quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Dádivas

 


        Tem um pessoal, mais ou menos umas 15 pessoas, se tanto, que regularmente, no horário da maré baixa, passa horas catando sururu nas pedras que cercam o final do calçadão do trecho marítimo central de Guarapari, de onde se tem uma vista completa da praia do Morro.

 

          Com enxadas e outras ferramentas, forçam por baixo das conchas e arrancam o sururu, desgrudando-o das pedras onde se desenvolveram. Muitos chegam até a beira da água, nem sempre calçados e nunca com roupas ou equipamentos de proteção.

 

          São homens e mulheres. Alguns estocam pedaços de paus e ali mesmo, na parte mais alta, longe do alcance das ondas, fazem fogo, em fogueiras improvisadas, e cozinham os moluscos em latas grandes de 18 litros. Outro dia, avistei um cidadão chegando com um fogão de quatro bocas.

 

          O trabalho é exaustivo. Ao final, saem carregando inúmeros sacos que são perfurados pelas pontas afiadas das conchas duplas que envolvem o bichinho tão apreciado na culinária regional.

 

          Não sei se são as mesmas pessoas, e nem se elas vão ao local todos os dias. Entretanto, desde a minha infância tenho lembrança de vê-las fazendo aquela atividade. Imagino que seja um modo de vida, e não simplesmente um lazer, como daquelas que ficam pescando com varas nas proximidades.

 

          Talvez algum especialista da área ambiental ou biológica já tenha detectado uma diminuição na incidência do sururu na região, mas é certo que continua havendo alguma abundância, considerando a quantidade que ainda é catada constantemente.

 

           Provavelmente, acredito, devem ser da segunda ou terceira geração de catadores de sururu, pois frequento essa orla atlântica tem mais de 50 anos. Além de impressionar como essa atividade marisqueira artesanal se mantém por tanto tempo, outro ponto que chama a atenção, para mim, é a prodigalidade da natureza, garantindo, num mesmo local, ao longo de meio século, no mínimo, a existência desse tipo de molusco bivalve.

 

          Os bens naturais disponíveis são tão abundantes que é difícil acreditar como ainda é possível existir fome na Terra. Fossem os seres humanos mais solidários e menos egoístas todos os dias a população mundial inteira teria alimento garantido, seja de que tipo for, em conformidade com as características regionais.

 

          Um planeta tão belo e rico oferece a seus habitantes os recursos necessários à sobrevivência. Basta que não haja desperdícios, e nem destruição dos biomas onde são ofertados graciosamente os meios que podem ser utilizados para a nutrição e a saúde dos maiores beneficiários dessa obra divina: o ser humano.

 

          Nem que seja um simples sururu.

 

         

         

 

         

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