quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Deu ruim!





            A fase estava difícil.

         Tinha dado baixa no Exército e estava desempregado, vivendo de bicos e com fome, muita fome. Sentia saudades da caserna, onde, pelo menos, tinha o que comer.

Ainda bem que possuía um teto para se abrigar, naquela casa emprestada pelo pai, que sempre o criticou por ter deixado a cidade de origem para tentar a sorte em outras paragens.

Mas naquele exato dia precisava comer.

Havia limpado dois quintais nas vizinhanças e arrumado uns trocados que, acreditava, seriam suficientes para comprar uns bifes no açougue da esquina, apesar da origem da carne ser duvidosa. Porém, não estava em condições de se dar ao luxo de ter este tipo de preocupação.

Passou os olhos pela despensa e verificou que ainda tinha um pouco de arroz, meio pacote de farinha grossa e uma lata de óleo. Era só comprar a carne e o almoço estava garantido, talvez até sobrasse para o jantar.

Foi até o açougue e descobriu que o magarefe tinha aumentado o preço da carne de segunda. Em vez de dois quilos, só conseguiu adquirir 1,5 kg. Tudo bem. Era suficiente para ele acalmar seu estômago saudoso de um alimento quente.

Com água na boca pegou o caminho de volta, e aguardou o sinal de trânsito fechar para atravessar a rua. Ao seu lado, na calçada, havia uma senhora, já puxada nos anos, com alguma dificuldade para andar. Resolveu fazer sua boa ação diária e se prontificou a auxiliá-la a cruzar para o outro lado.

Quando a luz vermelha acendeu, iniciou a travessia, segurando no braço da idosa. Na mão livre, levava a sacola com os tão sonhados bifes.

Eis que sem nenhum aviso um motoqueiro abusado vinha cortando os carros parados e não demonstrou nenhuma intenção de diminuir a velocidade. O doido iria furar o sinal, e vinha em reta de colisão justamente na direção onde ele estava com a anciã.

Numa fração de segundos imaginou toda a cena. Poderia correr, mas a velhinha não conseguiria escapar. Imediatamente, numa ação reflexa e quase automática, rodou a sacola com a carne e lançou-a diretamente na direção do rosto do imprudente motociclista, que foi atingido em cheio no capacete, perdendo o controle da moto e indo ao chão.

Mas os bifes, rompendo o plástico onde estavam acondicionados, voaram sem rumo e a maioria entrou pelas janelas abertas de um ônibus que estava parado esperando o sinal abrir. Surpresos, os passageiros viram, sem entenderem nada, uma chuva de carne caindo em seus rostos, braços e pernas.

O motoqueiro quis criar caso, mas foi contido por aqueles que observavam a cena.

E o ex-soldado, desolado, nada pôde fazer, a não ser se conformar, pois não havia como recuperar nenhum pedacinho de carne. E o dinheiro restante era insuficiente para nova compra.

O jeito foi ir para casa e preparar um caldo de caridade. Mais uma vez.



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