terça-feira, 22 de março de 2022

Mão fechada

 


Eu estava dias desses numa roda de conversa entre sexagenários quando o filho de um desses idosos resolveu dar um pitaco. O assunto girava em torno do tema “simplicidade”.

O jovem citou o exemplo do pai, também presente, que só comprava um sapato para os herdeiros, e o dito pisante era usado até abrir um rombo na sola. Aí, então, as crianças eram agraciadas com um novo par, mas não tinham direito de escolher, pois o cuidadoso genitor tirava as medidas dos pés deles com um pedaço de barbante ou moldava o formato numa folha de papel, como se fosse uma palmilha, e ia até à sapataria, voltando com o mesmo modelo do ano anterior.

Obviamente, tudo isso foi falado em tom de gozação, como se fosse um grande modelo do jeito simples de ser. Meu amigo, em sua defesa, lembrou que vinha de uma família de cinco irmãos, sendo ele o quarto na linha de nascimento. Na época dele de criança, o mais velho ganhava um sapato novo, que depois, após algum tempo de uso, era repassado para os demais, até chegar no caçula ou se acabar no meio do caminho.

Em tempos bicudos, parece que o pão-durismo tem o seu lugar. Mas para uma criança é difícil entender o raciocínio de um pai de família preocupado em fazer o salário durar até o final do mês. Esse mesmo rapaz lembrou que houve época em que falar o verbo “comprar” na casa deles era quase que um pecado mortal.

Mas existe gente que exagera. Conheço um cidadão amazonense que tinha a mão tão fechada que às vezes dava a impressão de que ele ia quebrar os dedos. Cada um, porém, sabe onde o sapato aperta o calo.

Ser generoso não significa desperdiçar, pois aquele que é previdente sabe que não precisa temer o futuro. Paulo, numa de suas famosas cartas, afirma: “Lembrem-se: aquele que semeia pouco também colherá pouco, e aquele que semeia com fartura também colherá fartamente. Cada um dê conforme determinou em seu coração, não com pesar ou por obrigação, pois Deus ama quem dá com alegria”.´

O próprio Jesus, na doutrina intitulada Sermão da Montanha, ensina:  “Não ajunteis tesouros na Terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam. Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam, nem roubam. Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”.

E retornando ao tema inicial. Aquele meu amigo, depois de 16 anos com dois filhos, se tornou pai de uma menina, um sonho antigo de sua esposa. Dizem que aquela rigidez e controle de gastos foi para o espaço. A donzela faz e ganha o que quer, inclusive, segundo fiquei sabendo, tem uma vasta coleção de sapatos de diferentes tipos e modelos.

São as voltas que o mundo dá.

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