terça-feira, 14 de abril de 2020

A vida de cada dia




Drama aéreo

Era um longo voo noturno de mais de seis horas de duração entre Belo Horizonte e Manaus.

        Tudo transcorrendo dentro da normalidade, até que em determinado momento, já sobrevoando a hileia amazônica, a voz da comissária chefe da equipe de bordo quebra o silêncio e, entre soluços e choro controlado, anuncia que todos deveriam permanecer em seus respectivos lugares, apertarem o cinto de segurança e se posicionarem com a cabeça entre as pernas porque a aeronave iria fazer um pouso de emergência no meio da floresta.

        Gritos de alarme e medo tomaram conta da cabine de passageiros, surpreendidos com a informação. Um dos viajantes, perdendo o controle do esfíncter anal, colocou para fora todo o seu pavor na forma de material sólido não absorvido pelo organismo. Naturalmente, o fedor característico daquele tipo de produto espalhou-se no espaço vedado do avião, onde não se podia nem abrir uma janelinha para entrar um vento.

        Numa tentativa de amenizar aquele drama, como quem faz um comentário casual, um companheiro de infortúnio levantou-se e disse num tom suficiente para que todos escutassem:

        - Pessoal, não vamos inverter a ordem natural das coisas. Primeiro tem que morrer, para depois apodrecer.

        A “piada” não fez sucesso e como, não se sabe de que maneira, o piloto conseguiu controlar a situação, pousando normalmente na pista e não entre árvores, no desembarque o humorista desajeitado teve que enfrentar olhares tipo facas, granadas e raios, como se fosse ele o culpado pela experiência assustadora que tinham vivenciado.

        Às vezes, o melhor mesmo é ficar calado.

Barraco na ambulância

        O paciente estava internado com dengue hemorrágica num hospital e, sem maiores explicações, foi transferido para outro.

        Transferido é modo de dizer. Na verdade, ele foi deixado na porta da segunda casa de saúde e a ambulância que o havia levado seguiu em frente. Nenhum encaminhamento havia sido feito.

        Inconformada, à acompanhante do doente não restou alternativa a não ser iniciar, novamente, uma via sacra em busca de atendimento. Depois de quase uma hora de peregrinação e espera, ela vislumbrou uma solução.

        Outra ambulância encostou na entrada de emergência. Mais do que depressa, agarrou-se na porta do veículo e armou aquele barraco. Aos gritos, disse que não sairia dali, a não ser que seu marido fosse atendido imediatamente ou, então, colocado novamente numa ambulância e voltasse para o centro clínico de onde viera.

        A turma do “deixa disso”, mantendo a distância regulamentar do isolamento social de dois metros, não conseguiu convencê-la. Assim, mais do que depressa, após alguns momentos de tensão, apareceu uma enfermeira, colheu sangue do dengoso e providenciou o necessário para que novo internamento fosse feito.

        O irmão, a quem havia pedido auxílio, chegou quando o clima já tinha desanuviado, mas ela, desabafando a pressão suportada, caiu em seus braços e chorou copiosamente. Ele, por sua vez, lembrando das recomendações médicas relativas à quarentena, virou o rosto um pouco para o lado para não haver troca de odores respiratórios.

        Só uma precaução básica, nada pessoal.

EM TEMPO:

        Esses relatos me foram passados como sendo absolutamente verdadeiros.

        Ambos os dois conjuntamente, se me permitem essa redundância brincalhona.

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