sábado, 4 de janeiro de 2020

Tempos de transição





Em 1996, quando Paulo Hartung era prefeito de Vitória e Sílvia Helena Selvátici dirigia a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, foi editado o volume 16 da série Escritos de Vitória, tendo por tema “Movimentos Sociais”.

Por indicação, salvo engano, do jornalista Álvaro José Silva, um dos integrantes do Conselho Editorial e com quem trabalhei na redação de A Gazeta, onde ele era Editor de Esportes, me pediram um texto sobre minha experiência no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Espírito Santo.

As mal traçadas linhas, ora revisadas, as quais dei o título de “Eu também já agitei as massas”, ficaram assim:

“Pois é, quem diria, eu também já tive os meus dias de líder sindical. Foi no início da década de 80, época em que exercia minhas atividades profissionais de jornalista na redação da TV Gazeta. Naquele tempo existia a função de delegado sindical. Era um cargo previsto no acordo (dissídio coletivo) firmado entre o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Espírito Santo e as empresas. Essa pessoa atuava como representante da entidade e intermediava as reivindicações dos funcionários junto à chefia.
Ia ser feita, então, a eleição do delegado sindical da redação da TV Gazeta. Não sem bem como aconteceu e meu nome surgiu como um dos candidatos. Se bem me lembro, a adversária era a companheira Rose Duarte. E para surpresa de muitos, inclusive do cacique Rogério Medeiros, conforme ele próprio me disse, venci o pleito. Começou ali minha curta carreira (pouco mais de três anos) de líder sindical.
Nessa condição passei a frequentar as assembleias convocadas pelo Sindicato e me envolvi nas discussões que se travavam sobre salários (foi quando aprendi o significado de mais-valia), dissídios, benefícios e outros assuntos inerentes à esfera sindical. Radicalizei. Quase que virei um petista de carteirinha. Conheci as diferentes facções que compõem o movimento sindical brasileiro – PT, PC do B, PC (que nem existe mais) e demais tendências à esquerda e à direita.
Rogério Medeiro, que era o presidente do sindicato, seu idealizador e fundador, o grande e incontestável líder da categoria, com quem aprendi muita coisa, inclusive sobre fotografia, iniciava, no final de 1981/início de 1982, as negociações para formar a chapa que iria disputar a eleição para a diretoria do Sindicato. Como candidato à sua sucessão ele indicou Edvaldo dos Anjos, o popular Tinoco, amigo sincero e um ser humano de respeito. Como se diz na gíria: gente muito boa. Novamente sem nem saber por quê (acho que não encontraram mais ninguém interessado na redação da TV Gazeta), entrei na chapa na condição de suplente da diretoria.
Começamos a campanha. As reuniões semanais de preparação da nossa estratégia eram realizadas adivinhem em que lugar: na minha casa. Ou melhor, na casa onde eu morava (rua Sete de Setembro, 415), pois o imóvel pertencia ao meu avô, Filogônio, que residia no número 407. Apesar dessa proximidade com o nosso, digamos, comitê eleitoral, costumava chegar atrasado aos encontros, que começavam no irritante horário de oito horas da madrugada (eu tinha uma atividade noturna muito intensa naquela fase da minha vida), mas amenizava o problema mandando servir café, pão e queijo aos companheiros de jornada.
Nossa chapa era bastante eclética e refletia, penso eu, o que havia de mais avançado em termos de sindicalismo capixaba, pelo menos na categoria dos jornalistas. Só a presença do Rogério Medeiros, na condição de representante junto à Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), nos dava um favoritismo quase que total. Produzimos alguns folhetos de campanha, fizemos bastante corpo-a-corpo e até imprimimos cartazes. Aí tem um detalhe interessante: reunimos, especialmente para fazer a foto, todos os integrantes da chapa (eram quantos mesmo?). Escolhemos como cenário a escadaria de acesso à varanda da casa do meu avô, grande o suficiente, em seu estilo E o vento levou, para abrigar toda a turma. Foto feita, cartaz distribuído, a “oposição” começou a se preocupar em querer saber que escadaria era aquela, tão imponente, conforme os comentários que ouvíamos. Talvez esteja sabendo agora.
Vencemos. E parece que foi de goleada. De uma hora para outra passei a integrar a diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Espírito Santo, com direito a imunidade e tudo. Nosso presidente, Tinoco dos Anjos, estabeleceu uma rotina de reuniões semanais em que todos (efetivos e suplentes, como era o meu caso) tinham direito a voz e voto. Sempre que possível estava lá, na antiga sede da escadaria Maria Ortiz. Lembro-me bem dos companheiros Namy Chequer, Diolindo Tavares, Sílvio Costa, Ruth Reis (inesquecível musa da turma) e Otaviano de Carvalho. O trabalho começou a todo vapor. Os chamados “pelegos” não tinham vez. A época era de mobilização e confronto.
