A fase estava
difícil.
Tinha dado baixa no Exército e estava desempregado,
vivendo de bicos e com fome, muita fome. Sentia saudades da caserna, onde, pelo
menos, tinha o que comer.
Ainda
bem que possuía um teto para se abrigar, naquela casa emprestada pelo pai, que
sempre o criticou por ter deixado a cidade de origem para tentar a sorte em
outras paragens.
Mas
naquele exato dia precisava comer.
Havia limpado dois quintais nas vizinhanças e arrumado uns trocados que, acreditava,
seriam suficientes para comprar uns bifes no açougue da esquina, apesar da
origem da carne ser duvidosa. Porém, não estava em condições de se dar ao luxo
de ter este tipo de preocupação.
Passou
os olhos pela despensa e verificou que ainda tinha um pouco de arroz, meio
pacote de farinha grossa e uma lata de óleo. Era só comprar a carne e o almoço
estava garantido, talvez até sobrasse para o jantar.
Foi
até o açougue e descobriu que o magarefe tinha aumentado o preço da
carne de segunda. Em vez de dois quilos, só conseguiu adquirir 1,5 kg. Tudo
bem. Era suficiente para ele acalmar seu estômago saudoso de um alimento
quente.
Com água na boca pegou o caminho de volta, e aguardou o sinal de trânsito
fechar para atravessar a rua. Ao seu lado, na calçada, havia uma senhora, já
puxada nos anos, com alguma dificuldade para andar. Resolveu fazer sua boa ação
diária e se prontificou a auxiliá-la a cruzar para o outro lado.
Quando
a luz vermelha acendeu, iniciou a travessia, segurando no braço da idosa. Na
mão livre, levava a sacola com os tão sonhados bifes.
Eis
que sem nenhum aviso um motoqueiro abusado vinha cortando os carros parados e
não demonstrou nenhuma intenção de diminuir a velocidade. O doido iria furar o
sinal, e vinha em reta de colisão justamente na direção onde ele estava com a
anciã.
Numa
fração de segundos imaginou toda a cena. Poderia correr, mas a velhinha não
conseguiria escapar. Imediatamente, numa ação reflexa e quase automática, rodou
a sacola com a carne e lançou-a diretamente na direção do rosto do imprudente
motociclista, que foi atingido em cheio no capacete, perdendo o controle da
moto e indo ao chão.
Mas
os bifes, rompendo o plástico onde estavam acondicionados, voaram sem rumo e a
maioria entrou pelas janelas abertas de um ônibus que estava parado esperando o
sinal abrir. Surpresos, os passageiros viram, sem entenderem nada, uma chuva de
carne caindo em seus rostos, braços e pernas.
O
motoqueiro quis criar caso, mas foi contido por aqueles que observavam a cena.
E
o ex-soldado, desolado, nada pôde fazer, a não ser se conformar, pois não havia
como recuperar nenhum pedacinho de carne. E o dinheiro restante era
insuficiente para nova compra.
O
jeito foi ir para casa e preparar um caldo de caridade. Mais uma vez.
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