos de idade.

          No dia marcado, o “empresário”, preocupado com o bem-estar do pupilo, ensinava-o técnicas de aquecimento vocal e para evitar qualquer contratempo mandou vir um táxi (um luxo para o apertado orçamento familiar). Durante o trajeto, foi obrigando o menino a fazer os sons tipo “brrrrrrr” ou “mimimimimi” e ainda “uuuuuuuuuuu”. Numa pausa e outra, dizia para o taxista:

          - Meu filho. Vai participar do programa do Chacrinha. Esse menino canta igual a um passarinho.

          O estúdio da emissora ficava na rua Pacheco Leão, nas proximidades do Jardim Botânico e estava cheio de pais e rapazes e moças, todos na expectativa de uma oportunidade que poderia levar ao sucesso junto às multidões. Muitos tinham ido caracterizados como se fossem seus próprios ídolos.

          Iria apresentar uma de suas canções preferidas, O bom rapaz, de Wanderley Cardoso, que sabia de cor e salteado. Esperou a vez até que seu nome foi chamado. Quando se posicionou em frente ao microfone e o conjunto dava os primeiros acordes da melodia, seu pai, lá da plateia, a título de incentivo carinhoso, gritou:

          - Manda do banheiro.

          Tal qual um chute nas partes baixas masculinas, aquelas palavras fizeram o quase futuro bardo se encolher, suar frio e tremer nas bases. Cantou sem nenhuma emoção, a voz sumida, praticamente inaudível, e levou uma tremenda buzinada do Velho Guerreiro. Voltaram para casa de ônibus. O pai, sem entender o que havia acontecido, ainda ameaçou:

          - Não quero te ouvir cantar nunca mais. Se abrir a boca de novo vai pegar uns tapas.

          Encerrou-se, assim, abruptamente, a curta carreira de um quase herói da música popular brasileira.

          Por isso que sempre é preciso ter muito cuidado com o que se diz, pois as palavras, força viva que são, podem alcançar o receptor com um efeito diferente daquele imaginado. Em alguns casos, dá-se o contrário do objetivo pretendido.

          Que pena! Talvez Ocram se tornasse um nome de renome, vendendo milhões de discos. Nunca saberemos. Só resta achar graça, tantos anos depois, daquela experiência inusitada.

          São todas essas coisas.

 

         

         

 

          

 

         

         

 

         


Nenhum comentário:

Postar um comentário