Tinoco, com seu estilo afável e conciliador, mas sem aviltar os interesses da categoria, conseguia conduzir os assuntos da melhor maneira possível. Não estou me lembrando das datas, mas fizemos duas greves que ficaram na história, pois foram as primeiras realizadas nos meios de comunicação no Espírito Santo. Uma delas foi em A Tribuna. Parece que seriam demitidos alguns profissionais ou não houve acordo trabalhista. Fomos pro pau. Mobilizamos a redação (Rogério Medeiros comentava que greve só consegue sucesso quanto tem grevistas) e cercamos o prédio do jornal, na Ilha de Santa Maria. Em certo momento fizemos um cordão humano em frente da portaria para impedir o acesso dos funcionários. Uns fura-greve resolveram imprimir uma edição, mesmo que desfigurada, para garantir a circulação do jornal. Espalhamos pregos nas ruas próximas aos locais de saída dos carros de distribuição. Resultado: pneus furados à vontade. Os PMs que tinham sido chamados pelos patrões, é lógico, recolheram aquelas provas da nossa ação terrorista, conforme comentaram. Passamos dias e noites naquele impasse até que a direção do jornal, pertencente ao Grupo João Santos, de Pernambuco, resolveu simplesmente tirar A Tribuna de circulação, demitir todo mundo e fazer uma reformulação total.
Outra paralisação que promovemos foi para atender uma convocação do Dia Nacional de Greve organizado pela CUT, central sindical ao qual o sindicato era (ainda é?) filiado. Essa greve, sem diretamente ter um interesse específico (salários, por exemplo) mexeu com a categoria. Inicialmente foi feita uma discussão no âmbito da diretoria, que aprovou a ideia. Foi, em seguida, convocada uma assembleia geral. A primeira não deu quórum (achei bom, pois era dia de minha pelada semanal de futsal). A segunda lotou o auditório da Secretaria da Agricultura, ali no Forte São João. A maioria votou Sim. Na condição de funcionário da Rede Gazeta de Comunicações fui para a porta do prédio, ali naquela rua paralela à avenida Beira-Mar.
Chegamos de madrugada. Piquetes formados, aguardamos os acontecimentos. Um editor da TV Gazeta quis avançar de qualquer jeito e jogou seu carro em cima do pessoal, machucando uma manifestante. Os ânimos ficaram acirrados. A dupla Abdo Chequer/Marisa Sampaio, apresentadores do Bom Dia ES não pôde entrar. Naquele dia, o programa ficou fora do ar. Os noticiários diários também foram prejudicados. O jornal circulou precariamente. Cutucamos a onça com vara curta. Resultado: dezenas de demissões. Quem tinha imunidade sindical se salvou. No meu caso, porém, perdi o cargo de editor, pois a empresa alegava ter havido quebra de confiança em mim depositada (inclusive, eu tinha noticiado a greve geral contra a orientação da chefia). O caso foi parar na Justiça do Trabalho.
O advogado do sindicato, Joaquim Silva (também competente jornalista e excelente sambista) adotou a linha do jus resistentiae. Enquanto o processo corria, fiquei sem trabalhar uns três meses (fazia parte da estratégia do causídico). Na Junta de Conciliação e Julgamento venci. A empresa teve que me recolocar no cargo e me pagar os salários relativos aos meses de querela jurídica. Voltei me sentindo um verdadeiro herói. O caso foi para a segunda instância, o Tribunal Regional do Trabalho, no Rio de Janeiro, já que não havia, à época, TRT no Espírito Santo. O sindicato carioca ficou de acompanhar o trâmite. Se o fez, não adiantou muito. Perdi. Tive que devolver (ainda bem que foi em suaves prestações) o dinheiro recebido. Fui, por assim dizer, encostado, já que não poderia ser demitido, pois tinha imunidade sindical.
Comecei a achar que esse negócio de sindicato era meio perigoso. Aproximava-se, novamente, o período de eleição na nossa entidade. Tinoco não admitia a hipótese de ser candidato à reeleição. Muitos companheiros tinham abandonado o barco, tanto que eu passei da condição de suplente para a de tesoureiro (dei muito trabalho para a Lurdinha, nossa secretária). Fizemos uma reunião para decidir o que fazer. Convidamos Abdo Chequer para ser candidato. Ele não quis. Olharam para mim. Esfriei. Fui escolhido. Formamos a chapa, desta vez sem a presença do requisitadíssimo Rogério Medeiros, que apoiou o candidato que encabeçava a concorrência, Sérgio Egito. De novo sem entender direito o que estava acontecendo, eis-me na condição de candidato à presidência do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Espírito Santo.
Bem, resumindo, àquela época eu começava a questionar a validade de tanta agitação. Iniciava um processo de busca interior. Estava sem pique para pedir votos, fazer campanha, enfim, entrei na briga sem querer brigar. Nosso grupo, porém, era unido. Serginho Egito venceu o primeiro turno, mas não teve o número de votos suficiente para levar. Havia necessidade de um segundo turno. Quis desistir. Não deixaram. Convidei Tinoco para um almoço na Churrascaria Minuano e falei para ele do meu dilema. A derrota era certa, fato que se consumou na segunda rodada. Provavelmente decepcionei amigos, companheiros e colegas que acreditavam em mim (tive o mesmo número de votos nos dois turnos). Mas confesso que senti como se tivessem tirado um peso das minhas costas.
Mandato próximo do fim, resolvi mudar de vida. Na TV Gazeta permaneciam as sequelas da minha atividade sindical – especialmente aquela famosa greve. Procurei Carlos Lindenberg Filho, o Cariê, acompanhado de Tinoco dos Anjos, ainda presidente do Sindicato, e fiz um acordo para deixar a empresa. Tomei rumo norte e vim para Rondônia, onde estou até hoje, sem me envolver mais com entidades de classe. Continuo jornalista, acreditando que a transformação dos homens por um mundo melhor, socialmente mais justo, somente acontecerá com a modificação individual de cada um de nós, quando as consciências se tornarem mais claras. Não renego nada, nem sou contra quem luta por aquilo que acha justo. Mas minha forma atual de batalha é outra.
Peço compreensão, companheiros”.




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