segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Um dia na cidade

 


Sob o sol escaldante de um tórrido e inusitado mês de novembro, o trabalhador cumpria diligentemente a sua tarefa: refazer a pintura das vagas de estacionamento em frente a uma loja de tintas.

 

O trabalho não era dos mais difíceis, considerando a sua experiência de longos anos naquela atividade profissional, mas o calor desproporcional causava um desgaste inesperado. Mesmo assim, suando em bicas, persistia, pois contava com aquela parca remuneração para levar o sustento para casa, onde lhe esperavam a mulher e três barrigudinhos.

 

Nas proximidades do meio-dia estava quase tudo pronto. Para garantir a incolumidade do local enquanto os corantes aplicados secavam, colocou em frente às vagas (eram quatro) uma lata de tinta cheia, amarrando nelas uma vassoura, à guisa de espantalho improvisado. Acreditando que a segurança estava garantida, buscou uma sombra para beber um pouco de água e aguardar o dono do serviço, já sentindo o dinheiro dentro de seu bolso.

 

Enquanto isso, ao volante de seu carro, como fazia regularmente de segunda a sexta-feira, aquela dona de casa cumpria sua rotina familiar: buscar as crianças na escola e, em seguida, apanhar o maridão no trabalho para o almoço de todos no lar doce lar. Atendida a primeira parte, dirigiu-se rapidamente ao segundo endereço, preocupada em não se atrasar.

 

Sem medo de ser feliz, fez a curva e entrou na rua, embicando o automóvel para parar justamente em frente à loja de tintas, localizada ao lado do prédio onde fica a empresa que garante ao esposo seu ganha-pão. Percebeu que a vaga estava desocupada e entrou com tudo. Numa fração de segundos, ouviu um estrondo, percebeu algo colorido no ar e, em seguida, um homem aos gritos batendo no vidro do veículo.

 

Assustada, ligou para o celular do marido pedindo socorro, ainda sem entender o motivo de aquele cidadão dizer que havia estragado o seu dia de trabalho e quem iria pagar o serviço dele agora. Abriu a porta e saiu, caindo, então, em si. Tinha acertado uma das latas colocadas em frente às vagas e espalhado uma bonita tinta de cor vermelha brilhante sobre todo o piso recentemente pintado de cinza, preto e amarelo.

 

Para acalmar os ânimos, o jeito foi desembolsar 100 reais para o pintor transtornado, a título de diária, se explicar com o proprietário da loja, que graciosamente não fez questão de receber pela lata de tinta estourada, e voltar para casa só pensando em se deitar e esquecer do mundo.

 

O para-choque do carro, ainda bem, não amassou, mas o pneu dianteiro do lado direito roda agora coberto por um tom de vermelho vivo inédito para esse tipo de acessório. Já teve até quem perguntasse onde comprar um igual.

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